
Maior programa federal de habitação, o Minha Casa, Minha Vida (MCMV) tem 3,8 mil imóveis subsidiados (da faixa popular) com construção atrasada ou paralisada no Rio Grande do Sul. Outros 1,2 mil tiveram contratos cancelados. Proporcionalmente, o número não é muito alto — equivale a 5,4% das 93,2 mil residências prometidas com essa modalidade de custeio em território gaúcho —, mas é um drama na vida de quem espera há décadas para concretizar o sonho da residência própria.
É o caso da auxiliar técnica Carine Michele Simsen, 40 anos, que comprou uma cozinha há seis anos e a deixou na loja, porque não tem onde colocar os móveis. Ela mora numa quitinete alugada em Campo Bom e há 21 anos tenta se mudar para a ambicionada casa própria.
A dela é uma dentre 168 famílias cujas residências, inacabadas e desabitadas, integram um projeto habitacional financiado pelo Minha Casa, Minha Vida (modalidade Entidades) no bairro Quatro Colônias, em Campo Bom.
Carine participou em 2004 da primeira reunião de uma cooperativa idealizada para montar o residencial popular no município do Vale do Sinos. A construção só iniciou em 2018. Anos depois, com o condomínio já sendo erguido e após muito dinheiro aplicado, a casa está quase pronta, mas ainda sem água, luz e licença para morar. Com muito esforço da cooperativa em busca de verbas federais, o loteamento retomou as obras, mas ainda não tem imóveis habitáveis.
O levantamento que deu início a essa reportagem foi feito pela ONG Fiquem Sabendo, que estuda contas públicas. Os dados foram confirmados pelo Grupo de Investigação da RBS (GDI) junto ao Ministério das Cidades.
O GDI visitou alguns desses loteamentos inacabados ou nem sequer iniciados e testemunhou o drama de famílias que aguardam há anos, até décadas, por moradia. Em alguns casos, o governo federal acaba de retomar as obras, mas elas continuam sem finalização.
É preciso destacar que o programa Minha Casa, Minha Vida entregou 8,3 milhões de residências no país desde 2009. Destes, 1,6 milhão são imóveis subsidiados para faixas mais carentes. Nacionalmente, são 178 mil desta faixa com construção atrasada, paralisada ou com contratos cancelados. Isto equivale a 10,6% dos imóveis já entregues. Entre os Estados do país, o Rio Grande do Sul ocupa a 19ª colocação no percentual de obras atrasadas, paralisadas ou canceladas do programa MCMV.
O Ministério das Cidades explica que as interrupções acontecem por razões diversas e complexas. Algumas envolvem articulação entre diferentes órgãos que enfrentam problemas estruturais ou burocráticos. Em outros casos, há decisões judiciais de embargo em empreendimentos ocupados, aguardando ações de reintegração de posse. Existem ainda desacertos envolvendo governo e empreiteiras que não conseguem cumprir os contratos, que são então cancelados e refeitos, provocando adiamentos de anos.
Tanto no Rio Grande do Sul como nos demais Estados brasileiros, a maior parte das construções foi interrompida durante o governo Jair Bolsonaro (2019-2022), quando o Minha Casa, Minha Vida foi extinto e substituído pelo programa Casa Verde Amarela. Isso trouxe mudança no tipo de beneficiários (mais classe média), de custeio (mais financiamentos do que subsídios) e de construções e levou à interrupção de muitas obras em andamento, além de cancelamentos de contratos. No terceiro governo Lula, que se iniciou em 2023, foram contratadas obras em 42 mil imóveis do Minha Casa, Minha Vida e a maior parte delas, apesar de inconclusa, não está em atraso (por isso não constam nas tabelas desta reportagem).
O levantamento que embasa essa reportagem foi atualizado recentemente pelo Ministério das Cidades. Há poucos dias o governo federal inaugurou um loteamento com 441 casas, em Uruguaiana, que estava três anos atrasado. Mas os condomínios visitados pela reportagem continuam sem residências prontas.
O que diz o Ministério das Cidades
A assessoria de imprensa informa que todos os empreendimentos contratados em fases anteriores do programa estão mapeados e em processo de análise e tratamento para avaliação da retomada. São 8,2 milhões entregues entre todas as faixas e modalidades de custeio. No governo atual, mais de 42 mil unidades habitacionais de obras dos governos anteriores foram retomadas e 31,8 mil unidades foram suplementadas, a fim de evitar paralisações. Adicionalmente, 13,6 mil unidades em todo o Brasil que possuíam obras em ritmos inadequados foram encaminhadas para soluções específicas, em parcerias com os governos locais. No total, foram investidos no atual governo Lula quase R$ 2 bilhões em retomadas e suplementações de obras.
No Rio Grande do Sul foram retomadas mais de 1,6 mil unidades habitacionais e suplementadas verbas para 3,9 mil moradias no intuito de garantir a continuidade de obras, totalizando um investimento de mais de R$ 120 milhões.
Somadas as antigas com as novas iniciativas, o novo Minha Casa Minha Vida (MCMV) já autorizou o início de obras de 235 mil unidades habitacionais em todo o Brasil, sendo que no Rio Grande do Sul foram autorizadas obras de 13.199 unidades, além de compradas 1.608 moradias no MCMV-Reconstrução.
*Desde 2007 o programa de residência subsidiada já existia, mas só ganhou em 2009 o nome de Minha Casa, Minha Vida
**De 2020 ao início de 2023 o programa foi substituído pelo Casa Verde e Amarela, que mudou os critérios e teria entregue 1,6 milhão de moradias em três anos, a maior parte não subsidiada integralmente