
A dor — física e emocional — persiste. Três meses após o acidente de ônibus que vitimou sete estudantes do Colégio Politécnico da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e deixou outros 26 feridos em Imigrante, a turma que estava no primeiro semestre do Curso Técnico em Paisagismo divide suas angústias e seus sentimentos sobre retornar para a sala de aula ou não.
Dos 26 feridos, a reportagem contatou sete ao longo dessa semana. Eles relembraram que a turma, mesmo com menos de um mês de atividades, já tinha um clima harmoniso, de amizade, de coleguismo, com todos bem integrados e dispostos a ajudar uns aos outros.
Retornar ou não para a sala de aula
Alguns ainda mantiveram contato, de forma virtual, para compartilhar as aflições. Uma parte fala em não voltar às aulas em agosto — período em que está previsto o início do próximo semestre letivo. Outros dizem não querer retornar para o curso, enquanto outros dizem que só voltariam se houvesse a possibilidade de todos participarem das aulas.
Eliane e a esperança de voltar a andar

Eliane Ravazi Matos, 55 anos, trabalhava no comércio — ela está afastada — e iniciou o curso com objetivo de fazer um projeto para a sua casa. Ela precisou ter a perna amputada por conta da quantidade de sangue que perdeu na queda do ônibus e das fraturas que teve no joelho. Hoje, se recupera das fraturas sofridas na outra perna. Eliane contou que, após o acidente, ficou mais de um mês acamada. Ela se recorda, emocionada, do dia em que, enfim, pôde ir para a cadeira de rodas: 11 de maio, Dia das Mães. Ao falar, volta a sentir a sensação da água caindo no cabelo ao conseguir, depois de tanto tempo, tomar um banho de chuveiro. Ela conta que tem fé de que conseguirá voltar a andar.
Eu sempre tive certo comigo que eu vou caminhar. Então isso me movia muito isso me dava muito muita força sabe. A minha recuperação foi incrível e eu atribuo isso tudo a Deus. Eu tenho fé que tudo vai dar certo.
ELIANE MATOS
Eliane segue na cadeira de rodas. Ela ainda precisa passar por sessões de fisioterapia para, depois, ter a avaliação sobre o uso de uma prótese — a preocupação da vítima é sobre a necessidade ou não de uma nova cirurgia — para preparar a perna para receber o equipamento.
Ela recebe apoio psicológico disponibilizado pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), uma vez por semana, além das duas cuidadoras que a acompanham, dia e noite. E afirma que, neste momento, não pretende voltar para o curso.
Fernanda ajuda outras vítimas
Advogada de formação, Fernanda de Menezes, entrou no curso para descansar do estresse profissional. Hoje, auxilia diversos colegas e familiares de vítimas que pretendem entrar com ações, por conta do acidente. Imagens do rosto dela bastante machucado rodaram as redes sociais, contando do ocorrido. Ela fraturou ombro, pé, nariz e ficou com diversas escoriações.
Fernanda conta que recebeu alta hospitalar a partir de uma promessa, de que teria sessões diárias de fisioterapia garantidas pela UFSM, o que não aconteceu. Ela só começou o tratamento 10 dias depois. Segundo a advogada, uma colega teria começado a fisioterapia somente no mês de junho.
Dos 26 feridos, há casos mais graves e outros mais leves. Ana Müller, 48 anos, teve um ferimento na cabeça e ainda sofre com dores no ombro. Ela reclama da dificuldade em conseguir uma ressonância magnética pelo Hospital Universitário. Roberta Dalmaso conta que teve fraturas nas costelas, nariz e mandíbula.
Lucas Jacobi Dalcin é considerado um herói pelos colegas. Lembra de todo o acidente, disse que estava acordado no momento da queda do ônibus, e que percebeu o veículo ganhando velocidade antes de sair da pista, e que avisou os demais passageiros para apertarem os cintos, aqueles que estavam com o equipamento. Ele lembra que, por ter sofrido poucos ferimentos aparentes, retirou diversos colegas do ônibus e que percebeu que a maior parte da ajuda que teve foi de civis que chegaram no local.

— Eu vi a movimentação dos socorristas, só que como eu estava sem óculos eu não sabia quem era. Eu fui pedir ajuda, desesperado, e nada. Eu peguei a maca e levei lá para dentro do ônibus. Gritei para eles me ajudarem a segurar a maca depois que eu fui descobrir que também foram meus colegas que me ajudaram. Só que é complicado sabe, por que eu não tenho curso de socorrista né, eu podia causar uma lesão grave em qualquer outra pessoa que eu retirei dali né.
Lucas ficou com um ferimento no joelho, que só foi percebido depois do acidente, e precisou passar por uma microcirurgia. Ele foi embora de Santa Maria. Disse também que não pretende voltar para as aulas enquanto houver colegas sem condições de seguir o curso. E afirma que espera que a justiça seja feita, para todos, mas principalmente para as famílias que perderam seus entes.
A criação da Associação
Durante o período pós acidente, Lucas e o marido de uma das vítimas chamaram Fernanda para iniciar o processo de criação de uma associação, para representar os feridos e familiares de vítimas. Hoje, a Avapi - Associação das Vítimas do Acidente em Imigrante/RS - já tem página nas redes sociais, e está encaminhada para a oficialização por meio de documentos.
UFSM
A Universidade afirma que, no dia do acidente, montou um espaço de acolhimento para os feridos e familiares das vítimas. Que na sequência, criou uma equipe de atendimento multiprofissional, tratou da atenção psicológica e, em casos específicos, disponibilizou profissionais para atendimentos em casa, além de fisioterapias, custeamento de serviços de saúde por meio de um seguro ao estudante e o ressarcimento dos óculos. A UFSM tem agora o projeto de iniciar atendimentos de hidroginástica para os alunos que precisarem da atividade.
Em materiais hospitalares, a instituição aponta que foram disponibilizados camas e colchões hospitalares, cadeira de rodas, andador, cadeira de banho, exames médicos, órteses e kits de curativo. E além disso, a instituição atuou no traslado e o serviço fúnebre de quatro das sete vítimas.
Sobre o seguro dos estudantes, de R$ 5 mil, Lucas diz que já encaminhou os comprovantes, mas não foi ressarcido. Fernanda e Eliane dizem que o valor não foi suficiente para as necessidades que tiveram.
Verba para óculos
Uma situação apontada pelos estudantes é sobre a verba disponibilizada para os alunos refazerem os óculos perdidos no acidente. A iniciativa é bem vista, mas bastante burocrática, como explica Fernanda:
— Foi liberado uma verba para todas as vítimas que tinham problema de visão e que perderam os óculos refizessem as peças. Mas não bastava a gente apresentar a nota fiscal e a prescrição do médico. A gente tinha que comprovar que pagou com o extrato, comprovante do Pix ou com a fatura do cartão de crédito.
Eliane Matos conta que ainda não refez a peça por falta de dinheiro.
— Era um óculos novo, saiu em torno de R$ 2,5 mil, que é o que eles vão liberar. E então eu falei que eu não tenho à disposição esse valor no meu cartão, e aí a UFSM ficou de negociar com a loja. Mas eu ainda não obtive retorno. Sigo esperando. Estou há três meses sem óculos, usando um que está defasado.
A UFSM afirma que já ressarciu nove alunos na compra de óculos de grau.
Inquérito
Em 23 de maio, a Polícia Civil concluiu o inquérito que apurava o acidente, com o indiciamento de três pessoas. O motorista do ônibus, que não teria agido conforme as técnicas de segurança na condução do veículo; o responsável pelo núcleo de transporte da universidade, ele deveria manter o ônibus em condições; e a representante da empresa que contrata os motoristas, que não teria cumprido uma série de requisitos contratuais de qualificação.
Segundo o delegado José Romaci Reis, a investigação ouviu 40 pessoas e o inquérito tinha 1.078 páginas.
Em 14 de junho, o Ministério Público solicitou detalhes da investigação da PC, com objetivo de obter mais informações sobre o caso para que possa definir se denuncia ou não os indiciados. Entre os pedidos, há a apresentação de exames de corpo de delito de estudantes que não realizaram em tempo hábil. Não há prazo para a entrega das atualizações pedidas pelo MP.
Ações indenizatórias
Diversos estudantes procuraram advogados, na busca de ações indenizatórias por conta do acidente. A expectativa é de que as primeiras ações sejam ajuizadas nos próximos dias. Em nota, o escritório Martini, Medeiros & Tonetto Advogados Associados afirmam que neste momento, não divulgam mais detalhes por respeito às vítimas e seus familiares, evitando-se, assim, uma exposição ainda maior do caso.


