Marcos Piangers
Zero Hora convidou os integrantes do programa Pretinho Básico, da Rede Atlântida, para contar qual a imagem que eles têm do frio. Pode ser uma lembrança de infância, um filme, um livro, um período de férias. Desde ontem até o próximo domingo, durante a última semana de férias de inverno, eles vão aquecer este espaço com suas impressões. O segundo das série é o Marcos Piangers:
Desafio qualquer pessoa a encontrar alguém que goste de frio. Descobrem o Bin Laden, descobrem a Eliza Samudio, mas não descobrem um vivente que goste de frio. Algum leitor mais desagradável já está discordando, "mas eu gosto de frio". Ok, sem briga. Olha eu discutindo com um leitor imaginário. De qualquer forma: seja real ou imaginário, você não gosta de frio. Você fala isso só pra me irritar.
Eu entendo as mulheres que esperam ansiosas o inverno pra que possam mostrar seus casacos novos para as amigas. Entendo os emos que ficam ali na Redenção aos domingos, vestidos de preto. No verão, o sol faz a maquiagem deles ficar toda borrada. Entendo até os populares que parcelam uma viagem em 15 vezes pra ver a neve em Gramado - aquela nevinha de nada, quase uma geada. Nada como a Europa, aquilo sim que é neve de verdade, uma neve de primeiro mundo que dá gosto de ver.
Mas todos eles (recapitulando: mulheres, emos e populares) não gostam de frio. Porque usam casacos pra se proteger do frio. Odeiam o vento que quebra os lábios maquiados. Criam um constrangedor empurra-empurra na frente da lareira nos hotéis da serra gaúcha. Não há quem goste do frio, há quem goste de brincar de fugir do frio. Mas, enfim, há brincadeiras piores e menos saudáveis, uma vez o meu tio me ensinou.
A difamação ao frio está impregnada no jeito que a gente fala. Quando vemos um vulto no escuro sentimos o quê? Um frio na barriga. Uma notícia ruim causa um frio na espinha. O colega que nunca viu o time ganhar no estádio é pé-frio, a criança longe da surpresa "tá frio, tá frio, tá congelaaaaando". A uma pessoa cruel diz-se que tem o coração gelado. Sair com aquele amigo que sempre pede dinheiro emprestado é "entrar numa fria". A mulher que não quer saber de sexo é frígida. Você pediu aumento, mas levou um balde de água fria do chefe. Ninguém. Eu repito: ninguém-gosta-de-frio.
Mesmo eu, que demonstro aumento salivar considerável quando chega a temporada do chope escuro, mesmo eu que, inimigo do termômetro, tenho mais uma desculpa para sair da cama mais tarde, abriria mão dos minutos a mais de sono e dos miraculosos copinhos negros de 300ml para nunca mais ter de encarar esse frio dos pampas.
Meu leitor imaginário está pensando: "Então vai embora para o deserto!". Pois é. Quem sabe eu ache o Bin Laden lá, mas não acho alguém que goste de frio.