Num instante em que dezenas de milhares de elefantes na África estão sendo assassinados para alimentar o apetite chinês por marfim, o melhor lugar para um elefante selvagem estar pode ser nas florestas tropicais no sudoeste da China.
Nas duas últimas décadas, o número de elefantes asiáticos na província de Yunnan, na China, praticamente dobrou, chegando a quase 300, graças a programas de alimentação bancados pelo governo, tentativas de educação sobre a fauna silvestre e uma lei severa de proteção a elefantes sem igual no mundo. No país, os caçadores ilegais são condenados à morte.
Desde 1995, quando quatro pessoas foram executadas por um pelotão de fuzilamento por matar um elefante, somente alguns elefantes chineses foram mortos por caçadores interessados em suas presas, segundo a imprensa oficial, e nenhum na década passada.
- A vida é boa para os elefantes daqui por ser seguro e existir muita comida. Depois que os elefantes atravessam a fronteira do Laos, onde a caça é permitida, eles não querem mais saber de voltar, afirmou Chang Zongbo, guarda-florestal local.
A maior ameaça que sofrem na China é a perda de habitat.
Com as florestas de Yunnan dando lugar rapidamente a seringais e outras culturas rentáveis, a cerca de meia dúzia de famílias de elefantes do país ficou isolada em reservas desconectadas. Para zoólogos, a incapacidade de reproduzir com outras manadas ameaça a diversidade genética dos paquidermes, tornando-os vulneráveis à doença.
Ao mesmo tempo, o crescimento da população humana da região levou ao aumento de conflitos entre homens e animais selvagens, alguns fatais. Nos últimos quatro anos, três pessoas foram mortas esmagadas e 12 ficaram feridas em Yunnan por elefantes desgarrados, muitos dos quais se acostumaram a comer cana-de-açúcar, arroz e abacaxis plantados pelos produtores locais.
Tais conflitos ocorrem à noite em Shangzhongliang, vilarejo isolado nos arredores da fronteira com o Laos, onde os moradores, em sua maioria membros da minoria étnica dai, tentam há meses espantar uma família de aproximadamente 20 elefantes de uma reserva natural vizinha que atacam suas colheitas quando escurece. Um produtor rural, Xiong Dan, 30 anos, afirmou que ele e a esposa acordam de três a quatro vezes por noite para jogar bombinhas nas plantações, tática que estaria ficando cada vez mais inútil.
- Os elefantes são tão inteligentes que se esgueiram para outra área e continuam comendo. Logicamente, é um trabalho muito tenso porque se você chegar perto demais, eles vêm atrás, afirmou o produtor, parado em meio a bananeiras dizimadas.
As autoridades tentaram aliviar a perda provocada pelos ataques dos elefantes às colheitas compensando os plantadores por suas perdas. Em 2012, o governo pagou quase US$ 480 mil por meio de uma seguradora privada, segundo a agência de notícias estatal Xinhua, embora os moradores reclamem que o reembolso não cubra o valor de mercado das colheitas perdidas.
Em áreas densamente povoadas onde se sabe que os elefantes vagam, os guardas-florestais vêm criando enormes "cantinas para elefantes" plantando cereais, bambu e outras plantas de que gostam para dissuadi-los de atacar as plantações. Grupos ambientais internacionais também estão tentando resolver o problema comprando ou arrendando terras cultivadas e restaurando a floresta numa tentativa de ampliar o habitat dos paquidermes, e para criar corredores que um dia conectem as distantes reservas naturais da região.
Depois de anos dizendo para os produtores rurais protegerem as plantações com trincheiras e cercas elétricas - barreiras facilmente ultrapassadas por elefantes espertos -, outros grupos, como o Fundo Internacional para o Bem-Estar Animal, estão ensinando os agricultores a coexistir pacificamente com os vizinhos famintos. Nos últimos anos, a organização forneceu microempréstimos para dois mil produtores em sete povoados para ajudá-los a trocar as plantações de arroz e bananas por chá, colheita rentável que os elefantes não comem.
Embora difícil de quantificar, os elefantes da China também se beneficiam do afeto crescente entre os chineses de classe média, paixão em grande medida inspirada pelas autoridades do turismo que os adotaram como mascote de marketing irresistível. Em Jinghong, capital da provincial de Xishuangbanna, uma procissão de estátuas de elefantes de pedra e bronze - alguns com aparência feroz, outros claramente risonhos - foi instalada em ilhas de tráfego e diante de novos centros comerciais ao estilo tailandês.
- Quem não ama o elefante?, questionou Xiong Qiaoyong, 30 anos, guarda-florestal do Vale do Elefante Selvagem, parque natural popular nos arredores de Jinghong que atrai milhares de visitantes por dia. Embora diga-se que de 16 a 24 elefantes vivam na reserva de 365 hectares, a maioria dos encontros entre homens e paquidermes se dá num picadeiro poeirento, onde os turistas podem passear nos elefantes por US$ 5 ou ver um bando de artistas cansados do mundo ficar de pé nas patas traseiras ou respeitosamente colocar chapéus e lenços nas cabeças de membros petrificados da plateia.
Porém, nem o carinho público pelos elefantes nem as leis draconianas contra a caça ilegal podem competir com a atração financeira da borracha, que cada vez mais priva Yunnan de suas florestas tropicais suntuosas. Nessa última década, os seringais passaram a ocupar cerca de um quarto de Xishuangbanna, lar de mais de 90% dos elefantes chineses, segundo R. Edward Grumbine, cientista visitante do Instituto Kunming de Botânica, tudo para alimentar a florescente indústria chinesa de pneus. O preço da borracha mais do que quadruplicou desde 2002, tornando fabulosamente ricos produtores antes praticantes da agricultura de subsistência.
O lado negativo de tanta borracha é ela ser uma monocultura que os cientistas descrevem como uma zona ecológica morta, onde quase não se escutam pássaros e os elefantes não têm nada para comer. Chang, 46 anos, o guarda-florestal, disse que a maioria das florestas que não faz parte das reservas naturais protegidas pelo governo foi engolida pelos seringais nos últimos anos. - Quando eu era pequeno, não se viam elefantes, mas isso porque havia muita floresta naquela época. Agora, eles estão apertados em ilhas separadas umas das outras, cercados por rodovias e cidades, e são mais fáceis de achar.
No papel, mais de 2,8 milhões de hectares em Yunnan foram transformados em reservas florestais, mas Chang disse que as autoridades locais muitas vezes fazem vistas grossas quando os produtores rurais e as construtoras invadem os parques naturais. - A destruição é uma tragédia nacional. Nós precisamos que o governo central marque presença e ajude. Senão, o elefante está condenado.
O elefante asiático enfrenta pressão similar de Bangladesh à Indonésia. A World Wildlife Fund estima que tenham restado de 40 mil a 50 mil animais, 50% a menos do que no início do século XX. Mais de dois terços estão na Índia e no Sri Lanka.
Em Shangzhongliang, as escaramuças noturnas estão pondo em prova a antiga reverência dai pelo elefante, visto como arauto de boa sorte.
Questionado sobre o conflito crescente, Piao Long, jovem agricultor, sorriu. - É claro que amamos o elefante, pois ele é um animal protegido em âmbito nacional. Mais tarde, porém, depois de algumas cervejas quentes, Piao, 26 anos, confessou seus verdadeiros sentimentos. - Eles comem toda a nossa colheita, então é claro que os odiamos. Se pudéssemos, mataríamos todos.