Dona da melhor nota na polêmica prova do magistério gaúcho, a jovem Maura Bombardelli, 24 anos, vive a dualidade da vitória. A felicidade pela superação de ter acertado o maior número de questões das 30 regiões contempladas no concurso contrasta com a certeza da má remuneração que a aguarda.
Por isso, Maura não se reserva o direito de se sentir felizarda, como fazem os vencedores. Guardou para uma próxima oportunidade a comemoração. Só contou aos pais sobre o feito um dia depois e se esforçou para compartilhar da mesma emoção ao saber da meta alcançada.
- Como posso festejar se o salário que me aguarda é de R$ 750? - questionou ela.
Na prova que valia 80, Maura atingiu média 77,6 - o que equivale a 97% do teste. Está entre os 281 aprovados do universo de 830 candidatos à habilitação em História na Capital. Essa é a terceira disputa em que Maura chega em primeiro lugar.
Conquistou o feito no ano passado, na avaliação das prefeituras de Gravataí e de Guaíba.
O paradoxo se intensifica pela qualificação da futura docente de uma das 259 escolas estaduais de Porto Alegre. É formada em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), está no primeiro ano do mestrado em História Política na mesma instituição e já ganhou dois troféus: um de iniciação científica, outro de jovem pesquisador.
Durante toda a vida, ela estudou em escola pública
Esse crescente intelectual é fruto de muita disciplina, leitura e curiosidade pelo mundo. A jovem nunca perdeu a rotina de estudos de vista - concluiu a faculdade, passou a estudar para o mestrado e para concursos paralelamente. O trabalho voluntário como professora em um cursinho pré-vestibular para alunos de baixa renda turbinou o preparo. Apesar de dizer que foi bem preparada durante a vida acadêmica na UFRGS, Maura ressalta que a prova não reflete o que foi visto na sala de aula.
- Por isso é que o esforço individual é muito importante. Vai do candidato buscar por fora meios de se preparar. A aula que eu dou no curso pré-vestibular estava mais próxima da prova do que o que eu aprendi na faculdade.
À primeira vista, o perfil reservado da garota enxuta de 1m65cm remete a alguém firme e rigoroso. Aos poucos, ela deixa transparecer uma personalidade sensível. A visão que os outros têm da profissão que escolheu para si não a deixa lá tão confortável:
- Sei que muita gente acha que estou jogando a minha capacidade fora em uma profissão sem retorno financeiro - diz a caçula de três irmãs: uma advogada e a outra gerente de banco.
Filha de professora estadual aposentada, Maura se diz inspirada pela mãe. Toda a vida estudou em escola pública. Concluiu o Ensino Fundamental em São Jorge, município do interior do Estado, onde nasceu, e o Ensino Médio, em Nova Prata, cidade vizinha. Há sete anos mora em Porto Alegre. Quando pensa na conquista, não consegue achar destaque na sua conduta.
- Sou normal. Não sou gênio, brilhante. Faço o que todo o estudante deveria fazer: estudar - ensina Maura.
Mesmo com a insatisfação financeira que lhe desarma o olhar cintilante, Maura nem por um momento cogita desistir da posse. Encara-a como um desafio, o primeiro passo no mercado de trabalho:
- Dar aula é sensacional, mas entristece por que, diante de qualquer concurso melhor, vou largar.
A receita de Maura
- Estuda diariamente para o mestrado e para concursos.
- O treino do cérebro para a compreensão da prova foi potencializado pelas cem páginas que lê para as aulas da pós-graduação.
- Um mês antes, adquiriu uma apostila e passou a devorá-la durante duas horas diariamente.
- O curso de história da UFRGS deu uma base sólida.
- O preparo individual é importante. Muitas pessoas acham que por terem feito faculdade estão preparadas e, na verdade, falta o bê-á-bá.
- O fato de estar estudando continuamente ajudou a solidificar os conhecimentos.
As críticas à prova
- Há um distanciamento do que é ensinado na faculdade e o que é cobrado, que geralmente são conteúdos mais tradicionais, que não são tão trabalhados na academia.
- Seguir o edital foi praticamente impossível, já que a cobrança de leitura foi acima do plausível: mais de 30 obras de pedagogia e literatura específica de cada curso.
- As únicas três questões que Maura não acertou diziam respeito a conhecimentos interdisciplinares - conhecimentos humanos e suas tecnologias - raramente ensinados em materiais didáticos e sala de aula.
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