Um protesto de um grupo de alunos do 2º e 3º anos do Ensino Médio está provocando uma crise étnico-religiosa no Amazonas que já envolveu entidades de defesa dos direitos humanos, dos negros, dos homossexuais, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Ministério Público, além de se espalhar pelas redes sociais.
A polêmica começou quando 14 estudantes, todos evangélicos, dizendo-se ofendidos com o tema proposto, que na opinião deles fazia apologia ao "satanismo e ao homossexualismo", recusaram-se a apresentar um trabalho sobre cultura africana na Escola Estadual Senador João Bosco de Ramos Lima, de Manaus.
- Tivemos de ler um livro chamado Jubiabá, do Jorge Amado, onde um garoto tem amizade com um pai de santo. Eu achei muito estranho isso, porque teríamos que relatar essa história no trabalho. Queríamos apresentar de outro modo, sem falar sobre isso - disse Jefferson Carlos, um dos alunos, explicando as razões do grupo.
Por conta própria e orientados pelos pastores e pais, os estudantes propuseram apresentar um trabalho sobre as missões evangélicas na África, mas a proposta foi recusada pelos professores, que consideraram a atitude um ato de intolerância étnica e religiosa.
- Eles também se recusaram a ler obras como O Guarany, Macunaíma, Casa Grande e Senzala, dizendo que os livros falavam sobre homossexualismo - disse o professor Raimundo Cardoso.
Em protesto, os alunos montaram sua barra na frente da escola, sem o consentimento dos educadores.
- O que eles queriam apresentar fugia totalmente do tema. Acabaram montando a tenda fora da escola, no sol. Depois de conversarmos, eles foram para o pátio, mas o trabalho não podia ser avaliado porque não tinha a ver com a feira - explicou o coordenador adjunto da escola, Raimundo Cleocir.
O caso revoltou os pais dos estudantes, que questionaram a escola pelas notas baixas que os filhos receberam. Os estudantes alegaram discriminação contra a religião evangélica e, ao saberem do caso, militantes dos direitos humanos envolveram-se na polêmica.
Uma reunião foi realizada entre professores, pais e alunos, com a participação de representantes do Conselho dos Direitos Humanos do Amazonas, do Movimento Religioso de Matriz Africanas, da Comissão de Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e da Marcha Mundial das Mulheres. Mas o encontro não foi suficiente para acalmar os ânimos.
- É um assunto muito delicado e é preciso articular com as pessoas o argumento de que vivemos numa democracia e todos têm direito à liberdade de expressão - explicou a representante do Conselho dos Direitos Humanos, Rosaly Pinheiro, que mediou a reunião.
Para a representante do movimento de entidades de direitos humanos e do Fórum Especial de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros do Amazonas, Rosaly Pinheiro, o episódio reflete uma realidade de racismo e intolerância à diversidade.
- Essa não pode ser encarada como uma oportunidade para se destacar um fato ruim, mas sim uma oportunidade de se discutir, de uma forma mais ampla, essas questões com os alunos - defendeu.
Representante do Fórum pela Diversidade da OAB/AM, Carla Santiago ressaltou que o episódio não pode ser visto como um ato que fere os direitos de negros e homossexuais, mas um momento de conscientizar os alunos sobre a etnodiversidade, uma opinião compartilhada pela representante do Ministério Público, Carmem Arruda. Luiz Fernando Costa, que integra o corpo docente da escola e também é presidente do Movimento Negro no Amazonas, destacou que a escola seguiu as diretrizes da lei federal que torna obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena nas escolas.
- Todo este tema está no currículo da escola, a discussão é sobre ensino das culturas e não sobre a religião - afirmou.
Raimunda Nonata Corrêa, dirigente da Coordenação Amazonense das Religiões de Matriz Africana (Carma), concordou que a religião não era o foco do debate.
- A escola não é espaço de disputa religiosa, mas para qualificar o aluno com cidadão, num país plural - disse.
Para os alunos e os pais, no entanto, a questão deve ser encarada pelo lado religioso. Mãe de uma das estudantes, Wanderléa Noronha contou estar decepcionada.
- A discriminação aconteceu conosco. Minha filha não quis apresentar o tema e sofreu bullying dos outros alunos. Por que não pode haver espaço para a religião evangélica na feira? - indagou.
O pastor Marcos Freitas, do Ministério Cooperadores de Cristo, do qual os alunos fazem parte, não gostou da literatura que foi estudada nos trabalhos.
- Tinha homossexualismo no meio, eles querem que os alunos engulam isso? - disse.
A diretora da escola, Isabel Costa, disse nunca ter visto isso nos sete anos de realização do projeto.
- Fiquei muito abalada com o tamanho da confusão - contou.
Segundo Isabel, uma reunião na Secretaria de Educação Estado decidirá, na próxima semana, sobre as notas dos alunos.