Os primeiros raios de sol se insinuam sobre o Passo dos Baios, amainando o sereno dos campos na localidade a seis quilômetros do centro de São Lourenço do Sul, no sul do Estado. Com precisão vagarosa que inibe o tilintar das esporas no concreto áspero do galpão, Milton Ivan Pereira Castro, 54 anos, encilha um cavalo zaino e cavalga até a pista de treinos.
Há quase quatro décadas, essa tem sido a rotina do maior campeão da história do Freio de Ouro e primeiro personagem da série de reportagens de Zero Hora Treinador de Campeões, sobre ginetes que fazem do preparo do cavalo crioulo uma arte.
Sob calor opressivo ou chuva guasqueada pelo vento insistente da Lagoa dos Patos, sem pausa para férias, domingos e feriados, Milton forjou milhares de animais para a mais tradicional competição de cavalos crioulos da América Latina, que neste ano ocorre de 1º a 6 de setembro, durante a Expointer, em Esteio.
Com nove deles, alcançou o topo do pódio, tornando-se um personagem lendário nas rodas de mate à porta das baias. Onde tem gente falando de crioulo e Freio de Ouro, há quem conte as peripécias de Milton Castro, o ginete que venceu a prova já no primeiro ano em que disputou.
— Nunca fiz nenhum curso de doma ou de treino. Fui aprendendo com os cavalos. Eles foram me dizendo mais ou menos o que podiam ou não podiam fazer. Eles não falam, mas me mostram — comenta Milton, ajeitando a boina sobre os cabelos grisalhos que começam a rarear no topo da cabeça.
Filho de capataz e cabanheiro, Milton nasceu em Camaquã, mas aos quatros anos mudou-se para São Lourenço com a família. Como o pai passava o dia trabalhando, desde pequeno o guri se aprumava na parte da frente dos arreios e o acompanhava na lida do gado e dos cavalos. Aos cinco anos, passou a montar sozinho. Aos seis, venceu a primeira prova de rédea.
— Foi em Pelotas, era uma prova de baliza, só que no relógio. Tinha que costurar cinco balizas em zigue-zague. O mais rápido ganhava. Ganhei bem, sem chance para o segundo lugar. No ano seguinte, fui com outra égua e ganhei de novo. A partir dali, comecei a correr prova com os adultos — lembra Milton.
Aos 11 anos, já disposto a fazer da montaria uma profissão de fé, ele levou um cavalo e uma égua para disputar uma prova de tambor em Esteio. Um ano antes da primeira edição do Freio de Ouro e diante de uma plateia que a cada competição funcional se tornava mais numerosa, o guri ainda imberbe surpreendeu o público pelo domínio seguro dos animais enquanto galopava em torno dos tonéis espalhados na pista. Acabou ficando com o primeiro e o segundo lugar.
Tão logo alcançou a maioridade, Milton conquistou o primeiro emprego como ginete numa estância de Camaquã. Aos 22, se transferiu para a Santa Edwiges, de São Lourenço, estabelecimento que ajudou a colocar na história como a cabanha mais vencedora do Freio de Ouro.
Feitos históricos
Em 1994, logo no primeiro ciclo à frente dos crioulos da Santa Edwiges, Milton não só chegou à final da competição como venceu nas fêmeas montando a égua zaina JA Namorada. Repetiria o feito em 1996, 1998 (quando ganhou ouro, prata e bronze), 2000, 2005, 2007, 2011 e 2015. Em 2000, também foi campeão do Freio de Ouro da Federação Internacional de Criadores de Cavalos Crioulos (FICCC), competição que a cada três anos reúne os melhores exemplares da raça de Brasil, Uruguai, Argentina e Paraguai.

Em 2018, após 25 anos de serviços prestados à Santa Edwiges, Milton abriu seu próprio centro de treinamento. Nos 52 hectares da propriedade, prepara 30 crioulos com a sabedoria autodidata de quem participou de 31 finais consecutivas do Freio de Ouro, sem falhar uma única edição desde sua estreia na disputa. Para ele, o segredo de uma boa performance começa muito antes da entrada em pista:
A doma é o principal. Cavalo é um bicho muito inteligente, aprende muito fácil. Mas a doma é o que fica para sempre. O que tu fizer de bom para ele vai ficar, e o que tu fizer de ruim também. Eu procuro treinar cada animal sempre com equilíbrio, para que vá parelho em todas as provas. Mas o que eu busco é um cavalo de bom temperamento, que deixe a gente trabalhar conforme ele treina em casa.
MILTON CASTRO
Maior campeão da história do Freio de Ouro
Quase todas as vezes em que venceu o Freio de Ouro, Milton montava crioulos domados por ele mesmo. A única exceção, JA Libertador, em 2015, foi domado por seu filho, Juliano, três vezes seguidas campeão do Freio de Ouro Juvenil. Aos 33 anos, o primogênito já prepara a quarta geração de ginetes da família com o pequeno Julian, de nove anos, que está domando o primeiro pônei. Por enquanto, porém, Milton não pensa em passar as rédeas adiante.
— Quero competir muitos anos ainda, enquanto tiver saúde e achar que tenho condições. Mas desde que não prejudique meus cavalos. No dia em que achar que estou atrapalhando, eu paro. Aí só vou agradecer a eles por tudo que me deram — suspira Milton, sentado num toco em meio às cocheiras. Ao fundo, um relincho soa como coro recíproco de gratidão.


