Humberto Trezzi / Brasília
Zero Hora reconstitui o brutal assassinato de um agricultor de 80 anos dentro de casa, no Interior, após recusar-se a entregar dinheiro a bandidos
A cama de ferro, pintada de branco e sem enfeites - como recomenda a austera vida no Interior - está intocada desde a noite do crime. Ensanguentada, com lençóis amarrotados às pressas por três bandidos que procuravam dinheiro, é a prova da barbárie. Celira Passos, a dona daquele lar agora desfeito, ainda não teve coragem de voltar para casa, em Capão do Valo, interior de Rio Pardo. O cenário ali permanece congelado, como na hora em que Gabriel dos Passos, o marido e único homem de toda uma vida, foi executado com três tiros. Na parede, um retrato de Nossa Senhora Aparecida parece velar o local da tragédia.
Os criminosos chegaram com o anoitecer da última sexta-feira. Eram 19h e Celira, 84 anos, e Gabriel, 80 anos, tinham acabado de jantar. Deitados na cama, liam revistas e conversavam sobre planos. Sim, mesmo após 52 anos de casados, tinham muitos planos. O maior deles: adquirir terras de vizinhos para ampliar o plantio de soja.
- Só lembro do estouro. Um barulhão tremendo, seguido do vidro quebrando - recorda Celira.
O ribombar que ecoa nos ouvidos de Celira foi provocado pelos criminosos ao quebrarem a porta da casa do sítio a pontapés. Vidro, madeira, foi tudo para dentro à base de coices. Sem dar tempo para alguém levantar, o trio ingressou no quarto do casal. Os bandidos estavam com toucas-ninja e, estranhou Celira, "calças com manchas camufladas, como se fossem milicos". Na mão de um deles, uma espingarda de cano curto. Na de outro, uma pistola.
- Cadê o dinheiro, vô? Cadê? - perguntou um dos assaltantes, aos gritos.
Ato contínuo, encostou a pistola no ouvido direito de Celira, que estava no lado direito da cama. Gabriel disse que não tinha dinheiro.
- Só ouvi três estouros e meu amor, que tinha se sentado, deitou de vez na cama. Sangrando. E não levantou mais - relata ela.
Gabriel Passos levou dois tiros na cabeça e um no braço direito. As balas atravessaram o corpo e a parede de madeira da casa. Celira começou a berrar, mas os bandidos não se importaram. Queriam dinheiro.
- Pelo amor de Deus, não me mata, eu sei onde tem dinheiro - gritou a idosa.
Celira levou então os criminosos até o quarto de hóspedes e abriu uma caixinha de madeira dentro de um roupeiro, onde o casal guardava R$ 2 mil. Os bandidos pegaram a quantia, amarraram pés e mãos da idosa com uma corda de nylon e a levaram para o pátio do sítio, onde a prenderam num cipreste. O trio fugiu quando gritos começaram a surgir - era a filha de Celira, Vera Regina, que mora num outro sítio a 200 metros estrada acima, perguntando pela mãe.
Mas Celira não conseguia ouvir nem enxergar nada. Estava cega de pavor. Com a ponta de um dedo, conseguiu remexer nos nós da corda até desamarrar uma ponta e se soltar. Em vez de procurar a filha, correu para o outro lado, em direção à propriedade rural dos vizinhos Valdir e Gelsea Soares Camargo. Foi tão depressa que perdeu um chinelo pelo caminho, tropeçou em pedras, caiu, pulou uma cerca - numa sequência que mal lembra. Foi acudida aos gritos, toda esfolada, sangrando, mas viva. Desde então, ela pernoita na casa da filha. Sem dormir direito. Com pesadelos constantes. À base de calmantes.
O genro de Celira, Fernando Machado Chaves, chamou a Brigada Militar. Veio uma guarnição de Candelária e, duas horas depois, uma equipe da Polícia Civil de Rio Pardo, que nunca tinha pisado no distrito de Capão do Valo. Pudera, o lugar fica a 48 quilômetros do centro do município, por estrada de chão.
O delegado Anderson Faturi, da DP de Rio Pardo, vai ouvir hoje a sobrevivente do assalto, bem como familiares. A ideia é afastar a hipótese de vingança ou emboscada premeditada. Tudo indica que foi mesmo um assalto, mas o policial estranha, sobretudo, um fato. Os criminosos pareciam saber muito bem que o casal tinha dinheiro em casa:
- Tudo indica que alguém das relações do casal estava informado sobre seus hábitos.
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