Um dos cinco cardeais brasileiros com direito a voto no conclave que elegerá o sucessor de Bento XVI, dom Geraldo Majella Agnelo, 79 anos, recebeu Zero Hora no Colégio Pio-Brasileiro, em Roma. Arcebispo emérito de Salvador, ex-primaz do Brasil, o cardeal entrará na Capela Sistina pela segunda vez para ajudar a escolher o novo papa. Na entrevista a seguir ele analisa o momento da Igreja, que testemunha, pela primeira vez em quase 600 anos, a renúncia de um Sumo Pontífice.
Zero Hora - O senhor foi surpreendido pela renúncia de Bento XVI?
Dom Geraldo Majella Agnelo - Estamos na era moderna, supermoderna, e, se antigamente não havia nem comunicação, hoje temos excesso de comunicação. A progressão é grande. Quando morreu João Paulo II, não teve uma cobertura tão grande nem do conclave como agora. Só o que dei de entrevistas é da manhã à noite, desde que o Papa renunciou. Eu fui colhido de surpresa, apesar de saber que nas normas para o conclave se diz que devem transcorrer no máximo de 15 a 20 dias da morte ou da renúncia. Isso vem sendo repetido. Agora, vejo no papa Bento uma criatura muito delicada de saúde. Ele tem um físico que não é avantajado. Ele não se expõe, mas também não tem muita saúde. É frágil. Agora, é uma capacidade. Ele gosta é de estudar. Ele está constantemente lendo, isso desde a lembrança que a gente tem maior no Concílio (Concílio Vaticano II, realizado de 1962 a 1965, considerado um evento capital na história da Igreja no século passado), ele era padre moço, era assessor de bispos na Alemanha.
ZH - Quando foi a última vez que o senhor esteve com ele?
Dom Geraldo - Quando venho a Roma, vou à audiência da quarta-feira. Depois, a gente sempre tem pelo menos um momento para trocar uma palavrinha.
ZH - Como será amanhã, um componente de emoção muito forte por ser algo histórico?
Dom Geraldo - Muito forte. Nós, cardeais, estamos sendo convidados para nos encontrarmos com ele na quinta-feira, no Palácio Apostólico, às 11h. Amanhã, é para o povo.
ZH - Há escândalos de pedofilia e casos de corrupção. O senhor acha realmente que o papa renunciou por causa da saúde?
Dom Geraldo - Sim, ele está fragilizado fisicamente.
ZH - E as pressões?
Dom Geraldo - Ele está acostumado com isso. (Risos.) A Congregação para a Doutrina da Fé, lá é que brotam os cabelos brancos. De maneira que ele está acostumado. Agora, se hoje estão dando mais publicidade à pedofilia, homossexualismo, os que querem uniões homossexuais, e que isso seja equiparado à família, tudo isso é... Antigamente, nenhum homossexual se manifestava. Hoje, são assumidos. E ser assumido quer dizer que eles querem aparecer. Isso realmente começam a querer entrar nas legislações dos países. Não há quem não tome partido sobre isso, ou pró ou contra. Há muita coisa que preocupa.
ZH - Mas a Igreja precisa se manifestar também sobre isso...
Dom Geraldo - Sim, mas isso já faz parte do magistério do Papa. Sobre pedofilia, o Papa já disse que os bispos devem ser fortes e levar ao braço secular questões de pedofilia dentro do clero. Não tenham complacência com isso. Agora, na prática, até que isso...
ZH - A Igreja precisa de um líder transparente. Neste momento, existe a renúncia e as frases fortes que o Papa tem dito. Está na hora de uma reflexão?
Dom Geraldo - O Papa é ouvido. Até João Paulo era procurado porque tinha uma comunicação, uma empatia, que impressionava. Hoje mudou. O Papa não é procurado para ser visto, como espetáculo, mas para ser ouvido. Sejam pró ou contra o Papa no modo de pensar, mas ele tinha um modo de falar, os argumentos, mostrava que ele é um homem estudioso. A preocupação dele era estudar. E mesmo agora, ele estuda o dia inteiro, seja a Bíblia, seja a Teologia. Ele estuda o dia todo. Ele quase não recebe ninguém lá em cima (nos aposentos). Até mesmo com os bispos, ele recebe cada um, às vezes ele nem consegue falar com todos separadamente. O único momento de encontro é este. Como João Paulo era diferente, ele recebia em uma hora, recebia em outro momento. O papa Bento está cansado mesmo, tem tratamentos de saúde que fez, colocou marca-passo. Está sendo bem cuidado, mas ele está que não aguenta mais fisicamente.
ZH - Eu sei que há coisas que o senhor não pode contar sobre o conclave. Mas o que o senhor pode dizer sobre esse ritual?
Dom Geraldo - Quando a gente entra em conclave, a gente recebe a lista de todos os que vão participar. A primeira votação tem uma dispersão muito grande de votos, muita dispersão. Mas algum já começa a despontar. Chega na segunda, já há uma boa redução. Na terceira, às vezes, pode-se já ter a eleição.
ZH - Enquanto isso, vocês, cardeais, ficam conversando?
Dom Geraldo - Em conclave, estamos fechados, não temos comunicação com a imprensa, sem computador, sem celular. Não temos nada disso. Não recebemos os jornais. Não atendemos telefonemas. A gente tem, todos os dias, a concelebração da eucaristia, a celebração da liturgia das horas, momentos de silêncio. É uma vida retirada. Não há nenhuma reunião, para decidir: "Vamos fazer uma aliança". Realmente, é uma busca por espiritualidade, para que, de fato, seja um ato religioso, de responsabilidade diante de Deus.
ZH - O Brasil está na moda, é o maior país católico do mundo. É chegada a hora de um papa brasileiro?
Dom Geraldo - Isso é pura especulação. Alguns jornais gostam de ter esta torcida. Não é sobre esse aspecto que estaremos ali reunidos, dizendo: "Agora, chegou a vez do Brasil". Estamos ali para ver quem pode ser referência, na cátedra de São Pedro, para o mundo: uma pessoa preparada intelectualmente, que possa estar sabendo quais são as necessidades do mundo.
ZH - São mais de cem cardeais. Todos, em tese, podem receber votos. O senhor consegue saber quem são eles?
Dom Geraldo - Sim, eu conheço um belo número de cardeais, porque trabalhei em Roma. Muitos deles eram como eu, que não éramos cardeais. Mas vinham aqui, estavam aqui. Trabalhei na Congregação para o Culto Divino, então, conheço mesmo. Fiz amizades, mantivemos correspondência. A gente sabe quem é quem. Temos um ponto de referência.