Fábio Prikladnicki
Leia, abaixo, a terceira e última parte da entrevista com o dramaturgo Julio Zanotta. Leia, também, a primeira e a segunda parte. Confira a programação da Semana Julio Zanotta.
Zero Hora - O senhor disse que se preocupa com o que sua mãe pensa...
Julio Zanotta - Me preocupo. Ela está com 80 e tantos anos. Cuido dela. Ela vai comigo no teatro. Quanto mais radical é a peça, mais ela gosta. Eu me preocupo com o que ela pensa. Me preocupo com meus filhos, com a imagem que eles possam ter. Tenho quatro filhos, um de cada relacionamento. É uma família meio sui generis.
ZH - O senhor está casado?
Zanotta - Estou recentemente casado, no período da lua de mel (risos).
ZH - Foi quando?
Zanotta - Faz uns dois meses.
ZH - É a quarta mulher?
Zanotta - Acho que é a vigésima (risos). Parei de contar faz um tempo.
ZH - Cada relacionamento seu é um casamento?
Zanotta - Tem uns que não são. Quando é, tu sentes. Na questão do casamento, sou totalmente contra a hipocrisia. No momento em que termina aquele ardor amoroso, não tem por que as pessoas continuarem juntas por fingimento, por questões sociais ou pelo patrimônio. Ou para manter a convenção. Quando fracassa aquele elo vital entre duas pessoas, cada um tem que tomar seu caminho.
ZH - A monogamia também é uma questão de hipocrisia?
Zanotta - Pode não ser, mas geralmente é. São relações desgastadas. Há uma pressão social violenta nos dias de hoje. Os casais chegam em casa estressadíssimos. Trabalha-se como nunca. Aí tens que segurar a barra dos filhos, a administração doméstica, as contas, as pressões do teu meio social, da tua tribo, da família. Não há casamento que resista a isso. No século 19, os relacionamentos vitorianos duravam mais tempo porque havia uma combinação, uma divisão de tarefas. A mulher ficava esperando o homem em casa, administrava o lar, e o homem ia procurar recurso financeiro, geralmente. Com isso, a mulher se tornou subjugada pelo homem. Quem depende economicamente, depende politicamente. Então, esses casamentos duravam mais, até por causa dessa camisa de força, mas duravam. E acho que muitos casais foram felizes. Vi isso nos romances dessa época, os grandes romances românticos, que também divulgaram esse mito do amor romântico. É uma questão criada. Hoje, vivemos outro tipo de relações amorosas. A literatura, a arte, os ensaios antropológicos definem outro tipo de amor, muito mais amplo, com várias formas, em que tudo é possível.
ZH - O senhor falou, anteriormente, sobre relações poliamorosas. Já teve experiência desse tipo?
Zanotta - Já. Há anos, tive casamento aberto. E não deu certo. São muito difíceis essas coisas.
ZH - A pessoa pode ficar com medo de perder a parceira.
Zanotta - Sempre tem um momento em que bate os ciúmes. É muito mais difícil. Tu tens que engolir sapo. Imagina se ela se apaixona pelo outro mais do que por mim. É bem complexo. Essa modernidade amorosa permite muito mais liberdade do que antes nas relações.
ZH - O senhor acha que, às vezes, passa uma imagem de si mesmo que não representa o que de fato é?
Zanotta - Eu me autoesculacho, me autoironizo em uma estética irreverente, surreal.
ZH - Faz análise?
Zanotta - Odeio análise. Aos seis anos, meus pais me levaram ao psiquiatra porque eu apresentava distúrbios de conduta. Achavam que eu era meio louquinho (risos). Odiei aquilo.
ZH - O que eram esses distúrbios de conduta?
Zanotta - Às vezes, eu era meio violento. Eu lia muito. Meu pai tinha uma biblioteca em casa, e andei lendo O Amante de Lady Chatterley. Aos 11 anos, li Anna Karenina inteiro. Mudou minha vida. Esses livros que li me deixavam com uma outra visão. E eu perdia o controle em certas situações. Mas era uma coisa muito curiosa. Eu não me considerava um enfermo mental e achei que, ao me levar ao psiquiatra, meus pais estavam me catalogando como enfermo mental. Então, sempre odiei a psiquiatria. Até li Freud, li atentamente Totem e Tabu. É um cara retórico. Me dei ao trabalho de ver quantos conceitos tinha ali. E quase não tem conceito, é só retórica.
ZH - O senhor se medica?
Zanotta - Claro que me medico. Felizmente, tenho plano de saúde. Se não, não estaria tão bem na parada.
ZH - Costuma ir ao teatro?
Zanotta - Vou. Tento ver tudo o que posso em Porto Alegre, mesmo o que não gosto. Se vou a São Paulo, passo o tempo todo no teatro. É para ver quem está fazendo o quê. É meu ofício, tenho que saber quem são os diretores.
ZH - Por que escolheu o teatro?
Zanotta - Porque não consegui alcançar, na prosa, o nível que gostaria. No teatro, dominei a ferramenta da construção dramática. Na literatura, tentei, mas acho que peguei o caminho errado. Com essa questão de cair no vanguardismo, que era uma tendência de moda da época, não consegui resolver. No teatro, resolvi.
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