
O caixa da empresa pressionado por dívidas, o preço do petróleo no mercado internacional em queda e os escândalos de corrupção podem obrigar o governo a rever o papel da Petrobras na exploração do pré-sal e a promover ajustes no marco legal de produção de petróleo no Brasil.
Entre as mudanças possíveis está a revisão da exigência de que a Petrobras seja operadora exclusiva das áreas do pré-sal e que a estatal entre com 30% dos investimentos necessários para desenvolver as áreas. Também pode vir a reavaliar os percentuais adotados na política de conteúdo nacional que obriga a petrolífera a comprar boa parte dos produtos que consome dentro do Brasil.

As adaptações, defendidas há tempos por liberais, têm conquistado voz agora também entre políticos e especialistas mais à esquerda. Diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo entre 2003 e 2011, o comunista Haroldo Lima é um dos que reforçam o coro que canta por mudanças.
- O esquema de corrupção instalado na Petrobras é assombroso, mas hoje o que dificulta a exploração do pré-sal é principalmente o preço do barril de petróleo. Tão barato, abaixo de US$ 60 como tem ficado, nenhuma outra fonte de energia é competitiva. Precisamos nos adaptar a esse novo cenário - acrescenta.
Participação no pré-sal está em lei
O engenheiro baiano, que sempre se notabilizou pela defesa da forte presença estatal no segmento, afirma que para dar o ritmo necessário à exploração, a Petrobras poderia se tornar operadora preferencial e não exclusiva das áreas do pré-sal, e teria que ter fim a obrigatoriedade de a estatal investir com pelo menos 30% em todas as áreas.
- Sou a favor da política de conteúdo nacional, mas também precisa ser flexibilizada. A demanda é muito maior do que a nossa indústria comporta. Produtos para exploração em terra temos para oferecer, mas em águas ultraprofundas não, acaba saindo muito mais caro comprar produto nacional - explica Lima, que defende redução do percentual de nacionalização.
O advogado gaúcho Pedro Dittrich, um dos coordenadores do grupo técnico que elaborou na Casa Civil os projetos de lei do pré-sal, explica que o modelo adotado no Brasil é flexível, mas que algumas mudanças são mais fáceis de fazer do que outras.
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A exigência que a Petrobras entre com 30% dos investimentos nas áreas de exploração, por exemplo, aparece na lei, enquanto o índice de nacionalização não. Isso é indicado em cada contrato.
- É possível fazer revisões, mas algumas alterações trazem mais desgaste político do que outras. Mudar a lei exige aprovação do Congresso. Levar a discussão do pré-sal para o Legislativo pode reacender velhos debates, como a divisão dos royalties. Alterar o que está em contrato depende basicamente do Executivo - afirma.
Dinheiro para educação e saúde engorda superávit
Uma das principais bandeiras dos entusiastas da exploração do pré-sal, a geração de mais dinheiro para saúde e educação ainda é uma utopia no horizonte. Até novembro, menos de 29% dos investimentos sociais programados com verbas de royalties e comissões do governo efetivamente saíram do papel. Conforme levantamento da ONG Contas Abertas, R$ 960 milhões do Fundo Social foram repassados para saúde e educação, de um total empenhado de R$ 2,361 bilhões.
- Esse contingenciamento é o mesmo de outras frentes orçamentárias. O governo tem brecha legal para não liberar o dinheiro, e tem se utilizado disso em razão das dificuldades de caixa para fechar as contas - explica Raul Velloso, especialista em finanças públicas.

A criação do fundo foi sancionada em setembro do ano passado, com previsão de repasse de metade do dinheiro arrecadado pela União para projetos educacionais (75% do total) e de saúde (25%). Até novembro deste ano, o fundo recebeu R$ 2,746 bilhões, conforme a Agência Nacional do Petróleo.
Sem regulamentação, no entanto, o dinheiro fica parado em uma conta única no Tesouro, que executa parte dos gastos. ZH procurou o Ministério da Fazenda para questionar se há contingenciamento de verba, mas não obteve retorno até o fechamento da reportagem.