
Um sentimento une os habitantes da Ilha dos Marinheiros, em Rio Grande, no sul do Estado: angústia.
Desde julho do ano passado, a comunidade está sem acesso terrestre ao restante do município. A ponte Wilson Branco, inaugurada no começo dos anos 2000, teve que ser interditada após a enchente de maio de 2024. Mesmo com recurso assegurado pela Defesa Civil Nacional no programa de reconstrução do Rio Grande do Sul, dificuldades encontradas para a estabilização de um pilar impediram que se cumprisse o prazo inicial de seis meses para a recuperação da estrutura.
O comerciante Darciso Gomes Freitas, 48 anos, afirma que os moradores dependem da ponte para tudo.
A ponte é o coração da ilha. Sem ela, nada funciona.
Darciso é proprietário de um bar na comunidade. Ele explica que, eventualmente, precisa sair de barco para buscar mercadorias, o que acarretou no aumento dos preços dos produtos.
— Só não desisto de morar aqui porque me criei neste lugar, mas sei de muita gente que foi embora.

O pedreiro Fernando Lori da Rosa, 69 anos, conversava com Darciso dentro do bar, quando relembrou a enchente e a promessa de que a ponte seria reconstruída logo.
Na enchente ficou tudo debaixo d'água e até hoje a gente não tem a resposta da ponte, que deviam ter feito no fim do ano passado. Não aconteceu. Agora vai ter que consertar o que ficou muito estragado, e leva tempo. Nossa esperança é que seja resolvido neste ano — desabafa.

A professora de dança Denise Zamboni, 48 anos, comprou uma casa na Ilha há três anos. Ela se diz encantada pelo lugar e afirma que pretende se instalar de forma definitiva em breve.
— Eu gosto muito, vim conhecer e me apaixonei. Venho praticamente todas as semanas passar alguns dias. Estamos investindo na casa e a ideia é vir morar em definitivo, com a tranquilidade da Ilha e em contato com a natureza.
Denise conta que depender apenas da balsa é arriscado. Ela diz que já aconteceu de ter ido para a Ilha e não ter conseguido voltar para a cidade em razão dos horários limitados.

Sem a ponte é difícil, a gente fica à mercê da balsa. Mas nem com esses problemas eu vou desistir de vir morar aqui, eu gosto demais.
Para o agricultor Francisco de Paula Trindade, 66 anos, a falta da ponte atrapalha produtores e feirantes que passam trabalho para levar as mercadorias até o centro de Rio Grande.
— Muitos não conseguem ir até a cidade e ficam esperando liberar a balsa.

A ponte
A ponte liga a Ilha dos Marinheiros a uma estrada municipal na Vila da Quinta, distante 20 quilômetros do centro de Rio Grande. Com a interdição, os cerca de 1,2 mil moradores da Ilha passaram a depender de uma balsa que opera desde setembro, de forma gratuita, e também de embarcações particulares para terem acesso à área central do município.
Porém, a balsa tem horários limitados e depende das condições climáticas e fluviais da Lagoa dos Patos para operar. Não são raros os relatos de moradores que ficam empenhados, sem conseguir entrar ou sair da Ilha.

Darciso lembra da história de um vizinho, idoso, que teve que ser levado de barco, da metade norte da ilha, distante uma hora e meia do centro da cidade, após passar mal durante a noite. A Unidade Básica de Saúde funciona até as 16h e a balsa opera até as 20h — recentemente, a prefeitura estendeu a possibilidade da travessia em casos de emergência médica.
— A falta da ponte dificulta principalmente nos casos de saúde. Já levei um morador daqui, de carro, até a balsa, enquanto a ambulância esperava do outro lado. Só que a balsa não poderia me trazer de volta, mas acabou que o barqueiro me ajudou, deu um jeitinho, como se diz, e fez a travessia de volta — conta o pescador Luiz Henrique Matos Pereira, 53 anos, morador da Ilha.

A travessia da ilha ao continente é feita por uma balsa contratada no valor de R$ 300 mil ao mês, que opera diariamente das 6h às 12h30min e das 14h às 20h. Ela tem capacidade para seis veículos e mais 10 passageiros. O serviço é conforme a demanda - se chegar um veículo, a balsa faz a travessia. Diariamente, ela chega a atravessar 80 vezes o canal. É um trajeto curto, de aproximadamente 200 metros, feito em menos de 2 minutos.
Processo de recuperação complicado
De acordo com a atual chefe do gabinete de Programas e Projetos Especiais da prefeitura, Giovana Corvo da Trindade, a antiga gestão identificou um problema em um pilar de sustentação da ponte, o segundo dos cinco pilares no sentido Ilha-continente.

No fim de setembro de 2024 foi firmado o contrato emergencial com a Thalassus Dragagem, Mergulho e Levantamentos Hidrográficos, empresa de Rio Grande com especialidade em dragagem, serviços aquáticos e investigação estrutural de obras civis em portos. Esse contrato teve o valor de aproximadamente R$ 3,9 milhões, recursos proveniente da Defesa Civil Nacional para garantir a estabilidade da ponte. As obras começaram no dia 18 de outubro.
Segundo Giovana Trindade, a parte submersa do pilar, que deveria ser de cinco metros de acordo com o projeto original, estava em 11 metros, o que fez com que as estacas de sustentação, que são fixadas ao solo, estivessem praticamente todas expostas à força da água. Isso fez com que a ponte inclinasse para baixo, com a posterior interdição.

Esse processo de erosão, segundo Trindade, vinha de anos, mas se acentuou em 80 centímetros "do dia para a noite" com a enchente e se aprofundava em 1 milímetro a 1,5 milímetro por dia. O trabalho definido pela Thalassus começou com a dragagem em uma área a 300 metros da ponte, inicialmente prevista em 90 mil metros cúbicos de areia, recolocadas diretamente sobre as estacas do pilar de sustentação, para deixar a estrutura submersa no nível de cinco metros de profundidade.
Em novembro, com a análise de que o aproveitamento da areia dragada estava em apenas 20% (abaixo dos 30% estimados), resultado da força da correnteza na Lagoa dos Patos, foram estudadas novas medidas na recuperação do pilar da ponte, para evitar o desabamento.
Além do aumento da carga horária nos trabalhos (de 8 horas diárias de dragagem para 12 horas), levantou-se a possibilidade de colocação de uma barreira fixa de areia próximo ao pilar e a concretagem do mesmo, o que foi executado em janeiro deste ano, com um aditivo contratual de R$ 302 mil. Já em fevereiro houve o aumento em 30 mil metros cúbicos de areia a ser dragada e colocada junto ao pilar.

A sustentação do pilar, segundo Trindade, foi concluída no começo de maio, com a comprovação da estabilidade da ponte no teste de carga realizado no último dia 12. Agora, os serviços concentram-se em instalar uma manta geotêxtil com pedras por cima, para manter o material despejado no local e garantir a estabilidade da ponte — etapa que deve ser concluída até o fim de julho.
— O engenheiro da Thalassus apresentou estudos mundiais comprovando que essa é a melhor técnica para uma situação neste sentido, que é utilizada em 15% dos casos parecidos. Outras técnicas é menor a porcentagem, se usam em 6%, 3%, 2% no mundo, por exemplo — sustenta Trindade.
Promessa é de que ponte esteja liberada ainda em 2025
Na Ilha, há diferentes perspectivas entre a população, dividida entre o ceticismo de que a ponte seja recuperada totalmente ainda neste ano e os otimistas de que ela volte logo. A estimativa da prefeitura é de que ainda neste ano sejam concluídos todos os processos para a ponte voltar a atender à população.
— O pilar está estável, é bem nítido. A gente já definiu o que será feito. Está em elaboração o projeto de obra na parte externa, sendo elaborado junto com a Universidade Federal do Rio Grande (Furg), que devemos entregar dentro de um mês. A gente vai apresentar à defesa civil nacional a execução de mais duas estacas na lateral do pilar, depois de ser feita uma sondagem do solo para identificar a qual profundidade colocá-las. Depois é realizar o macaqueamento (processo utilizado para suportar ou elevar temporariamente uma ponte ou sua estrutura para deixá-la no nível). O nosso objetivo é entregar a ponte nesse ano ainda — promete Trindade.
Engenheiros consultados pela reportagem, incluindo ligados à Furg que acompanham a situação da ponte, afirmam que houve procedimentos inadequados para a recuperação da estrutura, especialmente pela alegada falta de um estudo de diagnóstico e prognóstico do caso.
O ex-prefeito Fábio Branco foi procurado pela reportagem para explicar os procedimentos adotados pela gestão anterior. O político afirmou que na sua gestão fez tudo o que teria que ser feito e que está tudo registrado na prefeitura.

A Ilha dos Marinheiros
A Ilha dos Marinheiros é uma região pouco habitada de Rio Grande. Ela é costeada por uma estrada principal, ao longo da qual estão estabelecidas a grande maioria das residências, com o interior praticamente todo desabitado. De acordo com o censo de 2010, são 1,4 mil moradores, número que diminuiu para aproximadamente 1,2 mil, segundo Cláudio Costa, que acumula os cargos de secretário de Relações Institucionais e da Pesca no município. Aproximadamente 200 são pescadores e outros 50 agricultores, famílias cujo sustento é proveniente da Ilha.

Valores empenhados até o momento
Contrato Thalassus (Restabelecimento)
Empenhado: R$ 4.237.570,63 (3,9 milhões inicial e 302 mil de aditivo)
Liquidado: R$ 3.834.510,07
Valor disponibilizado inicialmente pela Defesa Civil para restabelecimento
R$ 4.942.297,52
Valor disponível para projeto final
Defesa Civil: R$ 6.830.849,14
A cronologia da interdição
2024
- A ponte está interditada desde o começo de julho. Havia uma previsão inicial de pelo menos seis meses para a recuperação completa da estrutura, que inicialmente seria feita pela estabilização do pilar de sustentação - etapa que foi concluída apenas em maio deste ano.
- Ainda em julho do ano passado, uma balsa do Exército foi disponibilizada para a população fazer a travessia, além de embarcações particulares que faziam o trajeto. Em setembro foi firmado o contrato com a empresa que faz a travessia atualmente, de forma gratuita a população, no valor de aproximadamente R$ 300 mil por mês.
2025
- A população da Ilha fez manifestação em frente à prefeitura de Rio Grande no dia 15 de abril, cobrando solução mais rápida para a ponte.
- No dia 1º de maio foram retiradas as barreiras de interdição da ponte.
- No fim de abril, a balsa ficou três dias sem operar devido a danos causados no eixo e na hélice, após colisão em pneu preso em uma rede de pesca.
- No dia 12 de maio foi assegurada a estabilização da ponte com o teste de carga realizado.
- A conclusão do trabalho de colocação da manta geotêxtil está prevista para ser concluída até o dia 29 de julho.