
- Este é um trabalho para o Christopher Nolan.
A frase deve ter sido dita nos escritórios da Warner quando o estúdio resolveu resgatar o Super-Homem, exilado na zona fantasma das franquias de super-herói desde Superman - O Retorno (2006), uma pálida reverência aos longas dos anos 1970 e 80 estrelados por Christopher Reeve. Afinal, Nolan foi o cara por trás da bem-sucedida trilogia com o outro principal personagem da DC, a editora de quadrinhos pertencente à empresa. Mas Batman, sozinho, não deu conta de combater a ascensão cinematográfica da rival Marvel, que habilmente construiu um círculo virtuoso - as aventuras solo de Homem de Ferro, Hulk, Thor e Capitão América desembocaram em Os Vingadores (2012), terceira maior bilheteria de todos os tempos, o que garantiu duas continuações e impulsionou novos filmes desses heróis. Havia chegado a hora de mostrar que o universo uniformizado da Warner não se resumia ao Cavaleiro das Trevas (é covardia citar o Lanterna Verde de 2011).
Então, O Homem de Aço, que estreia hoje nos cinemas em todo tipo de cópia (Imax, 3D, legendada, dublada), tem duas metas: arrecadar uma fortuna e pavimentar o caminho para um (aguardadíssimo) filme da superequipe da DC, a Liga da Justiça. Conquistar também a crítica não faria mal. Vamos ao informe de resultados.
1) A bilheteria pode não chegar ao US$ 1 bi dos dois últimos Batman e do terceiro Homem de Ferro, mas já encostou na casa dos US$ 600 milhões. É um número a festejar, levando-se em conta que: a) trata-se de um reinício de franquia - historicamente, as continuações levantam mais dinheiro (Batman Begins fez pouco mais de um terço de O Cavaleiro das Trevas Ressurge, e Homem de Ferro rendeu menos da metade do que o terceiro capítulo); b) o verão americano ainda não terminou; c) o filme ainda tem pela frente dois mercados fortes, o Brasil, agora, e o Japão, em agosto.
2) A trama, escrita pelo mesmo David S. Goyer dos três Batman a partir de um argumento a quatro mãos com Christopher Nolan, e dirigida por Zack Snyder (que traz no currículo duas versões de gibis, 300 e Watchmen), insere o Super-Homem no mundo cinematográfico da DC como o conhecemos: realista e sombrio. A origem do personagem é quase a mesma - para que o filho Kal-El sobreviva à destruição do planeta Krypton, Jor-El (Russell Crowe) o envia à Terra, onde acabará criado por pais adotivos (Kevin Costner e Diane Lane) e desenvolverá superpoderes. Mas Nolan e Goyer adicionaram temas e elementos à história krytoniana (matriz genética, exploração predatória de recursos naturais, um golpe de estado, animais alados) e empregaram no roteiro uma estrutura não-linear.
Quando Kal-El aparece pela primeira vez na Terra, ele já é um homenzarrão barbudo de 30 e poucos anos (o belo britânico Henry Cavill, do seriado The Tudors, com physique du rôle e aura de dignidade), que anonimamente salva operários de um incêndio em uma plataforma petrolífera. São flashbacks que nos mostram sua infância e sua juventude em Smallville, no Kansas - e cada remissão ao passado conversa com o presente, constrói o caráter do protagonista. Clark Kent acaba deixando rastros, que atraem a repórter Lois Lane (Amy Adams) e, pior, um dissidente de Krypton, o general Zod (Michael Shannon), obstinado em dar uma nova chance a seu planeta - mesmo que para isso tenha de destruir a Terra.
3) Aqui está a kryptonita de O Homem de Aço: no site metacritic.com, que compila e atribui uma nota a críticas de jornais, revistas e sites, a avaliação é baixa - 55 de 100. Eu me ponho entre os que gostaram do filme, mas em um ponto todos concordamos: o terço final põe literalmente por terra o que foi erguido nos dois terços iniciais, justamente porque investe, à la Michael Bay, à la Roland Emmerich, em demoradas e monótonas cenas de destruição, que ferem o código de conduta do kryptoniano - ele não colocaria Metrópolis e seus habitantes em tamanho risco.
Porém, antes de tudo isso, é bastante feliz a combinação entre o roteiro de Nolan e Goyer, a concepção visual de Snyder e a música de Hans Zimmer. É este, definitivamente, o retorno do Super-Homem, reconduzido ao Olimpo do qual ele foi o pioneiro ocupante, lá em 1938, como o primeiro super-herói dos quadrinhos. Mas é menos à mitologia grega e mais à Bíblia que O Homem de Aço filme alude, ou melhor, faz referências explícitas. Ainda que também simbolize a universal e não raro heroica jornada dos imigrantes, é com o caminho de Jesus que o do kryptoniano se espelha. Estão lá, por exemplo, o onisciente pai do além, os anos de provação de Clark em empregos ordinários (como se fossem os 40 dias no deserto), os milagres, a idade do sacrifício em nome da humanidade - em uma cena, nosso herói se apresenta com 33 anos.