
O povo Marubo, originário do Vale do Javari, no Amazonas, entrou com um processo por difamação contra o jornal norte-americano The New York Times em um tribunal de Los Angeles.
Divulgada nesta sexta-feira (23), a ação acusa o veículo de retratar injustamente a comunidade como "viciados em tecnologia e pornografia" em uma reportagem publicada em 2024, após a instalação de internet via satélite da Starlink na comunidade.
Os autores do processo pedem ao menos US$ 180 milhões (cerca de R$ 1 bilhão) em indenizações por danos morais e punitivos. As informações são do The Guardian.
Com cerca de 2 mil integrantes, os Marubo afirmam que foram alvo de uma "narrativa distorcida, sensacionalista e estigmatizante, que desrespeita seus valores e sua cultura".
Além do New York Times, o processo cita como co-réus os sites TMZ e Yahoo, que teriam ampliado os danos ao republicar e dar destaque às alegações.
Reportagem destacou uso problemático da internet
A matéria descrevia os efeitos da chegada da conexão por satélite a aldeia e listava uma série de mudanças sociais observadas com o uso de celulares e redes sociais.
Entre os problemas citados estavam adolescentes vidrados em telas, fake news, jogos violentos e até o compartilhamento de conteúdo pornográfico por jovens indígenas.
Segundo o processo, ao destacar esse tipo de conteúdo como sintoma central da chegada da internet à floresta, o jornal reforçou um estereótipo "de decadência moral" e pintou aos Marubo como "incapaz de lidar com a tecnologia moderna". A denúncia afirma que a matéria "atacou diretamente o caráter, a moralidade e a posição social de todo um povo".
Vídeos e repercussão agravaram danos
Os Marubo argumentam que o dano foi agravado pela repercussão em portais de entretenimento. Um vídeo publicado pelo TMZ, por exemplo, recebeu o título: "Conexão de Elon Musk com Starlink deixa tribo remota viciada em pornografia".
O processo diz que esse tipo de material reforçou "uma falsa narrativa de colapso moral" e atribuiu indevidamente a responsabilidade aos próprios líderes indígenas que levaram a internet à comunidade.
Entre os autores da ação estão o líder comunitário Enoque Marubo e a jornalista e socióloga Flora Dutra, ambos mostrados em vídeos instalando antenas da Starlink.
Eles afirmam que a cobertura os fez parecer responsáveis por "introduzir material sexualmente explícito na comunidade", o que teria prejudicado sua reputação e afetado projetos de saúde e educação.
New York Times nega
Em nota à agência Associated Press, um porta-voz do New York Times defendeu a reportagem.
"Uma leitura imparcial do artigo mostra uma exploração sensível e sutil dos benefícios e complicações da tecnologia em uma aldeia com cultura preservada", disse.
O repórter Jack Nicas, autor da reportagem, também publicou uma segunda matéria após a repercussão, em que afirma: "O povo Marubo não é viciado em pornografia".
Para os Marubo, no entanto, a retratação foi insuficiente e não reconheceu a responsabilidade do próprio New York Times na amplificação da narrativa ofensiva.
Tempo na aldeia também é questionado
Outro ponto questionado pela comunidade é a curta permanência do jornalista na comunidade.
Apesar de ter sido convidado a ficar uma semana, Nicas teria passado menos de 48 horas no local. A aldeia alega que esse tempo foi insuficiente para compreender a complexidade da cultura e da vida local.
"O impacto das publicações não se limitou à opinião pública. Elas destruíram vidas, instituições e projetos culturalmente significativos", diz o documento judicial, revelado inicialmente pelo Courthouse News.