Obra prevista para a Copa de 2014, a duplicação da Avenida Tronco, que liga a zona sul à zona leste de Porto Alegre, só foi concluída 10 anos depois. Ao longo de seis quilômetros, a via que corta a vila Grande Cruzeiro foi duplicada e ganhou corredores de ônibus e ciclovias. Mas um problema persiste: moradia para as famílias retiradas da região por conta dessa grande intervenção urbanística.
Cerca de 1,5 mil famílias viviam na área de duplicação da avenida e uma parte delas concordou em ser realocada para condomínios do Minha Casa, Minha Vida. Seriam 365 imóveis a serem construídos em três locais: as ruas Dona Zaida e Banco da Província e a Avenida Jacuí, situadas no bairro Cristal. Até hoje, nenhum desses empreendimentos foi concretizado.
Os documentos para construção dos condomínios chegaram a ser assinados em 2018, mas a construtora que assumiu a missão não teria cumprido algumas garantias, e o governo federal rompeu o contrato. Após anos sem fluxo de financiamento federal, nova licitação foi feita e ganha pela empreiteira ALM. O diretor do Departamento Municipal de Habitação (Demhab), André Machado, ressalta que as obras em dois dos três locais já foram retomadas.
Na Avenida Jacuí os trabalhos agora são visíveis, uma década após a idealização das moradias populares: a área foi terraplenada, mas nenhum dos 96 apartamentos projetados começou a ser erguido.

Na Rua Dona Zaida, que deve receber 200 imóveis, o mato que invadiu a área foi removido e a prefeitura começou a terraplenar o local, com promessa de começar a construção do condomínio em breve. Na Rua Banco da Província (onde deveriam ser erguidas 60 residências) não há obra à vista.
Sem lugar para residir e na espera pela concretização dos residenciais do Minha Casa, Minha Vida, 195 famílias aceitaram receber da prefeitura o bônus moradia. São até R$ 120 mil para adquirir novos imóveis, similares aos que foram desapropriados ou demolidos. As demais optaram pelo aluguel social (cerca de R$ 600 mensais para locar imóvel), enquanto aguardam a construção dos condomínios anunciados.
Uma das que se decidiu pelo aluguel social é a aposentada Mara Regina de Andrade, 63 anos. Até 2015, ela e cinco filhos moravam numa casa da Rua Dona Zaida, ao lado de uma área de mata e no alto de um morro com uma bonita vista de Porto Alegre. Naquele ano, funcionários da prefeitura chegaram lá e disseram que ela e vizinhos teriam de se mudar, para a construção de um moderno condomínio do Minha Casa, Minha Vida, destinado a eles.
— Tivemos de sair em dias, porque falaram que tinha risco de as casas originais caírem, se ficássemos ali durante as obras. Era para ser provisório, até construírem as moradias. Fomos embora e continuamos esperando pelos apartamentos prometidos — critica Mara.
O local em que Mara morava, na Dona Zaida, foi tomado por lixo e macegas. Por quase 10 anos a área em que deveria ser construído o condomínio prometido virou um campinho de futebol e o mato invadiu o resto do terreno. Há cerca de um mês a prefeitura limpou o local e começou a terraplenagem, mas a dona de casa diz só acreditar que a construção sairá do chão quando os primeiros tijolos forem assentados.
Mara reside hoje na Rua Dorval Marques, a alguns quilômetros de sua antiga moradia. Usa aluguel social para custear uma casinha e, como teve um AVC que a deixou com dificuldades de locomoção, luta muito para subir as escadarias do imóvel. Algo que seria facilitado se residisse num edifício com elevador — embora ela sempre tenha preferido morar em casas.
Dois dos cinco filhos de Mara cansaram de esperar e aceitaram o bônus moradia. As outras três filhas esperam, com ela, pela casa própria que já tiveram e não têm mais.
Idealizado em 2008, iniciado em 2018, loteamento em Campo Bom continua inacabado

Em Campo Bom, 168 famílias aguardam o acabamento de casas num loteamento cercado de bosques e morros exuberantes. Parte dessas pessoas sofreu com as cheias catastróficas de maio de 2024, como a copeira Patrícia Passos da Silva, 47 anos. Ela mora de aluguel numa casinha no bairro Operária, junto ao Rio do Sinos, que foi inundada duas vezes em 60 dias.
— Perdi todos os móveis, roupa de cama, tudo. Tive de recomeçar do zero. Enquanto isso, essa casa que tento conseguir desde 2015 não fica pronta. A gente apela para que os governantes concluam a obra — desabafa Patrícia, entre crises de choro.
O primeiro projeto para implantar um loteamento no bairro Quatro Colônias foi apresentado pela Cooperativa dos Vales do Sinos, Paranhana e Taquari (Cooperpoli), à prefeitura local, em 2008. Mas a iniciativa só foi aprovada nove anos depois, em 2017, devido a inconsistências, inclusive ambientais, apontadas pelo município.
Obtido apoio financeiro do Ministério das Cidades, foi iniciada em 2018 a construção das casas. A previsão era que estivessem prontas em 18 meses, mas até hoje não foram terminadas. Divergências internas na cooperativa e falta de fluxo financeiro para financiamento durante os quatro anos do governo Jair Bolsonaro interromperam a edificação das moradias, que terão dois dormitórios, banheiro, sala e cozinha americana.

Das 168 casas, nove nem sequer têm telhado. Das demais residências faltam o piso, acabamento de esquadrias e a parte hidráulica. Além das estruturas das redes de água e luz. A Corsan e a RGE cogitam fazer a instalação neste ano, mas ainda não há data marcada. Em relação à verba para conclusão das moradias, há anúncio do governo federal, que autorizou uso de recursos represados para melhorias e promete mais dinheiro para breve.
Armelinda Ferreira seria uma das contempladas com moradia no loteamento no Quatro Colônias. A filha Salete Skorek lembra dela dizendo que gostaria de ter uma casa para chamar de sua. Em outubro de 2024, porém, Armelinda faleceu, aos 90 anos.
— A casa está em nome dela, ela viu quase pronta, mas não conseguiu desfrutar — lamenta Salete, 65.
Os futuros moradores do residencial investiram recursos próprios no projeto, ressalta o presidente da Cooperpoli, Antônio Catani. No início, com a compra dos terrenos, feita por meio da cooperativa. Depois, para realizar manutenção de danos causados às residências pelas intempéries, ao longo de anos de obra parada. Foi contratada uma empreiteira para fazer reparos em fissuras, construir telhados melhores e iniciar o acabamento do projeto, com gasto de R$ 3 mil por família. Em dois meses, 21 telhados foram concretizados, além de outras melhorias.
O Ministério das Cidades acabou de autorizar a Catani o repasse de mais R$ 8 milhões para obras, valor que ainda deve ser viabilizado pela Caixa Econômica Federal. Os moradores solicitaram também ao governo estadual R$ 5 mil por residência, para finalizar as construções. Só quando receberem as moradias oficialmente é que os mutuários começarão a pagar prestações do programa Minha Casa, Minha Vida.
Em São Leopoldo, projeto anunciado em 2019 só agora é retomado
Um sopro de esperança anima nos últimos meses quase duas centenas de famílias de desabrigados pela enchente, numa das cidades mais atingidas pelo flagelo de 2024. O governo federal anuncia a construção de 192 apartamentos em São Leopoldo, no bairro Campina, quase totalmente submerso pelas águas do Rio dos Sinos em maio do ano passado.

O Moradas Caibaté deve surgir na avenida do mesmo nome e se destina, prioritariamente, a flagelados pelas cheias. A terraplenagem já foi feita. Só que os moradores do bairro estão cautelosos. É que outros anúncios semelhantes já ocorreram antes. O residencial foi cogitado pela primeira vez em 2019, mas a obra não avançou. Em 2022, foi relançada a ideia, com anúncio na mídia. Nada.
O mais recente relançamento do Moradas Caibaté aconteceu em setembro de 2024. Dois meses depois foi concluída a terraplenagem e, em janeiro passado, começaram a ser erguidas as fundações, conta o secretário de Habitação de São Leopoldo, Rodrigo Bach. O próximo passo é um edital de chamamento público a interessados em ganhar o imóvel.
Uma das ideias é beneficiar famílias que vivem de aluguel social, iniciativa pela qual a pessoa recebe dinheiro público para locar um imóvel. É o caso da dona de casa Daniela Oliveira, 21 anos, que recebe R$ 927 do governo e conseguiu alugar uma residência pequena perto de onde será construído o novo residencial do Minha Casa, Minha Vida. Ela perdeu tudo com a enchente do ano passado e vê no empreendimento governamental uma nova chance.
— O aluguel social tem atrasado. Meu sonho é ter algo meu, mas nem emprego fixo eu tenho. Tomara que escolham meu nome na lista dos que serão contemplados — apela Daniela, mãe de uma criança.
Outra que sonha com a concretização do Moradas Caibaté é Madalena Venceleski, 72 anos. Mãe de um homem com necessidades especiais, de 53 anos, ela até hoje mora de aluguel e também perdeu com as cheias cama, fogão, geladeira, TV. Conseguiu alguns eletrodomésticos e móveis com doações e empréstimos.
— Não tenho aluguel social, nunca colocaram meu nome na lista de beneficiados. Agora vou tentar o apartamento do Minha Casa, Minha Vida na Caibaté. Sou da região, espero que Deus olhe por mim, e as autoridades escutem — suplica ela.