
O vereador Gilvani Dall’Oglio (Republicanos), o Gringo, é proprietário de empresa que teve contrato de prestação de serviço com o Departamento Municipal de Água e Esgoto (Dmae) durante o período eleitoral de 2024. Depois de eleito, inclusive no exercício do mandato na Câmara de Porto Alegre, o parlamentar seguiu como sócio-administrador da MJM Serviços de Limpeza, recebendo um pagamento do Dmae em março de 2025.
A conduta de Gringo, com atuação parlamentar simultânea à de sócio-administrador de empresa contratada pelo município, contrataria a Lei Orgânica de Porto Alegre e o Código de Ética Parlametar.
O artigo 66 da Lei Orgânica diz que os vereadores “não poderão”, desde o momento da posse, “ser proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa de direito público no município”. O Código de Ética reproduz redação semelhante para classificar o ato como "expressamente vedado ao vereador". Gringo confrontou as normas ao ter recebido pagamento por prestação de serviço em 2025, quando já era parlamentar em Porto Alegre.
A reportagem contatou o vereador, mas ele não se manifestou.
Os contratos
Um dos fatos se refere ao “termo de indenização” assinado por Gringo, na condição de representante da MJM, com o Dmae para abastecimento de bairros de Porto Alegre com água de caminhões-pipa. Os serviços foram prestados de forma emergencial, diante do desabastecimento no Extremo Sul, Lomba do Pinheiro e Morro da Cruz, entre 19 de dezembro de 2023 e 1º de janeiro de 2024.
Como a situação era urgente, não foi previamente formalizada a contratação. Para pagar a MJM pelos serviços prestados, Gringo e o Dmae assinaram um “termo de indenização” em 15 de maio de 2024.
Depois, a empresa do vereador recebeu dois pagamentos. Um deles, ainda na condição de parlamentar eleito, no dia 18 de dezembro, no valor de R$ 311,1 mil. O segundo repasse do Dmae para a empresa de Gringo, já na condição de vereador em exercício de mandato, foi feito em 20 de março de 2025: uma quantia de R$ 25,2 mil. Essa conduta afronta o artigo 66 da Lei Orgânica de Porto Alegre.
O segundo contrato tem origem em pregão eletrônico do Dmae vencido pela MJM para o transporte de resíduos da atividade de saneamento, sobretudo areia resultante da limpeza da rede de esgoto, até os locais adequados de descarte.
O contrato foi assinado por Gringo em outubro de 2023, enquanto o período de prestação do serviço começou em 4 dezembro de 2023, com validade de um ano. O valor da contratação era de até R$ 606,7 mil, dependendo dos volumes de resíduos transportados. Dois empenhos — etapa em que o dinheiro é reservado para uma finalidade — foram feitos em favor da MJM pelos serviços: um em janeiro de 2024, de R$ 160 mil, e outro em julho do mesmo ano, de R$ 55 mil. Contudo, nenhum deles foi efetivamente pago. O Dmae justificou que não fez a quitação porque a MJM deixou de apresentar documentos contratuais obrigatórios, como certidões tributárias e de regularidade do FGTS, entre outras.
Em 7 novembro de 2024, por conta das pendências, o Dmae optou por fazer a rescisão unilateral de contrato. Mais recentemente, em 29 de abril de 2025, o Dmae publicou no Diário Oficial uma notificação à MJM informando ter a “intenção de quitar os valores devidos”, fazendo novo alerta de que o acerto depende da apresentação dos documentos.
Isso significa que o vereador Gringo também é empresário credor de cerca de R$ 215 mil junto ao Dmae, o que igualmente afronta o artigo 66 da Lei Orgânica de Porto Alegre.
O Grupo de Investigação da RBS (GDI) obteve acesso aos contratos, publicações oficiais relacionadas e recebeu confirmação do Dmae sobre as datas dos pagamentos em favor da empresa de Gringo, a MJM, sediada em Eldorado do Sul. Veja abaixo.
Causa para inelegibilidade
A existência dos contratos em 2024 também poderia ter ocasionado o indeferimento do registro da candidatura de Gringo por previsão da Lei das Inelegibilidades. Pela norma, um empresário que deseja se candidatar deve deixar de ter relação com contratos no poder público seis meses antes da eleição.
Como o pleito aconteceu em 6 de outubro de 2024, Gringo deveria ter providenciado o seu afastamento até o início de abril. Mas isso não aconteceu e ele manteve relação de prestador de serviço junto ao Dmae.
A legislação diz que “são inelegíveis os que, dentro de seis meses anteriores ao pleito, hajam exercido função de direção, administração ou representação em pessoa jurídica ou em empresa que mantenha contrato de execução de obras, de prestação de serviços ou de fornecimento de bens com órgão do poder público.”
No prazo de um semestre que antecedeu a eleição de 2024, quando foi eleito com 7.891 votos, Gringo manteve e firmou contratos com o Dmae. Um deles foi a assinatura do termo de indenização, em 15 de maio de 2024, para receber os valores dos serviços prestados com os caminhões-pipa. O outro foi a manutenção do contrato, até 7 novembro de 2024, para o transporte de resíduos da atividade de saneamento.
Seriam causas de inelegibilidade, mas o fato passou despercebido e a candidatura de Gringo foi deferida. Advogados especializados em Direito Eleitoral consultados pela reportagem afirmam que o prazo para questionar o registro da candidatura com base na Lei das Inelegibilidades já se esgotou, de forma que não há como retroagir.
Pedido de cassação
Um pedido de cassação do mandato de Gringo foi apresentado no último dia 3 à Câmara. A representação é assinada por Marcelo Matias, presidente do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul, e aponta quebra de decoro parlamentar. São citados, sem detalhamentos, os contratos de Gringo com o Dmae e a infração à Lei Orgânica.
Nos casos de desobediência à Lei Orgânica e Código de Ética, as decisões sobre as condutas e as eventuais punições, desde advertência até perda do mandato, cabem à Comissão de Ética da Câmara. Nas situações de penalidade severa, como a cassação do mandato, é necessário aprovar a medida em plenário, com o voto de dois terços dos vereadores.
Gringo também teve a conduta apurada na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Dmae, realizada na Câmara de Porto Alegre. Ele prestou dois depoimentos diante de seus colegas parlamentares, quando foi questionado sobre supostos episódios de corrupção na autarquia. O relatório final da CPI do Dmae foi apresentado nesta segunda-feira (13).
Contraponto
A reportagem contatou o vereador. Ele não respondeu até a publicação da reportagem. O espaço segue aberto para a manifestação.


