
Há cerca de um ano, o Rio Grande do Sul vivia a maior tragédia climática de sua história. A enchente de maio passado teve impacto devastador em perdas humanas, mas também na economia e na capacidade produtiva do Estado, que ainda está em processo de recuperação. Para se reerguerem e ao mesmo tempo se tornarem mais resilientes em um contexto de eventos extremos cada vez mais frequentes e intensos, empresas de diferentes setores têm adotado iniciativas de prevenção.
No Vale do Taquari, região castigada por três inundações entre setembro de 2023 e maio de 2024, a Lajeadense Vidros estima prejuízo de R$ 100 milhões desde que sofreu com a primeira cheia — as outras duas também atingiram a indústria vidraceira de Lajeado.
— Perdemos toneladas de matéria-prima, caminhões, tivemos um prejuízo milionário. Fomos obrigados a construir uma fábrica nova, em um local mais elevado da cidade, que não alaga. Não quero ver água nunca mais — afirma Renato Arenhart, diretor da empresa.
As obras da nova fábrica começaram no ano passado, e a previsão é de que as atividades se iniciem em maio. Enquanto a nova planta não abre as portas, a Lajeadense alugou uma unidade em Estrela para manter sua operação.
Mudar a sede de lugar é uma das ações que empresas gaúchas têm tomado para resistir a catástrofes ambientais. Outros métodos de prevenção também incluem a utilização de softwares de monitoramento de risco e clima, além de reforços e adaptações estruturais.
— A tecnologia precisa ser mais utilizada nesse enfrentamento. Acompanhamento do clima, integração de dados para que as ações sejam bem orientadas, são áreas que têm recebido mais atenção e investimento da iniciativa privada — afirma Venicios Santos, diretor da Codex, empresa de tecnologia fundada em Porto Alegre e especializada em monitoramento de riscos e inteligência de dados.
Tecnologia para orientar ações
Ferramentas tecnológicas para monitoramento do clima e planejamento de cenários de risco podem antecipar ações mais eficientes para garantir maior segurança e redução de danos às operações. Neste cenário, desponta a Corsan, que, desde o final de 2023, mantém um centro de operações integradas em Porto Alegre, que centraliza as atividades de monitoramento, controle e gerenciamento de ações da companhia.
Trabalhamos com os softwares mais modernos do mundo em monitoramento do clima, que nos permitem de antemão prever o que é possível desses eventos, e assim já preparamos nossas equipes e nossos equipamentos, como geradores, para atuar nos locais que serão atingidos.
JOSÉ JOÃO DE JESUS DA FONSECA
Diretor de operações da Corsan
Para manter o abastecimento de água mesmo em períodos de estiagem ou cheias, a Corsan, por meio do seu centro de operações, também utiliza softwares que fazem simulações e projetos de eficiência hídrica. Entre as principais ações orientadas por esses programas estão a indicação de mananciais onde há maior oferta hídrica para captação, a construção e ampliação de reservatórios, e a orientação sobre possibilidade de perfuração de poços profundos, para que se diminua a dependência de captações superficiais dos rios que sofrem mais com a variação climática.
Como reforça a companhia, a operação com esses poços é uma alternativa com maior resiliência frente a eventos adversos. As perfurações ocorrem a uma profundidade que pode chegar a 700 metros, em áreas não alagáveis, então, não são impactadas por questões climáticas.
— Adaptar e replanejar construções mais resilientes diante desses desafios climáticos que estamos vendo com cada vez mais frequência é uma diretriz de trabalho permanente da Corsan — complementa Fonseca.

Análise de dados
À medida que os eventos extremos se tornam mais frequentes e intensos, cresce o entendimento de que informações e dados qualificados formam uma base sólida para seu enfrentamento. A Codex, ativa em 17 Estados e 26 países, atua justamente fazendo estes mapeamentos, tanto para o poder público quanto para a iniciativa privada.
— O investimento na criação de infraestruturas de dados e inteligência tem se consolidado como fundamental para guiar as estratégias de enfrentamento às mudanças climáticas. Além do monitoramento de eventos extremos e as projeções de risco em relação a seu impacto, ter uma base de dados geoespaciais de uma região, por exemplo, auxilia no entendimento mais concreto sobre o histórico do local, aponta opções logísticas emergenciais e pode influenciar na instalação de novos empreendimentos e nas adaptações das operações — explica o diretor Venicios Santos.

Reforços e adaptações estruturais
O uso de inteligência de dados contribui para orientar a aplicação de ações de reforço ou adaptação estrutural, conforme o episódio climático. O hidrólgo Fernando Fan esclarece que alagamentos ocorrem quando a drenagem urbana é incapaz de dar vazão ao alto volume de chuva, gerando acúmulo de água. Já inundações ocorrem quando a água de um corpo hídrico extravasa o seu limite, espalhando-se para o entorno.
Para evitar alagamentos, é importante aumentar a capacidade de drenagem do terreno, com áreas verdes, por exemplo, ou com a construção de valas de infiltrações. Estas estruturas permitem a infiltração e o armazenamento temporário das águas, diminuindo o escoamento e a incidência do alagamento.
FERNANDO FAN
Hidrólogo
Fan acrescenta medidas complementares para reforçar as estruturas contra inundações:
— Nestes casos, o ideal é tomar ações que possibilitem certa convivência com a água, mesmo se as proteções estruturais falharem. É possível construir muros de contenção, e retirar dos andares inferiores estruturas críticas para a operação da empresa, como geradores ou sistemas de informática.
Com o centro de distribuição de Canoas inundado na enchente de maio, o comércio varejista Cassol sofreu perdas de estoque e danos no prédio. A partir disso, a direção implantou câmeras de monitoramento do nível das águas do Rio Gravataí, distante poucos metros do local, elevou as estruturas de geradores de energia e da subestação elétrica, e instalou barricadas e muros de contenção.
O fato de estarmos próximos a um rio nos demanda atenção constante e ações preventivas que minimizem riscos futuros. Ao investirmos em prevenção e adaptação, temos melhores condições para enfrentar esses momentos e minimizar os impactos.
LEONARDO FRANÇA
Diretor financeiro da Cassol
Também pelo caminho das medidas estruturais, segue a Amazon, que possui um centro de distribuição em Nova Santa Rita. A estrutura também foi alagada em maio de 2024. A Amazon conta com sistemas de monitoramento e resposta emergencial a eventos climáticos no local. Após a enchente, também elevou as estruturas de geradores e subestação elétrica, além de instalar equipamentos que permitem isolar áreas específicas do centro em caso de alertas.
Essas medidas demonstram nosso compromisso com a segurança e a resiliência operacional, nos permitindo antecipar, responder e nos recuperar de eventos climáticos adversos de maneira eficiente.
ANA LAURA BUENO
Líder da operação da Amazon em Nova Santa Rita

Protocolos de emergência
A resiliência aos eventos extremos também passa por outras medidas como um protocolo de emergência.
— É fundamental que as empresas tenham protocolos emergenciais de ação para evacuação e resposta em casos de inundação, como ocorre para incêndios. O monitoramento das águas pode servir para ativar estes protocolos, para que os colaboradores saibam como agir com eficiência e segurança — ressalta o hidrólogo Fernando Fan.
A operação da Amazon, em Nova Santa Rita, conta com o protocolo e com treinamentos de capacitação dos colaboradores.
— Há treinamentos constantes e específicos para gerenciar situações de crise, como eventos climáticos. Isso garante uma resposta rápida e eficaz em situações de emergência — define Ana Laura Bueno.
Suporte do poder público
Ações de prevenção implementadas por empresas são fortalecidas quando integradas a medidas tomadas pelo poder público.
— Durante a enchente, tivemos centenas de pontos de bloqueio nas rodovias, fechamento do aeroporto, dificuldades de comunicação. Conversamos com os gestores públicos para desenvolver ações integradas de resposta, até porque prestamos um serviço básico para a população — ilustra José João de Jesus da Fonseca, diretor da Corsan.
Secretário de Desenvolvimento Econômico do Estado, Ernani Polo reforça que iniciativas privadas devem ser complementares à proteção oferecida pelas administrações públicas:
— Temos acompanhado esses fenômenos climáticos ocorrendo cada vez mais e, principalmente após a enchente do ano passado, estamos adaptando as estruturas do Estado para se tornar mais resiliente, com investimentos no sistema de contenção de cheias e reforço das rodovias. As outras ações que forem implementadas reforçam essa proteção.
O secretário também aponta o suporte do governo estadual para a recuperação de empresas atingidas como papel importante neste processo.
— Fizemos uma mobilidade especial do Fundopem para auxiliar na recuperação das empresas atingidas, assim como outras medidas, como o MEI Calamidades, para microempreendedores individuais. Estas ações também são fundamentais para assegurar as operações quando ocorre este tipo de evento extremo — complementa Polo.