O Ministério Público é claro: o pedido de interdição do Complexo Beira-Rio ocorre apenas por questões de segurança à população que frequenta a casa colorada. Mais do que isso: ratifica que não vai ser conivente com um laudo que gerou um alvará com pelo menos 30 restrições às normas, corriqueiras a qualquer obra. Precisa, neste caso, fiscalizar. E, conforme o promotor Fábio Sbardelotto, não vai se privar disso.
Leia mais:
Promotor argumenta pedido de interdição do Beira-Rio: "Depois de uma tragédia, não tem como remediar"
Bombeiros e policiamento garantem que Beira-Rio tem condições de segurança
MP pede na Justiça interdição do Beira-Rio durante obras para a Copa
Reformas no Beira-Rio alteram a rotina no interior do estádio
Especial: como o Inter remodelará o estádio Beira-Rio
Sbardelotto responde de maneira direta quando questionado sobre a autoriação da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros, que liberam a realização de jogos e eventos sem plena segurança, conforme o MP, em meio a uma situação considerada crítica. Ele diz que, depois, caso o Judiciário julgue conveniente a presença de público em jogos e eventos, o ônus é exclusivamente do Judiciário.
- São requisitos que qualquer prédio tem que ter para ser habitado. O estádio só estará em condições depois de plenamente acabado. Então, não se pode tolerar o perigo - argumenta o promotor.
Confira a entrevista:
zhEsportes - O Ministério Público foca somente nos problemas hidráulicos e de segurança em caso de tumulto?
Sbardelotto - A petição inicial tem todos os argumentos. Falta a carta de habitação. Ela existe, mas é do modelo antigo, de antes das reformas. Em virtude das transformações, precisa-se de uma nova carta, pois o Beira-Rio será praticamente um novo estádio. Depois de concluídas as obras, o Município que faça as vistorias necessárias para conferir se tudo foi realizado conforme o projeto. Hoje, não existiria carta para estádio novo, em obras.
zhEsportes - E a questão dos problemas hidráulicos?
Sbardelotto - Não é só questão hidráulica. São vários equipamentos que não estão de acordo com a legislaçao. Isso foi apontado pelo relatório dos bombeiros. Mais de 30 pontos de adequação não estão conforme a legislação. Há a parte hidráulica, elétrica, segurança dos estabelecimentos como um todo. São vários aspectos.
zhEsportes - Os problemas podem atingir também, além dos torcedores e da imprensa, funcionários do clube?
Sbardelotto - São requisitos que qualquer prédio tem que ter para ser habitado: elétricos, hidráulicos, iluminação, sinalização... Requisitos de segurança que a legislação de seguranca exige. Alguns, o estádio tem, outros estão improvisados e outros faltam. Como não há plenitude dos instrumentos e equipamentos, há o risco. A gente não pode imaginar o que vai ou não acontecer. Se o prédio precisa disso, é porque não está perfeito, não está correto.
zhEsportes - O que o Ministério Público aponta como improviso e que poderia virar um problema de maior proporção?
Sbardelotto - Aquela vez dos banheiros químicos foi uma adaptação (episódio em que a torcida do Grêmio ateou fogo em banheiros químicos colocados na área destinada aos gremistas no Estádio Beira-Rio). Eles não deveriam ter sido colocados em meio a aquele tamanho número de pessoas. Não temos como medir uma tragédia. A Brigada dá segurança, mas não quando uma grade é serrada em meio a uma partida, como já aconteceu. Uma fagulha pode atingir o olho de um torcedor, pode queimar a roupa das pessoas. Depois que acontece, aí o Ministério Público é tachado de omisso. Não podemos ser acusados de omissão. Temos documentos na ação. Existe um laudo que é do próprio Internacional. A situação elétrica é crítica. São vários aspectos.
zhEsportes - O senhor não acredita ser exagerado esperar uma revolta em meio a 30 mil pessoas, que, normalmente, pode ser controlada pela Brigada porque, quando isso acontece, é protagonizada por uma minoria absoluta?
Sbardelotto - A grande maioria dos torcedores são gente absolutamente correta, que não dão problema. Sempre há uma minoria que causa todos os problemas. Se já ocorreram situações muito delicadas, provocadas por uma minoria, quando há uma população maior, não sabemos qual o resultado final disso.
zhEsportes - Na hora da confusão, pode ser complicado mensurar o tamanho do risco.
Sbardelotto - Basta iniciar uma correria e as pessoas boas começarem e fugir do tumulto. Haverá uma tragédia. O estádio se encontra em reforma, há crateras, obras, há grades. Na hora do tumulto, as pessoas querem fugir. Amassa um, cai outro... A gente não tem como lidar, contemporizar com o mínimo risco num ambiente desses. Não é uma casa qualquer, um apartamento, que temos problemas diários e menores, o espaço é muito propício ao risco.
zhEsportes - O MP vê alguma forma de liberar o Beira-Rio para eventos e jogos?
Sbardelotto - É preciso agir com cautela. Exemplo: pergunte aos bombeiros se eles dariam um alvará de segurança plena do estádio. Isso nunca foi fornecido. Não há. Foi liberado com restrições. Há duas opções: uma é sem restrições, a outra é com. Os mais de 30 itens precisam ser implantados, adequados, e não apenas melhorados. Se o estádio tem condições, que se dê um alvará de plenas condições. Aí o Ministério Público fica tranquilo.
zhEsportes - As condições de segurança, portanto, não são plenas.
Sbardelotto - Não podemos tolerar que a população ingresse num estádio com as restrições que, sabe-se, existem. Se alguma autoridade quer arcar com o risco, não vai ser o Ministério Público. Tomara que não aconteça nada. Até acho que não vai acontecer. Mas é muito estranha a afirmação de que o estádio está em condições se há inúmeras restrições apontadas. Basta, no mínimo, um acidente. Quem será o responsável? Quem permitiu que ocorresse? A Brigada e os Bombeiros deram condições, mas não eram plenas as condições.
zhEsportes - A situação é de fato tão crítica assim?
Sbardelotto - Se querem liberar, que liberem, mas que arquem com os riscos. O Ministério Público não vai ser conivente com isso. Em respeito com quem habita e vai frequentar o estádio. A nossa preocupação é com a população inocente. O risco não é mínimo. A situação é crítica. Há problemas hidráulicos. Pode não acontecer. Mas pode acontecer. Ninguém pode perder um dedo, ter um corte, as pessoas são inocentes, vão junto com os seus filhos. A segurança tem que ser grande. O cidadão inocente acha que o Estado está cumprindo a sua função. E nós sabemos que isso é delicado e complicado.