
Concebido como solução de mobilidade urbana para a Copa de 2014, o sistema BRT (ônibus de trânsito rápido, na sigla em inglês) poderá sofrer novo atraso e operar em Porto Alegre somente a partir de 2015. É o que admite a prefeitura, diante de um cenário no qual três dos quatro corredores em construção estão com as obras paralisadas e sem previsão de retomada.
A suspensão dos trabalhos nas avenidas João Pessoa (onde há serviços complementares), Protásio Alves e Bento Gonçalves - orçados em R$ 195 milhões e destinados a pelo menos 64 mil passageiros - pode levar a um cenário de rescisão de contrato com os consórcios encarregados e, por consequência, de necessidade de nova licitação. A hipótese se enquadra na categoria de "plano B", afirma o secretário municipal de Gestão, Urbano Schmitt:
- Se não houver encaminhamento favorável, é um recurso ainda disponível. Espero que não chegue a esse ponto.
A previsão de BRT em pleno funcionamento apenas em 2015 se explica por uma série de fatores - entre eles, um apontamento do Tribunal de Contas do Estado (TCE) de sobrepreço superior a R$ 1 milhão na execução dos corredores. A este problema soma-se, ainda, a inexistência de licitações para erguer as paradas e as estações do BRT. Fecham esta conta os veículos BRTs, previstos para constarem em concorrência a ser proposta pela prefeitura para o transporte público da Capital (a promessa é de que ela saia até dezembro).
- Os novos ônibus serão comprados pelas empresas que vencerem a licitação. Pode ser no ano que vem ou demorar mais ainda - aponta Schmitt.
De nada adiantarão os planos, porém, se o nó das pistas não for desatado. Em sua conta no Twitter, o prefeito José Fortunati atribuiu a interrupção a questões judiciais. Escreveu o seguinte: "A prefeitura somente aguarda a decisão das instâncias fiscalizadoras para prosseguir com as obras. A decisão é absolutamente técnica".
Mas há controvérsias. Questionado por ZH, o TCE diz ter feito o apontamento à prefeitura do sobrepreço nos processos de fresagem (retirada do asfalto) e de sinalização noturna. Duas vezes: antes da licitação, quando as empresas apresentaram defesa, e já com a obra em andamento.
- A área de fresagem (prevista na licitação) era o dobro do pavimento (existente). A máquina passaria duas vezes - aponta um técnico do tribunal.
A partir deste segundo aviso do TCE, a prefeitura decidiu repassar às empresas somente os valores identificados como corretos pelo tribunal. Ou seja, diminuiu o pagamento. O consórcio formado por Sultepa e Conpasul, encarregado dos trechos da Bento e da Protásio, entrou na Justiça em busca dos valores integrais, conforme o contrato. Obteve liminar favorável, mas a prefeitura manteve a posição. Por isso, as empresas interromperam as obras.
Diante do impasse, Fortunati procurou o TCE e pediu uma antecipação da decisão sobre o caso - o que não se sabe se irá acontecer. De posse da "orientação final" dos seis conselheiros do tribunal, conforme postou no Twitter, o prefeito espera conseguir, então, um posicionamento favorável na Justiça. Enquanto isso não acontece, a Procuradoria-Geral do Município (PGM) tenta cassar a liminar conquistada pelas construtoras.
Menos mal que, segundo Urbano Schmitt, a parada não deve prejudicar o trabalho já feito. O que ocorre é a troca do asfalto por placa de concreto, mas até nisso houve percalços. Em junho, os trechos da Protásio e da Bento se viram reduzidos a serviços complementares graças à proibição de extração de areia no Rio Jacuí.
Problemas identificados
Fresagem
Sobrepreço de 100% (mais de R$ 1 milhão)
A área de retirada de asfalto prevista na licitação, segundo aponta o TCE, é o dobro do pavimento existente. O critério de medição no contrato apontava a retirada de duas camadas de 5cm. O TCE, porém, afirma ter consultado o fabricante do equipamento e ouvido que a capacidade da máquina é superior a 10cm: ou seja, seria possível cortar o asfalto de uma vez só.
Ainda assim, há pontos do pavimento nos quais a espessura supera 10cm. Diante disso, a concessionária pediu um aditivo ao contrato (apesar de que, segundo o TCE, a espessura maior estaria dentro do limite de um corte da máquina).
Sinalização noturna
Sobrepreço de pelo menos 30%
Consiste em contratar três serviços para as obras: carro-seta (30% de sobrepreço), baliza refletiva (50%) e baliza com luz piscante (50%). O sobrepreço é pequeno (cerca de R$ 40 mil na Protásio, por exemplo), mas o problema se deu na contratação. Como o serviço previsto na licitação só cobriria um mês de trabalho, as empresas pediram um aditivo ao contrato para contemplar toda a duração das obras. Se concedido, significará novos custos.
O que diz a Conpasul, via nota
Em respeito à opinião pública, cumprindo sua missão de transparência e diante de informações que levam ao desentendimento da questão, a Conpasul, empresa vencedora da licitação para construção dos corredores de ônibus de Porto Alegre, esclarece que:
1. Não há, sob nenhuma hipótese, prática de sobrepreço ou descumprimento do estabelecido no Edital e assinado no Contrato de elaboração do serviço.
2. Ocorre apenas uma questão de entendimento e conhecimento do serviço contratado e realizado, porquanto, no próprio Edital, a valorização da fresagem (retirada do asfalto) foi estabelecida para camadas de cinco centímetros;
3. Ocorre que a camada de asfalto a ser retirada, chega a superar 20 centímetros, o que equivale a quatro camadas retiradas;
4. A retirada em uma só passagem, significa maior potência de equipamento, mais custo de manutenção, mais tempo para retirada do asfalto, maior volume de resíduos retirados e maior custo total do serviço;
5. Estudos feitos por professores doutores da Faculdade de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, comprovam a correção dos cálculos e valores, previstos no Contrato;
6. Assim, a Conpasul aguarda com serenidade a decisão do TCE, na certeza de que as obras poderão seguir regularmente, com a correção e legalidade previstas no Edital e confirmadas na contratação do serviço;
7.Com três décadas de atuação no mercado da construção pesada, a Empresa atua com seriedade e ética, o que consolida sua imagem no mercado.
A situação das obras
