
Mais do que um ato isolado de vandalismo, o incêndio em uma escola de Eldorado do Sul, provocado por quatro adolescentes na madrugada desta segunda-feira, ilustra um fenômeno que se torna cada vez mais comum na sociedade contemporânea, e que traz à tona uma crise na instituição social ainda pouco entendida por pais, filhos e professores.
Conforme o sociólogo e diretor do Instituto Latino-americano de Estudos Avançados da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), José Vicente Tavares dos Santos, esse tipo de violência pode ser visto como um protesto de um grupo de jovens que não tem condições de verbalizar suas insatisfações, e utilizam a depredação e a agressão como um pedido de ajuda:
- Embora seja condenável, é preciso escutar estes jovens, que expressam uma crise da juventude.
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Uma série de fatores sociais faz com que os estudantes não reconheçam mais na escola um lugar de socialização e aprendizado, mas sim um ambiente que não responde aos seus anseios e expectativas, complementa a socióloga, doutora em educação e coordenadora da Área de Juventude e Políticas Públicas da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, Miriam Abramovay.
Esse descontentamento, apesar de refletir na escola, é muito mais do que uma revolta contra a instituição de ensino, diz a psicóloga, doutora em educação e professora da faculdade de Educação da UFRGS, Marisa Eizirik. Para a especialista, a insatisfação manifesta uma crise de valores, que é consequência, entre outras coisas, de uma deficiência em outras instituições - a família e a sociedade - de exercer os papéis estruturantes na formação dos jovens.
- Com as carências nos demais agentes civilizatórios, a escola se tornou o depositário desta expectativa de formar o cidadão, e ela não está dando conta disso - detalha.
Ainda que não sejam justificáveis, atitudes como essa podem ser entendidas como um grito de revolta, uma forma de chamar a atenção dos pais, professores e da sociedade em geral ao fato de que algo não está bem, mesmo que os próprios jovens não consigam elaborar exatamente o que os está incomodando, relata a psicóloga.
O enfraquecimento das figuras de autoridade, em especial da figura paterna, pode suscitar este tipo de atitude, que é muito mais violenta e muito menos reflexiva, comenta Santos. Os jovens, que muitas vezes crescem sem a noção de limites, não encontram espaço para significar o que sentem, pensam e observam, e acabam expressando suas angústias em atos violentos.
O sociólogo destaca que este tipo de fenômeno é registrado há mais de duas décadas em diferentes países, o que indica uma variedade de motivações para a postura agressiva contra as instituições de ensino. Para Santos, a escola é o local onde explodem os conflitos sociais, e esta acaba sendo prejudicada em uma sociedade na qual a violência tem sido parte dominante da cultura.




