Humberto Trezzi / Brasília
Quem matou? Quem feriu? Quem se omitiu? Quem foi negligente? Essas perguntas espocam pelo Brasil desde a morte de 236 pessoas no incêndio da boate Kiss, em Santa Maria - a maior tragédia da história do Rio Grande do Sul. São questões que terão de ser respondidas pelo inquérito policial aberto para investigar o caso.
Uma tarefa mais simples é deduzir que culpa tem cada suspeito; o desafio é prová-la na Justiça. É por isso que os policiais e peritos realizaram seis ações de busca e apreensão, mais de 10 perícias no palco do desastre, tomaram mais de 80 depoimentos e coletaram mais de mil páginas de documentos, até a tarde de sexta-feira. E muito mais vem por aí. Os indiciamentos não estão definidos, mas com base em entrevistas com policiais, peritos, promotores e fiscais, Zero Hora montou um quadro das ilegalidades detectadas até agora, de como elas podem ser punidas e de quem está mais propenso, no momento, a responder a processo.
Com o indiciamento, o inquérito é encaminhado à Justiça, depois ao Ministério Público, que decide se denuncia ou não os suspeitos e por quais crimes.
HOMICÍDIO
Morreram, até sexta-feira, 236 pessoas. Os policiais ainda não decidiram em qual modalidade serão enquadrados os suspeitos. Veja a diferença entre os tipos de homicídios.
Dolo eventual
O que é - O autor assume o risco de matar, mesmo sem o desejo que isso aconteça. É a tese que predomina, no momento, entre os policiais. É quando alguém sabe do perigo a que está expondo a vítima e age com indiferença. Os promotores Joel Dutra e Waleska Agostin afirmaram, ao pedir a prorrogação do pedido de prisão temporária dos donos da Kiss e dos integrantes da banda Gurizada Fandangueira (que usaram o sinalizador que originou o incêndio), que ocorreu um homicídio qualificado e que os acusados assumiram "risco de produzir o resultado morte".
A pena - Reclusão (regime fechado), de seis a 20 anos. Em caso de homicídio qualificado, de 12 a 30 anos. Os réus não recebem 236 penas, só uma (pela conduta que causa vários crimes). A sentença é por homicídio, aumentada de um sexto até metade da pena. Isso é chamado concurso formal. Quando os réus são primários, pegam a menor pena.
Probabilidade de indiciamento - Alta.
Culposo
O que é - É homicídio não intencional, hipótese menos cogitada pelos policiais. A pessoa age com imprudência (prática de um fato perigoso) ou negligência (não toma as devidas precauções), levando outros à morte.
A pena - Detenção (regime semiaberto ou aberto), de um a três anos, aumentada de um sexto até metade da pena pela multiplicidade de vítimas.
Probabilidade de indiciamento - Baixa.
Quem está sujeito a punição por homicídio - Os dois donos da boate, Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr, o Kiko, e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão. Os primeiros, por terem mantido a boate sem saídas de incêndio adequadas, com extintores vazios, com iluminação de emergência deficiente, superlotada. Os músicos, por terem comprado sinalizador inadequado com o objetivo de economizar dinheiro. O artefato para ambiente aberto custa R$ 2,50 a unidade e, para ambiente fechado, R$ 70.
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
O que é - É a responsabilização, nas esferas administrativa e cível, do agente público que atua de forma incorreta, ilegal, desonesta ou incompetente.
A punição - Ressarcimento do dano, multa, perda do que foi obtido ilicitamente, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos (de três a 10 anos, conforme a hipótese) e proibição de contratar com o poder público.
Quem está sujeito a punição - Fiscais da prefeitura (da Secretaria Municipal de Controle e Mobilidade Urbana, Vigilância Sanitária) que não teriam realizado a vistoria anual recomendada para o estabelecimento que incendiou. Bombeiros - no caso, os chefes da seção de vistorias - por não cobrarem a execução do plano de prevenção e combate a incêndios. Também o prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer o secretário de Mobilidade Urbana e o comandante do Corpo de Bombeiros na cidade.
Probabilidade de responsabilização - Alta para fiscais e chefes de seção dos bombeiros. Baixa para o prefeito, o secretário e o comandante dos bombeiros.
FALSIDADE IDEOLÓGICA
O que é - Adulteração de documento particular ou público, para obter vantagem.
A pena - Reclusão, de um a cinco anos.
Quem está sujeito a punição - Donos da boate e familiares de um deles (irmã e mãe). Média probabilidade de indiciamento.
Probabilidade de indiciamento - Média
IRREGULARIDADES TRABALHISTAS
O que é - Não são crimes. Seria a presença de trabalhadores sem carteira assinada ou menores na boate, por exemplo.
A punição - Sanções administrativas e multas aos donos da boate, com alta possibilidade de serem responsabilizados.
Quem está sujeito - Os donos da boate.
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