São exatamente mil dias - 270 de gestação mais 730 referentes aos dois primeiros anos de vida. Nesse período é como se fosse construído o manual de instruções dos futuros adultos. A constatação é de uma pesquisa que mostra aos pais como transformar o seu bebê em um filho que atinja todo o seu potencial. Os mil primeiros dias de vida, segundo o estudo, definem a altura, se serão mais ou menos inteligentes e a propensão para algumas doenças.
Segundo o estudo, isso ocorre porque é até os dois anos que se estabelece a trajetória de uma pessoa - para os cientistas, é a fase da programação biológica, quando o cérebro e os órgãos estão se formando. Esse curto intervalo de tempo, que começa a ser contado desde que o espermatozóide encontra o óvulo, pode assegurar benefícios para a saúde física, mental e, inclusive, interferir na vida social.
Para se chegar ao resultado da importância dos mil dias de vida, o programa de pesquisa Coorte reuniu especialistas de cinco países, que realizam estudos de acompanhamento das pessoas desde o nascimento.
Foram analisadas informações de mais de 11 mil pessoas de Brasil, Filipinas, Índia, África do Sul e Guatemala. No Estado o estudo se iniciou com cerca de 6 mil jovens - 4,5 mil monitorados até hoje.
Liderado pelo pesquisador do Centro de Estudos Epidemiológicos da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Cesar Victora, o grupo surgiu a partir de dados iniciados na cidade do sul do Estado, no ano de 1982 - quando foi lançada a Coorte mais antiga do país.
Estudo serve para programas da OMS
Quando bebê, Wagner Passos era levado aos exames no colo da mãe. Com 30 anos, acumula todas as etapas do estudo. Amamentado até os dois anos, está entre os que fizeram frente aos resultados que apontam crianças bem alimentadas como adultos mais inteligentes.
-Vou agradecer a minha mãe por ter sido aprovado em um concurso público com mais de 30 mil inscritos - brinca, associando a amamentação à inteligência.
Assim como Wagner, Letícia Contreira, Sabrina Bandeira e Natália Redu não tinham nascido e já eram objeto de estudo. A cada cinco anos, o grupo é procurado para uma nova etapa da pesquisa: preenchem formulários, passam por exames médicos, coletas de sangue e experimentam os equipamentos mais estranhos - um deles mede a circunferência do corpo e gera imagens em 3D. É como se o passado desses jovens estivesse em um diário científico. Letícia lembra das pesagens feitas quando tinha quatro anos e dos testes que exigiam andar sobre uma linha reta. Natália se empolga com os resultados:
- Eu fui amamentada até os dois anos. Será que é por isso que não parei de crescer e já estou na segunda faculdade?
Os pesquisadores que analisam os dados das Coortes de cinco países trabalham juntos há quatro anos e têm patrocínio da agência britânica Wellcome e do Instituto Bill Gates. Eles acreditam que é com a união de informações sobre pessoas de países diferentes que se chega a uma verdade científica. O objetivo - além de acompanhar as crianças de 1982 até final da vida - é servir como referência para decisões e programas como os da Organização Mundial de Saúde (OMS).
Cesar Victora
Médico e pesquisador, PhD em Epidemiologia de Assistência Médica pela Universidade de Londres e presidente da Associação Epidemiológica Internacional
A subnutrição interfere nas condições sociais do país: a criança subnutrida é menos inteligente, não chega tão longe na escola, não consegue ganhar um bom salário e acaba fazendo trabalho braçal porque não tem nível intelectual para um trabalho melhor.
Se comer bem, a criança vai chegar na sua altura biológica. Mas é claro que, se os pais são baixinhos ela será baixinha também, mas vai conseguir atingir a sua altura ideal.
O bebê prematuro não é subnutrido, ele nasceu cedo, porém com o peso certo para a idade que tem. Diferente dos filhos de mães fumantes, esses têm o que chamamos de retardo de crescimento intrauterino e dificilmente conseguem recuperar o peso.
joice.bacelo@zerohora.com.br
