
O futebol brasileiro evoluiu e está mais próximo do nível das grandes ligas europeias. Esta, ao menos, é uma das conclusões do Mundial de Clubes, na avaliação do coordenador-executivo de seleções masculinas da CBF, Rodrigo Caetano.
Em uma entrevista de 25 minutos concedida a Zero Hora em um hotel na Times Square, no coração de Nova York, o gaúcho de Santo Antônio da Patrulha disse acreditar que o mundo, a partir de agora, vai olhar o Campeonato Brasileiro de forma diferente.
Ex-dirigente de Grêmio e Inter, Rodrigo Caetano está desde sexta (4) nos Estados Unidos, ao lado do coordenador-técnico da Seleção Brasileira masculina, o ex-zagueiro Juan Santos e, nesta segunda-feira (7), a comitiva será reforçada pelo técnico Carlo Ancelotti.
O italiano, aliás, segundo o dirigente, elogiou a organização defensiva dos times brasileiros, antes conhecidos mundialmente mais por serem exportadores de talentos ofensivos.
Rodrigo Caetano falou ainda sobre o planejamento da Seleção Brasileira para a Copa do Mundo 2026 e revelou preocupação com a "isonomia esportiva" da competição, sobretudo por conta das peculiaridades climáticas dos Estados Unidos nesta época do ano, como ondas de calor extremo e tempestades.
Confira a entrevista exclusiva de Rodrigo Caetano a Zero Hora:
Qual a avaliação sobre a boa performance dos times brasileiros no Mundial de Clubes?
A avaliação é extremamente positiva. Quando se teve o sorteio, muitos colocavam como uma missão difícil a classificação dos clubes brasileiros para a segunda fase. Com o passar dos jogos, os grandes enfrentamentos e os clubes brasileiros vencendo esses gigantes europeus, viu-se que essa distância não é tão grande.
E eu até te diria que ela é bem pequena. Muitos qualificam isso como diferença na questão da temporada, com o futebol europeu em final de temporada e os brasileiros no meio de uma temporada, mas eu quero pensar além. Eu creio que isso se deveu muito ao fato de algo que sempre se utilizou como discurso dos nossos treinadores brasileiros, de que o Campeonato Brasileiro realmente era um dos mais difíceis do mundo. Eu acho que alguns agora acreditam, né?
O Campeonato Brasileiro diminuiu a distância para as ligas europeias?
O nosso Campeonato Brasileiro é extremamente competitivo. E com o passar dos anos, talvez décadas, os clubes brasileiros se estruturaram melhor. Durante muito tempo fomos exportadores de talentos para esses gigantes da Europa e do mundo, com a melhor condição financeira. E hoje os clubes brasileiros, na minha visão, se estruturaram melhor, tanto na questão da infraestrutura física, como também no seu corpo de trabalho: infraestrutura humana, de profissionais, técnicos, gestores, presidentes também.
E hoje os clubes brasileiros, na minha visão, se estruturaram melhor.
RODRIGO CAETANO
E eu acho que, com boas ferramentas de trabalho para os atletas, têm potencializado os nossos atletas. A verdade é essa: os clubes brasileiros estão num nível muito próximo dos europeus. Só não chegam a estar numa condição igual por conta, realmente, da receita. A receita é muito diferente e, consequentemente, também atrai os melhores jogadores às outras ligas, que não o Brasil. Mas nós temos grandes jogadores com grandes trabalhos. Eu penso que é por aí que conseguimos essa competitividade. E o saldo, independentemente de o Fluminense passar ou não para a final, que eu espero que passe, os clubes brasileiros que representaram o futebol brasileiro aqui estão de parabéns. E tenho certeza de que o mundo vai olhar diferente para o Campeonato Brasileiro, acima de tudo.
O Ancelotti pode, a partir do Mundial de Clubes, observar com mais atenção o Brasileirão nas listas da Seleção Brasileira?
Isso já aconteceria naturalmente. Ele já aceitou esse desafio da Seleção Brasileira pois sabia que temos grandes jogadores, os quais ele sempre teve desejo de comandar. Uns ele já comandou. E desde a sua chegada ele também tem elogiado muito a infraestrutura que nós, da CBF, oferecemos a ele e à sua comissão técnica. Está muito satisfeito, impressionado com o nível de profissionalismo que a CBF hoje dispõe para ele.
Então isso comprova que o que nós falávamos sobre infraestrutura física e de pessoas nos clubes também temos na CBF. E, paralelamente a isso, no próprio contrato do Ancelotti está fixar residência no Brasil. É com essa intenção e com esse desejo da CBF e dele de percorrer o futebol brasileiro, percorrer os estádios junto conosco, de ter uma maior aproximação e integração com os treinadores e com os clubes brasileiros. Isso é fato, isso já aconteceria naturalmente.
O que o técnico Carlo Ancelotti vem comentando sobre o desempenho brasileiro nos Mundiais?
Os jogos que nós temos observado do futebol brasileiro aqui no Super Mundial de Clubes — e que ele também tem observado e falamos constantemente — é claro que traz um olhar um pouco mais atento para o nível de competitividade dos clubes brasileiros, porque aí você começa a comparar o que ele já enfrentou em outras ligas, onde ele foi supercampeão, em relação ao futebol brasileiro. E ele já tinha dito isso antes nos jogos em que nós observamos.
Então, assim, tenho certeza que para ele não é surpresa. E, para comprovar que ele sempre olhou para o futebol brasileiro, nós tivemos um terço, praticamente, da última convocação de jogadores que atuam no futebol brasileiro. Então, nunca foi empecilho e nunca foi algo determinante o atleta jogar numa liga lá fora ou no Brasil. É sim o momento, o nível de destaque, de importância que o jogador tem no seu clube — e vai seguir da mesma forma. Mas eu acho que muito mais para o externo, a mensagem que a gente passou para o mundo é que existe um futebol muito bem praticado, com muita organização, dentro e fora das quatro linhas.
O que mais tem chamado a atenção dele nesse Mundial no que diz respeito a times brasileiros e jogadores brasileiros?
Alguns destaques individuais, que ele conversa seguidamente comigo, com o Juan. Mas eu acho que na forma de competir também. Ele fez comentários em relação ao modelo tático utilizado pelos clubes brasileiros, que muitas das vezes sempre tiveram uma dificuldade grande em defender e estão mostrando aí que conseguem também fazer um jogo bem organizado na parte defensiva.
Mas são comentários, assim, a nível técnico e tático dos clubes que aqui estão. Mas não é uma surpresa absurda, porque ele já tinha essa visão do futebol brasileiro. E, no período que ele teve pré–data Fifa, ele conseguiu ver que o futebol brasileiro tem competitividade, sim.
Acho que um bom exemplo disso citado por ti é o esquema utilizado pelo técnico do Fluminense contra a Inter de Milão. Com três zagueiros, conseguiu neutralizar um time que, em tese, era mais forte. Isso foi algo que chamou a atenção do Ancelotti?
Foi. E de todos. Ele elogiou muito os treinadores das equipes brasileiras. Todos eles. Ele destaca, assim, sempre uma característica muito própria de cada um deles atuar. E a capacidade de defender foi algo também que, por mais que tenhamos exportado muitos craques do sistema defensivo, era muito mais pela individualidade do que propriamente pelo modelo, pela forma de atuar, né?
Tivemos lá, num passado não muito distante, grandes laterais jogando no futebol europeu, grandes zagueiros — assim como o Juan — mas sempre com aquele discurso de que lá eles aprendiam realmente o modelo tático de jogo, né? Eu acho que isso a gente está quebrando com essa competição. Aquela história de que no Brasil se reuniam bons jogadores, mas muitas vezes não de forma organizada.
A forma como o Renato organizou a defesa do Fluminense é um exemplo desta evolução da organização tática defensiva do futebol brasileiro?
E eu acho que o exemplo do Renato, que é o que está chegando mais longe mostra isso. Mas todos os demais: vamos lembrar que o Botafogo, do Renato Paiva, também ganhou do PSG. O grande trabalho também do Abel, no Palmeiras. E o grandíssimo trabalho do Filipe, no Flamengo. Quer dizer, esses clubes brasileiros superaram, em algum momento, os grandes europeus.
Então não pode ser apenas reunir bons jogadores, se não organizar, se não tiver uma ideia de jogo e essa ideia de jogo não for aplicada, isso não se sustenta, principalmente nestes confrontos. Isso está muito claro para o Ancelotti, e eu acho que para todos nós.
Qual o objetivo da viagem sua, do Juan e do Ancelotti para o Mundial de Clubes?
Bom, de tudo um pouco. A gente vem observar atletas, observar adversários na próxima Copa do Mundo e também representar aqui a parte das seleções masculinas da CBF, que é importante neste tipo de evento. Porque esse é um evento de um Super Mundial de Clubes, mas que a Fifa pretende ou pretenderia replicar nas seleções, no Mundial de Seleções, porém agora com algumas peculiaridades e algumas questões a serem debatidas.
Quais são essas questões que é importante que sejam debatidas?
A questão do horário dos jogos. A questão até mesmo da irrigação do campo em alguns estádios, porque eles não são estádios de futebol, né? Eles são adaptados ao “soccer”, ao futebol. A Copa do Mundo no ano que vem...Eela vai ser somente para atender o público que não está presente? Só para atender à TV? Ou aquele que está presente? É o próprio jogo, a própria competição.
Porque quem sofre num jogo de meio-dia aqui, como foi PSG e Bayern de Munique... Se não fosse num estádio até certo ponto climatizado, era praticamente impossível. Então são esses detalhes todos que a gente vem observar até para participar de um futuro debate para ver se a gente melhora e prioriza a questão do jogo, o melhor jogo possível e a preservação dos atletas. Porque, realmente, o calor é muito intenso. Há as questões de alerta de tempestades ali na região da Flórida. E, então, a Fifa tem que considerar isso – que nós estamos num país extremamente horizontal e que vai de leste a oeste, modifica demais tudo. Então, acho que a gente vem para fazer essas análises, diminuir talvez o impacto lá, quando escolhermos o nosso basecamp da CBF e, posteriormente, da Copa do Mundo.
Há as questões de alerta de tempestades ali na região da Flórida. E, então, a Fifa tem que considerar isso.
RODRIGO CAETANO
O sorteio ainda não saiu. Dentro do que é possível, a CBF já trabalha com alguma hipótese e tem alguma preferência sobre onde a Seleção vai ficar concentrada?
Primeiro que isso vai depender da confirmação. Ela vai depender muito do sorteio, totalmente do sorteio, que nós vamos ter lá em dezembro. Porém, o que a gente podia fazer, a gente já vem fazendo, que é percorrer os campos sugeridos pela Fifa.
A gente está dividindo, no nosso planejamento, o Canadá, os Estados Unidos e o México praticamente em três áreas: oeste, leste e centro para que esses impactos sejam reduzidos. Nossa ideia, lá em junho do ano que vem, é estarmos já nos Estados Unidos fazendo essa aclimatação num local que nos proporcione a melhor condição climática de hotelaria e de centro de treinamento para preparação para a Copa do Mundo.
Um ponto que tem chamado a atenção neste Mundial de Clubes é o protocolo climático dos Estados Unidos. Vocês já têm alguma informação sobre se vai ser seguido na Copa do Mundo? E algum posicionamento sobre se ele deve ou não ser seguido?
Este não é um posicionamento da Fifa. A entidade não controla isso. Isso é da cidade, do estado é algo que a Fifa não tem como controlar. O que ela pode controlar, talvez, é rever os horários desses jogos, isso sim. E rever também os estádios onde esse tipo de situação climática ocorra menos. Na nossa preparação para a Copa América, quando ficamos em Orlando, nós muitas vezes tivemos que readaptar o horário do nosso treinamento por conta disso. Então era ou antes ou depois da chuva. Isso aconteceu muito, no ano passado, neste período inclusive.
Lá em Orlando mesmo, não é permitida a filmagem dos treinamentos através de drone, porque o drone não é algo autorizado por conta dos parques. Modifica muito de um lugar para o outro.
O que pode ser feito para amenizar estes impactos?
A Fifa certamente vai reavaliar tudo isso, porque vai ter que, em algum momento, tentar padronizar o máximo possível, sem essas interferências da cidade. Porque são legislações próprias das cidades, tanto na questão climática como na questão de segurança também. E isso a Fifa vai ter que debater para minimamente as seleções que aqui estiverem tenham igualdade e isonomia esportiva. Porque isso, sem dúvida alguma. Imagine em um jogo de Copa do Mundo de seleções: você ter que esperar duas horas e aquecer três ou quatro vezes os atletas. Você tem impacto no resultado de campo. Então, tenho certeza de que eles vão ter o bom senso para achar um mínimo de padrão para a competição do ano que vem.