Cambridge, Inglaterra - Janeiro foi um mês atribulado para Mary Beard, uma acadêmica que - se isso existir - é a coisa mais próxima de uma professora de estudos clássicos que também é celebridade.
Em apenas algumas semanas, Beard, que ajudou a popularizar o estudo de antiguidades através da televisão e de um blog animado, "A Don's Life", fez 58 anos, terminou o rascunho de seu livro sobre a risada romana, tornou-se oficial da Ordem do Império Britânico, e foi ao funeral do amigo de longa data e editor, Peter Carson.
Mas nada poderia tê-la preparado para o furor que ela enfrentaria depois de aparecer em um programa de debates semanal na BBC e, enquanto discutia imigração, expressar a visão impopular de que os serviços sociais britânicos não ficariam sobrecarregados quando as restrições aos movimentos dos búlgaros e romenos ao redor da Europa forem suspensas no ano que vem.
Suas observações, feitas em janeiro, desencadearam uma torrente de ataques maldosos, cruéis e pessoais na internet, muitos tendo como alvo seu estilo sem graça e seu longo cabelo grisalho mal cuidado. Agressores anônimos também fizeram uma montagem com o rosto dela em uma imagem pornográfica. Mas ao invés de se recolher a sua espreguiçadeira (que fica em seu escritório em Newnham, caso ela precise), ou aceitar o que aconteceu como o preço por ser uma figura pública na era da internet, Beard contra-atacou.
Adotando o que ela disse ser uma "estratégia de alto risco", Beard reproduziu em seu blog algumas das observações mais desagradáveis e a imagem ridicularizada, que já foi removida.
- Eu queria que as pessoas vissem o quão ruim estava - disse ela em uma entrevista no Newnham College de Cambridge, onde ela estudou e leciona há quase 30 anos. - Você nunca sabe como é, porque nenhum jornal convencional irá reportar, ninguém no rádio irá deixá-lo explicar, e então acaba parecendo que eu estava preocupada com o fato de estarem dizendo que eu não arrumo o cabelo.
- O que foi dito era pornográfico, violento, sexista, misógino e também assustadoramente estúpido - disse ela.
Os comentários podem ter sido fatais para "Don't Start Me Off", um fórum online esquecido que se tornou um quadro de recados para seus piores agressores. O site eventualmente foi fechado por seu moderador, Richard White, que, em uma reviravolta inesperada vinda de um provocador online, enviou um longo pedido de desculpas para Beard.
- Eu realmente sinto muito por qualquer mal que eu tenha causado a você - escreveu ele privadamente. - Não digo isso por ter sido 'forçado' ou porque achar que pode ajudar minha causa, mas porque acho que é a coisa certa a fazer.
Peter Stothard, editor do suplemento literário do New York Times, que escreve no blog de Beard, disse que sua resposta foi um caso clássico de "Mary sendo Mary".
- Ela lidou com isso de um modo extraordinário - disse Stothard. - Eu não acho que tenha sido necessariamente relacionado a trabalho, mas parecia que era. É uma vitória rara.
O blog, que geralmente recebe entre 20 e 25 mil cliques por semana, atraiu cerca de 85 mil visitantes na semana que ela falou sobre a controvérsia.
A primeira vista, a professora é uma candidata improvável para tal atenção apaixonada. Seu cabelo grisalho, que ela descreve como "louco", fica na altura dos ombros, que podem estar envoltos em um suéter ou vestido largos. Ela frequentemente usa leggings para mostrar um toque da sua personalidade: em uma sexta-feira recente, elas eram pretas e enfeitadas com estrelas de plástico brilhantes.
- Eu escolhi ser desse jeito porque é como eu me sinto confortável comigo mesma - Beard disse. - É assim que eu sou. É sobre ligar os pontos entre como você aparece e como você se sente por dentro, e eu acho que é isso que eu tenho feito, e acho que as pessoas fazem isso de maneiras diferentes.
Beard começou a se interessar pelos estudos clássicos ainda enquanto era uma adolescente precoce com um dom para o latim e o grego e um gosto por escavações arqueológicas, quando dias cheios de escavações geralmente terminavam no bar local, segundo ela. Mas ela se tornaria uma estrela dos clássicos em Cambridge, que era de maioria masculina quando ela apareceu pela primeira vez como aluna em 1973. Hoje uma das professoras mais importantes da universidade, ela estendeu seu alcance para a nação quando "Meet the Romans with Mary Beard", uma minissérie, foi exibida pela primeira vez na BBC2 na última primavera do Hemisfério Norte.
Em três episódios, Beard aparece como a guia excitante e culta da Roma antiga para os espectadores. Ela anda de bicicleta pela cidade, sobe no topo das ruínas, tira artefatos romanos dos depósitos e explica que um monumento de tumba de aparência estranha foi construído para parecer uma padaria romana, uma descrição que faz tanto as padarias como os monumentos parecerem fascinantes.
- Estudos clássicos não têm a ver com o mundo antigo. Uma parte tem a ver o mundo antigo, mas também com nossas conversas. É como tentamos conversar com a antiguidade - disse ela, elaborando sobre sua missão de levar o assunto para as massas. - Muitas pessoas sempre dirão: 'eu realmente não sei nada sobre o mundo antigo'. Mas há milhares de coisas que as pessoas sabem. Por um lado, elas têm sido encorajadas a pensar que eram ignorantes sobre o assunto. De alguma forma, o trabalho é mostras às pessoas que elas sabem muito mais do que gostariam de admitir.
"Meet the Romans" mostrou Roma, mas também colocou Beard em evidência. A primeira vez que o programa foi ao ar, o crítico do Sunday Times, A.A. Gill, sugeriu que ela "realmente deveria ser mantida longe das câmeras em definitivo". Desde então, colunistas britânicos têm debatido sobre se seu estilo é o resultado de preguiça e falta de atenção, ou falta de vontade de se conformar com os padrões de beleza.
Não sendo facilmente dissuadida, Beard está negociando outro programa em Roma. Isso, além da sua agenda rotineira, repleta de livros para escrever, aulas para dar e palestras para preparar.
Beard se juntou ao suplemento literário do New York Times, como editora de clássicos, em 1992, oito anos depois de escrever seu primeiro livro. Desde então, ela publicou mais de uma dúzia deles, a maioria de sucesso; "The Fires of Vesuvius: Pompeii Lost and Found" foi publicado nos Estados Unidos em 2010. Mas Beard admite que a primeira vez em que alguém ouviu falar dela foi depois dos ataques de 11 de setembro de 2001, quando ela escreveu no The London Review of Books que algumas pessoas achavam que os Estados Unidos "mereceram".
As observações atraíram críticas internacionais. Embora ela não se arrependa delas, Beard disse que ela escolheria palavras diferentes agora.
- Pensando naquele tempo, o que eu queria dizer, e ainda quero, é que atos pavorosos de terrorismo não são alheios à política externa do Ocidente - na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, disse ela. - Se eu estivesse falando sobre isso agora, não teria usado essas palavras; eu diria algo muito mais parecido com o que eu acabo de dizer.
- O que os políticos fazem é nunca esperar por respostas negativas, e o preço que eles pagam é que eles não falam a verdade como a veem - disse ela. - Agora, eu digo a verdade como a vejo, e algumas vezes não recebo a resposta esperada. Eu acho que é uma troca justa.
Beard é chamada de "perversamente subversiva" em seu blog. É uma frase rotineiramente citada quando ela aparece nos jornais britânicos, mas, ligeiramente embaraçada, ela insiste que foi uma escolha do editor e não sua.
- Eu sempre gosto de eufemismo, sabe? - disse ela com uma risada. - Eu colocaria apenas 'classicista'.
The New York Times
Professora de Cambridge vira alvo de ataques na internet após expressar opinião impopular em programa de TV
Especialista no passado, Mary Beard enfrenta problema moderno de ser hostilizada por agressores anônimos em ambiente virtual
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