
Uma radiografia do dia 12 de maio revela que a demanda por habitação causada pela enchente no Rio Grande do Sul é de 17.495 famílias. O número representa o contingente que, um ano após a catástrofe, segue no aguardo das soluções de moradia prometidas pelos governos estadual e federal.
Existe consenso entre autoridades de que a cheia escancarou um problema que era conhecido, mas não costumava figurar no topo das prioridades do setor público e da sociedade. Para além do déficit habitacional histórico, a enchente destruiu moradias e desabrigou milhares que viviam em áreas de risco, seja em cima de diques, aos pés de encostas ou às margens de rios, arroios e áreas alagadiças. A habitação segura, no contexto trágico da enchente, tomou lugar de prioridade quando o assunto é a reconstrução e a capacidade de adaptação do Rio Grande do Sul a futuras intempéries.
Os cadastros de pessoas atingidas pela enchente e que precisam de novas casas foram feitos pelas prefeituras gaúchas. Depois, as listas foram encaminhadas ao Estado e à União, ambos encarregados de solucionar a compra e a construção de novos imóveis, que serão entregues sem custos às famílias que perderam os lares. O quadro de demanda ficou assim:
- O governo federal recebeu o cadastro de 14.647 famílias, distribuídas em 109 municípios, que esperam por nova habitação no pós-enchente. O secretário para Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul, Maneco Hassen, afirma que o número vai subir porque os cadastros seguem abertos e diversas prefeituras estão refazendo os levantamentos, o que tende a ampliar a demanda. O número atual, contudo, é o apresentado acima. A União, por ter maior orçamento, é a parte mais demandada e cobrada por investimentos.
- O governo estadual foi abastecido pelas prefeituras com a lista de 4.576 famílias que necessitam de moradia. Elas estão em 87 municípios gaúchos. Somando os dois cadastros, chega-se à demanda de 19.223 unidades habitacionais no pós-enchente.
- Dentre os programas elaborados pelo poder público, o que conseguiu fazer entregas de moradias até o momento é o Compra Assistida, do governo federal. Até o dia 12 de maio, foram entregues as chaves de imóveis, que podem ser casas ou apartamentos, para 1.728 famílias. Elas assinaram contrato e já estão residindo nos novos lares, afirma Maneco.
- Abatendo o número de moradias providenciadas pelo Compra Assistida da demanda total, restam 17.495 unidades habitacionais que ainda precisam ser entregues aos atingidos pela enchente. Os contemplados devem se enquadrar em alguns critérios: ter tido a casa destruída ou condenada e renda familiar de até R$ 4,7 mil, na regra da União. O Estado diz que a definição de beneficiários cabe aos municípios e que a prioridade é para quem sofreu perda na moradia.
A entrega de habitação aos atingidos pela enchente é um dos eixos de acompanhamento do Painel da Reconstrução, ferramenta desenvolvida pelo Grupo RBS para monitorar as ações voltadas à retomada do Estado.
União afirma ter recursos para 24,8 mil moradias
No escritório da Secretaria para Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul, no bairro Higienópolis, em Porto Alegre, Maneco assegura que a União reservou R$ 4,9 bilhões na Caixa para investimento habitacional no Rio Grande do Sul. O volume de recursos é suficiente, estima ele, para entregar até 24,8 mil moradias, dependendo do crescimento da demanda.
A ferramenta que avançou mais rapidamente é a Compra Assistida. A modalidade foi criada para atender a urgência do pós-enchente por se tratar da aquisição de imóvel pronto e colocado à venda pelo proprietário, com recursos depositados na Caixa. O valor máximo para aquisição é de R$ 200 mil por unidade. Até o dia 12 de maio, 1.728 famílias tiveram as chaves dos imóveis entregues via Compra Assistida. Um investimento aproximado de R$ 345 milhões.
Na mesma data de corte, 2.224 famílias já tinham escolhido um imóvel para receber pelo Compra Assistida, mas aguardavam os trâmites burocráticos antes de assinar contrato e obter a chave.
A burocracia cobra tempo, mesmo na aquisição de moradia pronta. Antes de fechar negócio, é necessário esperar o crivo técnico e de engenharia da Caixa. São verificados diversos fatores: o imóvel escolhido não pode ter pendência tributária nem ficar em área de risco, é critério ter o habite-se, avaliação adequada de valor de mercado e boas condições estruturais. Se houver aprovação, a Caixa libera a assinatura de contrato com a família beneficiada.
Em outra ponta, o governo federal aposta em loteamentos novos, tanto de casas quanto de apartamentos, que serão erguidos pelo programa Minha Casa, Minha Vida Reconstrução. Nessa modalidade, o Planalto autorizou, até o momento, a construção de 10 mil unidades habitacionais em 10 municípios:
- Porto Alegre
- Canoas
- Charqueadas
- Cruzeiro do Sul
- Eldorado do Sul
- Estrela
- Lajeado
- Novo Hamburgo
- São Leopoldo
- Santa Maria
Algumas obras já estão andando, como na Capital, em Canoas e em Estrela, afirma Maneco. Outras, contudo, ainda não passaram à fase de execução. Como envolve edificação desde o ponto zero, nenhuma unidade do Minha Casa, Minha Vida Reconstrução foi entregue até o momento. E a União evita fazer previsões.
— Cada empreendimento tem um fluxo. Depende do tamanho, se é apartamento ou casa. São velocidades construtivas diferentes. Não dá para dizer quando vamos entregar as 10 mil unidades que autorizamos — afirma Maneco.
Nessa modalidade, são as empreiteiras que selecionam terrenos de sua propriedade e apresentam projetos de construção de loteamentos ou condomínios às prefeituras e à Caixa. Quando consegue obter as licenças e aprovação na Caixa, a proposta é autorizada e recebe a ordem de início das obras. O governo federal paga à construtora pela entrega do empreendimento e as prefeituras selecionam as famílias que irão residir. Foi criado um bônus de 5% sobre o valor contratual para as empreiteiras que concluírem as unidades em até 10 meses.
A União prepara a publicação de uma nova portaria que vai autorizar a encomenda, em outros municípios, de mais empreendimentos para os atingidos pela enchente. Na nova permissão, devem ser contemplados Triunfo, São Sebastião do Caí e Roca Sales, entre outros, afirma Maneco.
Ele avalia que o processo “é mais lento do que deveria”, mas pondera que a União “está agindo em tempo rápido”, se considerada a complexidade dos investimentos em habitação.
— O governo federal assumiu o compromisso de entregar uma casa para todas as famílias. E vamos cumprir. Eu faço uma comparação: se tu fores num banco financiar um imóvel, não faz em menos de 90 dias. Se tu tens uma construtora, não começa a obra de um loteamento em menos de um ano. Conseguimos dar velocidade. Óbvio que a família atingida deveria ter a casa no outro dia, mas não é tão fácil — diz Maneco.
Compra Assistida avança
A reportagem mediu o desempenho do Compra Assistida, do governo federal, em parte do mês de maio. Ao longo de uma semana, o número de moradias entregues saiu de 1.620, no dia 5, para 1.728, no dia 12. O avanço foi de 108 unidades habitacionais em sete dias. Considerando que um ano tem aproximadamente 52 semanas, o atual ritmo garantiria que, até o segundo aniversário da enchente, em maio de 2026, seriam entregues mais 5.616 residências pelo programa.
Das 1.728 famílias atendidas com imóvel pelo Compra Assistida até 12 de maio de 2025, a maioria está nos seguintes municípios:
- Porto Alegre - 1.116 unidades habitacionais
- Canoas - 88 unidades habitacionais
- Estrela - 83 unidades habitacionais
- Cruzeiro do Sul - 73 unidades habitacionais
- Arroio do Meio - 47 unidades habitacionais
Famílias assentadas em condomínios em 2024 não são contabilizadas
Em agosto de 2024, três meses após a enchente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva cumpriu agenda na Lomba do Pinheiro, em Porto Alegre, e inaugurou quatro empreendimentos do Minha Casa, Minha Vida, os quais somavam 365 apartamentos. Deste total, 112 unidades habitacionais, conforme anúncio da época, foram destinadas a famílias atingidas pela enchente. Contudo, por se tratar de projeto antigo, a Secretaria para Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul não está considerando essas moradias na contabilidade das que foram entregues às famílias cadastradas pelas prefeituras. As famílias beneficiadas já estavam inscritas para morar nos empreendimentos desde antes da catástrofe. Elas seriam contempladas naquelas unidades independentemente da enchente.
Estado prevê entregar 2,2 mil casas até final de 2026
O governo estadual atuou inicialmente na aquisição de 625 casas temporárias, transportáveis e reaproveitáveis, com investimento de R$ 83,3 milhões. A política auxiliou a retirar famílias de abrigos temporários, mas houve críticas pela aposta em moradias provisórias, mais simples.
Apontando demora nas entregas federais, o Palácio Piratini decidiu entrar no circuito de fornecimento de casas definitivas para os atingidos pela enchente. Até o final de 2025, o secretário de Habitação e Regularização Fundiária, Carlos Gomes, afirma que deverão ser entregues cerca de 1 mil novas casas. As primeiras delas, previstas para o período entre final de maio e início de junho, ficam em Santa Tereza e Encantado.
Até o fim de 2026, o Estado planeja abrir as portas de 2.235 casas em 39 municípios, em investimento estimado de R$ 312 milhões.
Caso a meta seja atingida, vai representar quase a metade do cadastro de 4.576 famílias enviado ao Palácio Piratini. Gomes afirma que o atendimento de parte da demanda irá avançar até o final de 2026 onde há terreno garantido e habilitado. Para a outra metade, ainda é necessário encontrar áreas adequadas para os empreendimentos.
— Não falta casa. O que falta é terreno para a gente dar ordem de início — diz Gomes.
A afirmação do secretário realça as dificuldades encontradas por cada esfera de governo nas intrincadas soluções habitacionais. O Estado optou por modelos construtivos rápidos e fez licitações para encomendar casas por duas atas de registro de preço. Existe a possibilidade de montar até 7,5 mil unidades habitacionais, dependendo da demanda e disponibilidade de terrenos. Parte no modelo painel de concreto, cujos loteamentos podem ser entregues em cerca de quatro meses. Outra na modalidade steel frame — estrutura em aço galvanizado, com encaixe de painéis isolantes térmico e acústico —, que permite a finalização dos residenciais em aproximadamente três meses.
Se a montagem das moradias é expedita, em blocos, o problema para o Estado é a escassez de terrenos. Há dificuldade de toda ordem nos municípios, desde emitir laudos de engenharia e localizar lotes em regiões seguras, licenciadas e urbanizadas. Diante da incapacidade de algumas prefeituras para fazer serviços como terraplenagem, o Estado decidiu investir recursos na preparação do solo dos futuros condomínios.
— Gostaríamos de imprimir outra velocidade com as casas que temos contratadas nas atas, mas tivemos de dar um passo atrás e liberar recursos para infraestrutura. E, depois disso, dar a ordem de início das obras — comenta o secretário de Habitação e Regularização Fundiária.
A secretária de Planejamento, Governança e Gestão, Danielle Calazans, reforça que o Estado está comprando áreas para contornar os entraves à construção dos loteamentos.
— Onde não tem terreno da prefeitura e do Estado, a opção é por desapropriar — afirma.
As moradias definitivas do Estado fazem parte do programa A Casa é Sua — Calamidades, financiado com recursos do Funrigs, fundo estruturado para auxiliar na reconstrução do Rio Grande do Sul.
Carlos Gomes destaca o programa Porta de Entrada, que garante um aporte do Estado de R$ 20 mil, a fundo perdido, para que as famílias contempladas usem como entrada no financiamento de imóveis do Minha Casa, Minha Vida, junto à Caixa. As demais prestações ficam a cargo dos beneficiários. O Porta de Entrada atende qualquer cidadão com renda familiar de até cinco salários mínimos, não é exclusivo para atingidos pela enchente, mas o secretário afirma que 90% dos 4 mil contratos consolidados até o momento envolvem moradores de cidades que decretaram situação de emergência ou calamidade. O governo estadual, com auxílio da Assembleia Legislativa, aplicou R$ 120 milhões na Caixa para subsidiar entradas de imóveis pelo programa.
Loteamentos em andamento pelo programa A Casa é Sua - Calamidades, do Estado
Em obras
- Santa Tereza - 24 casas, com previsão de entrega entre maio e junho
- Encantado - 35 casas, de um total de cem, com previsão de entrega entre maio e junho
Com ordem de início de obras assinada
- Estrela - 20 casas, de um total de 40
- Lajeado - 10 casas, de um total de 30
- Nova Bréscia - 25 casas
- Salvador do Sul - 28 casas
- Feliz - 14 casas
Até o final de 2026, meta é entregar 2.235 casas em 39 municípios.