
O caminho do padre Robert Prevost desde a infância na cidade de Chicago, nos EUA, até o posto mais elevado da Igreja Católica foi marcado por idas e vindas entre os Estados Unidos e o Peru, visitas eventuais a países latino-americanos como o Brasil e um trabalho pastoral marcado pela proximidade com os fiéis e a população mais pobre das dioceses onde serviu.
A experiência com a dura realidade na América do Sul, combinada a um perfil pessoal descrito como discreto e amistoso, foi determinante para a ascensão vertiginosa que marcou os últimos anos até a escolha no conclave de quinta-feira (8).
— Ele chegou aqui ao Vaticano há pouco mais de dois anos, no início de 2023. Foi pouco tempo, mas durante o qual demonstrou um perfil discreto e muito conciliador. Os padres que trabalhavam com ele têm, todos, ótimas referências. Esse perfil conciliador, moderado, foi o que levou os cardeais a escolherem ele — conta o padre gaúcho Antônio Hoffmeister, que trabalha há vários anos no Vaticano e era muito próximo de Francisco.
Veja, a seguir, um resumo da trajetória de Prevost até se transformar em Leão XIV.
Infância e chamado à religião em Chicago
O sucessor de Francisco nasceu em 14 de setembro de 1955, em Chicago, Illinois (EUA), filho de Louis Marius Prevost, com ascendência francesa e italiana, e de Mildred Martínez, de origem espanhola. Conforme a biografia oficial da imprensa do Vaticano, passou a infância e a adolescência com a família, complementada por dois irmãos mais velhos, Louis e John Prevost.

Acredita-se que a formação familiar multicultural favoreceu sua capacidade de compreender diferentes realidades. Já a vocação religiosa do caçula teria sido estimulada pela profunda devoção católica de ambos os pais — que chegavam a receber religiosos em sua casa para almoços de confraternização.
Estudou no Seminário Menor dos Padres Agostinianos e, na sequência, formou-se em matemática na Villanova University, na Pensilvânia, além de ter estudado filosofia. Graduou-se teólogo na Catholic Theological Union, em Chicago e, já com 27 anos, foi enviado por seus superiores a Roma para especializar-se em Direito Canônico na Pontifícia Universidade de São Tomás de Aquino. Foi ordenado sacerdote em 1982.

Início da vida pastoral no Peru
Prevost chegou em 1985 ao Peru, onde há uma forte presença da ordem dos agostinianos à qual o Papa pertence. A transferência era parte de sua missão pastoral, a ser desempenhada na cidade de Chulucanas. Conforme o jornal peruano La República, o religioso "desenvolveu um trabalho pastoral que fortaleceu seu vínculo com a comunidade local".
Nos anos seguintes, o norte-americano assumiu um papel central na preparação de novos religiosos no norte peruano. Foi nomeado diretor do projeto de formação comum para os aspirantes agostinianos dos vicariatos de Chulucanas, Iquitos e Apurimac. Para exercer essa função, mudou-se para a cidade de Trujillo. A partir daí, atuaria como prior (cargo de liderança) da comunidade agostiniana, diretor de formação e formador de professos (quem fez votos religiosos).
Assumiu ainda funções na Arquidiocese de Trujillo e atuou em regiões periféricas pobres. Este período consolidou sua experiência como educador e guia espiritual.
Retorno aos EUA para cargo de liderança
O então padre retornou aos Estados unidos, em 1999, depois de ser nomeado prior provincial (responsável por uma região administrativa da ordem religiosa) da Província Agostiniana Mãe do Bom Conselho, em Chicago. Dois anos depois, foi elevado ao posto de prior geral. Manteve-se no cargo até 2013, quando retornou para sua província agostiniana de Chicago.

Ali, foi diretor de formação no convento de Santo Agostinho, primeiro conselheiro e vigário provincial, até que, no ano seguinte, recebeu do papa Francisco a missão de retornar ao Peru como responsável pela diocese de Chiclayo — onde seria elevado à condição de bispo. Esse período marcaria o início de sua ascensão hierárquica na Igreja Católica.

Viagens ao Brasil: perfil de "serenidade"
O novo Pontífice esteve no Brasil em pelo menos quatro ocasiões, principalmente para visitar colegas de instituições agostinianas. Essas incursões ajudaram a ampliar o conhecimento do religioso sobre a América Latina. Em 2004, esteve no Colégio Santo Agostinho, em Belo Horizonte (MG), para celebrar os 70 anos da instituição. Quatro anos depois, passou por Campinas, em São Paulo. Em 2012 passou por Minas, São Paulo e Paraná para visitar comunidades agostinianas na condição de responsável geral pela ordem religiosa. Em 2013, passou novamente por São Paulo para participar da programação oficial da Pré-Jornada Mundial da Juventude.
O que nos marcava era a serenidade dele. Um homem tímido, porém com um sorriso. Um homem profundamente espiritual e com um coração missionário.
FREI MAURÍCIO ROCHA
Prior da Província Agostiniana do Brasil, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo
Nova missão no Peru e compromisso com os pobres
Em 2014, Prevost se tornou "administrador apostólico" da diocese de Chiclayo e, em setembro de 2015, foi nomeado bispo de Chiclayo pelo papa Francisco. Essa nova missão o aproximou dos desafios pastorais do norte peruano — uma "zona com múltiplos problemas sociais e econômicos" —, segundo o periódico La República. Sua gestão se caracterizou pelo "trabalho comunitário, diálogo inter-religioso e a promoção de uma Igreja próxima dos pobres".
Nós, que o vimos trabalhar em Chiclayo, sabemos da sua experiência pastoral próxima das pessoas, um homem da igreja, o que coincide perfeitamente com o que o papa Francisco chama de 'pastores com cheiro de ovelha'.
PADRE RAFAEL FERNÁNDEZ
Teólogo, em depoimento ao diário peruano El Comércio
Ascensão meteórica no Vaticano
Em janeiro de 2023, Francisco convocou Prevost a Roma como prefeito do Dicastério (espécie de "ministério") para os Bispos e presidente da Pontifícia Comissão para a América Latina, promovendo-o a arcebispo. Em setembro do mesmo ano, foi nomeado cardeal pelo antigo Papa. Sua tarefa na Santa Sé era relevante: nomear bispos ao redor do mundo. O processo de escolha passou a ouvir mais as comunidades locais e as necessidades de cada diocese.
A ascensão fulminante de bispo a Papa, confirmada na quinta-feira (8), foi favorecida pelo perfil pastoral e de conciliação do americano, segundo o padre gaúcho Antônio Hoffmeister, que trabalha no Vaticano.
Ele chegou em 2023 e, ainda em setembro do mesmo ano foi feito cardeal. Ou seja, ele tinha só um ano e meio de cardeal, mas a impressão que deixou foi a melhor possível. Mesmo sendo um cardeal recente, foi ele que os demais cardeais, a maioria com muito mais experiência que ele, escolheram. Isso nos dá uma ideia do trabalho que ele realizou aqui no Vaticano, que foi muito valorizado.
PADRE ANTÔNIO HOFFMEISTER
Gaúcho que trabalha no Vaticano