
Cinco pessoas foram indiciadas por irregularidades na contratação de uma consultoria, em 2022, para implantar programa de desenvolvimento sustentável em escolas da rede municipal de Porto Alegre. Entre elas, estão a ex-secretária de Educação da Capital Sônia da Rosa, duas servidoras municipais e dois sócios da empresa Ambiética Assessoria Ambiental. O relatório final, contendo os indiciamentos pelo crime de contratação direta ilegal, foi remetido pela Polícia Civil à Justiça na terça-feira (10).
A investigação é um desdobramento da Operação Capa Dura, que investiga fraudes na Secretaria Municipal da Educação (Smed). Para a polícia, a contratação da Ambiética teria sido direcionada a fim de beneficiar o empresário Jackson Muller, que integrava o quadro societário da empresa à época. Ele e o filho Gustavo Muller foram indiciados. O valor do contrato foi de R$ 580 mil. A contratação foi feita por inexigibilidade, quando não há concorrência entre interessados porque somente uma empresa pode prestar determinado serviço.
Segundo a apuração, o negócio teria ocorrido sem a realização de estudo prévio da necessidade das escolas ou pesquisa de preços de mercado. Também não ficou comprovado que apenas a Ambiética pudesse realizar o tipo de serviço buscado, o que justificaria a contratação por inexigibilidade de licitação. A investigação apontou, ao contrário, que existem no mercado outras consultorias ambientais capacitadas para o desenvolvimento do programa.
O processo administrativo teria começado a partir de um e-mail enviado pela Ambiética para a servidora municipal Lia Bárbara Marques Wilges, que atuava na Smed à época, já contendo a proposta e o orçamento. A partir disso, a instrução da contratação foi feita pela então servidora Adriana Gonçalves Xavier. As duas servidoras foram indiciadas.
"O processo, ao invés de ser orientado pelas demandas reais da administração pública e guiado pelas etapas legais obrigatórias, foi conduzido de forma invertida e completamente viciada: a empresa apresentou sua proposta e, a partir disso, o aparato estatal foi manipulado para dar aparência de legalidade a uma contratação já previamente escolhida", diz trecho do inquérito.
O contrato foi assinado em abril de 2022 pela então secretária Sônia da Rosa, sendo nomeadas como fiscais da execução do programa ambiental as próprias Lia e Adriana, que atuaram diretamente na contratação, o que fere princípios da administração pública, conforme conclusão da polícia. Segundo a investigação, a ex-secretária Sônia "chancelou" um suposto "direcionamento ilícito" sem exigir o cumprimento de etapas legais, como pesquisa de mercado para averiguar preços e se havia outras prestadoras de serviço aptas.
Para a polícia, o direcionamento e a falta de justificativa para o negócio resultaram no insucesso do programa, com "adesão mínima de professores e diretores, atividades realizadas em horário alternativo e de participação voluntária, com aulas virtuais e impacto irrisório na rotina pedagógica das escolas." No relatório final a autoridade policial concluiu que "os próprios depoimentos colhidos nas oitivas confirmam que os resultados ficaram muito aquém do esperado". O valor integral do contrato teria sido quitado pela Smed sem que todo o serviço fosse prestado, segundo a apuração. O inquérito foi comandado pelo delegado Augusto Zenon, da 1ª Delegacia de Repressão ao Crime Contra a Administração Pública Municipal, do Departamento de Repressão aos Crimes Contra a Administração Pública (Dercap).
Os indiciamentos serão analisados pelo Ministério Público (MP-RS), que pode pedir mais diligências à polícia, denunciar os investigados ou se manifestar pelo arquivamento do caso.
Os inquéritos que resultaram na Operação Capa Dura foram abertos pela Polícia Civil no segundo semestre de 2023, após reportagens do Grupo de Investigação da RBS (GDI) revelarem desperdício de material escolar em depósitos e suposto direcionamento de compras de livros e laboratórios pela Smed.
Contrapontos
O que diz a Defensoria Pública, responsável pela defesa de Adriana Gonçalves Xavier:
A Defensoria Pública está atuando na defesa da indiciada e irá se manifestar somente nos autos do processo.
O que diz Marcelo Penna de Moraes, advogado de Sônia da Rosa:
Vamos nos manifestar nos autos.
O que diz Marcelo Marcante, advogado de Lia Wilges:
A defesa de Lia Wilges recebe com surpresa o indiciamento, uma vez que sempre pautou pela legalidade o seu trabalho na Prefeitura de Porto Alegre. Lia Wilges é bióloga, Mestre em Educação e Ciências e Doutoranda em Sustentabilidade. A contratação foi baseada em estudos prévios que indicavam a necessidade de contratação de um serviço especializado para formação continuada em educação ambiental dos professores da rede municipal de ensino. A contratação do profissional se deu pelo seu notório saber, comprovado pelo currículo lattes, pelo histórico acadêmico e pelas obras publicadas específicas para a área. Em conclusão, foram cumpridos os requisitos legais da contratação por inexigibilidade da Lei nº 14.133. Sobre o cumprimento ou não do objeto do contrato, Lia Wilges não estava mais na SMED e não era responsável pela fiscalização.
O que dizem Marcos José da Silva Santos e André von Berg, advogados de Gustavo Müller:
A defesa informa que Gustavo recebeu a notícia de seu indiciamento com surpresa, pois ele reafirma que sempre atuou com transparência e dentro da legalidade. A defesa manifesta seu respeito à autoridade policial, mas discorda do indiciamento, por entender que não há qualquer conduta ilícita praticada por seu constituinte. A defesa confia que o Ministério Público analisará os fatos e provas com isenção e que a inocência de Gustavo, já plenamente comprovada nos autos do Inquérito Policial, será reconhecida no Poder Judiciário.
O que diz Ricardo Cantergi, advogado de Jackson Muller:
A defesa repudia veementemente as acusações infundadas que embasaram seu indiciamento. O trabalho realizado pela empresa Ambiética Assessoria Ambiental Ltda. no projeto do Plano de Educação para Sustentabilidade (PED) foi legítimo, técnico e integralmente executado, conforme comprovação documental já apresentada à autoridade policial. Durante um ano, o projeto envolveu diagnóstico detalhado, planejamento estratégico, capacitação de professores e gestores e elaboração de materiais, alcançando 98 escolas da Rede Municipal de Porto Alegre. O curso foi dividido em dois públicos: professores e gestores, com adesão voluntária das escolas. Todo o material — vídeos das aulas, listas de presença, avaliações — foi devidamente entregue e documentado. A contratação foi realizada de forma regular, com parecer jurídico favorável da Procuradoria do Município. É inadmissível a tentativa de deturpar os fatos: o valor global do contrato foi proporcional ao porte do projeto e às despesas necessárias. O custo médio efetivo foi de R$ 493 por escola por mês — totalizando cerca de R$ 5.916,00 por escola ao longo de 12 meses — valor que cobriu a remuneração de uma equipe técnica de 5 pessoas, encargos, transporte, alimentação e insumos. Não houve qualquer participação indevida ou favorecimento. O contato com a SMED se deu por iniciativa da Prefeitura, que buscou Jackson por sua reconhecida expertise. A narrativa de que o projeto se resumiria a simples palestras é completamente falsa e desonesta. O professor Jackson Muller, autor de 13 livros, com 28 anos de ensino superior, atuação em 19 prefeituras e consultorias ao Ministério Público, FEPAN e Delegacias, jamais ocultou sua relação com a Ambiética, empresa que fundou em 2005 e da qual se afastou formalmente, mantendo apenas a execução dos contratos vigentes. A defesa adotará todas as medidas jurídicas cabíveis para reparar este abuso investigativo e restaurar a verdade.