
Praticamente sete meses do ano se passaram e após a explosão de grandes clubes se transformando em SAF, o movimento não ganhou nenhum novo adepto da Primeira Divisão em 2025. A situação pode transparecer um desaquecimento do mercado, mas ele segue ativo, inclusive com camisas tradicionais, embora longes dos holofotes, aderindo ao regime fiscal de uma Sociedade Anônima do Futebol.
Em junho, o Juventus, da Mooca, fez a migração de clube associativo para SAF. A gestora REAG Capital Holding estima investimentos na casa de R$ 500 milhões. Além de reformar na histórica Rua Javari, o estádio do clube, planeja-se o retorno ao Brasileirão em 10 anos.
Também em São Paulo, o consórcio formado pela Tauá Partners, Revee e pela XP Investimentos adquiriu 80% das ações da Portuguesa e injetará mais de R$ 1 bilhão nos próximos anos.
Possibilidades
Na elite as transformações estagnaram. Após Atlético-MG, Botafogo, Cruzeiro, Bahia, Vasco e Fortaleza se transformarem em SAFs, com modelos diferentes (ler mais abaixo), os demais clubes adotaram cautela sobre o tema. A maioria analisa possibilidades ou busca investidores no mercado.
— O mercado está aquecido. Na verdade, nunca parou. O que ocorre é que estamos sempre mais atentos aos clubes mais conhecidos, e para eles houve um início mais forte. Depois, não tivemos mais movimentos envolvendo clubes grandes. Entretanto, nas divisões menores e nos campeonatos estaduais há muitos clubes se transformando em SAF, com projetos de crescimento e objetivo de chegar à Série A em alguns anos. São clubes de menor visibilidade, mas mais baratos — avalia Cesar Grafietti, consultor de gestão e finanças do esporte na empresa Convocados.
Grêmio e Inter estudam modelos a serem implementados. Enquanto o Tricolor se afasta da transformação, o Colorado espera ter uma ideia mais clara do que pode ser feito até o fim do ano.
O mercado está aquecido. Na verdade, nunca parou. há muitos clubes se transformando em SAF, com projetos de crescimento e objetivo de chegar à Série A em alguns anos.
Saúde financeira e a dupla Gre-Nal
A avaliação é de que clubes com uma saúde financeira periclitante viram a transformação em SAF como uma salvação. São equipes com alto índice de endividamento e sem perspectiva de se tornarem sustentáveis a médio prazo. Tanto Inter quanto Grêmio classificam suas dívidas como administráveis.
— Nós temos que achar mecanismos para manter o Inter disputando num mercado que é inflacionado. Os preços nos últimos dois ou três anos dispararam. Temos a obrigação de manter o Inter competitivo. A gente, em algum momento, vai ser mais comedido no investimento. Vamos acreditar e apostar mais no trabalho que está sendo feito nas categorias de base, no trabalho da nossa comissão técnica e acreditar que vai dar resultado — explica o vice-presidente colorado Dalton Schmitt Jr.
Nós temos que achar mecanismos para manter o Inter disputando num mercado que é inflacionado
A opinião é corroborada no lado gremista.
— As SAF criaram uma inflação no mercado de atletas e isso é o maior impacto no curto prazo, porque os clubes que acionaram essa possibilidade de investimento, eles estão com uma capacidade de montar os seus elencos maiores que os clubes que não migraram para esse modelo, com exceção de Flamengo e Palmeiras — opina Fábio Floriani, um dos vice-presidentes do Conselho de Administração.
As SAF criaram uma inflação no mercado de atletas e isso é o maior impacto no curto prazo.
A principal exceção do perfil "desesperado" foi o Bahia. Porém, o clube de Salvador encontrou no Grupo City um parceiro estratégico para acelerar o crescimento.
Mercado mais maduro
Os resultados esportivos discrepantes também colaboram para o ceticismo das grandes marcas do futebol brasileiro. Se no topo há o caso do sucesso do Botafogo, campeão brasileiro e da Libertadores, na parte de baixo apresenta-se a situação do Vasco, sem vitórias contundentes em campo e com seu ex-parceiro, a 777, que faliu. Como consequência, o clube associativo voltou a administrar a SAF.

Do ponto de vista dos investidores, também existe um compasso de espera. A situação vascaína trouxe uma insegurança jurídica. A divisão dos clubes em duas ligas nas negociações dos direitos de transmissão e um mercado inflacionado também influencia no arrefecimento de interessados. Espera-se a criação de uma nova janela de oportunidades.
Até aqui, somente uma das SAFs que já disputaram o Brasileirão gerou lucro. Foi o Cuiabá, rebaixado no ano passado. Existe uma peculiaridade neste caso. O Dourado nasceu como clube empresa, o que facilitou a migração para uma sociedade anônima.
Grupo de trabalho
O mercado está inflacionado e sem regulamentação. CBF, clubes e federações criaram um grupo de trabalho para a implementação do fair play financeiro no país. Apesar do cenário, Grafietti vê o mercado mais maturado.
— Está mais maduro, mas não consolidado. Os torcedores estão quebrando a rejeição às SAFs à medida em que as gestões associativas não entregam um pacote completo, com responsabilidade financeira e desempenho esportivo. E muitos clubes associativos começam a enxergar na SAF a possibilidade de dar um salto de qualidade, porque o crescimento começa a ficar mais lento, e outros clubes mais bem estruturados estão criando uma distância inalcançável se nada mudar. Acredito que nos próximos 18 meses teremos novas movimentações envolvendo clubes de maior apelo de torcida, seja por pressão dos torcedores, seja por pressão interna — projeta Grafietti.
Está mais maduro, mas não consolidado. Muitos clubes associativos começam a enxergar na SAF a possibilidade de dar um salto de qualidade
Principais modelos de SAFs
SAF com controle do investidor
O investidor fica com o maior percentual da gestão do departamento de futebol. Em geral, são percentuais entre 70% e 90%. É possível que neste modelo a associação fique com presença no conselho de administração, até com possibilidade de veto em algumas decisões.
SAF com controle minoritário do investidor
Neste modelo, o investidor injeta um valor para dar maior fôlego financeiro para o clube, mas não tem o comando sobre o futebol. Este é o molde da SAF do Fortaleza. Os cearenses ainda não angariaram parceiros.

SAF com compra de créditos
Clubes endividados podem optar por essa modalidade. O investidor entra com um baixo investimento inicial e fica responsável pelo pagamento de dívidas da associação.
SAF como capital aberto
Sistema ainda não utilizado no Brasil, mas com adeptos na Europa. Neste modelo, a SAF coloca ações na bolsa de valores, com torcedores e investidores podendo comprá-las. Assim, a associação recebe injeção de dinheiro sem necessariamente perder o controle do futebol. O valor das ações varia conforme o humor do mercado financeiro e o sucesso da operação dentro e fora de campo.
Múltiplos investidores
Comum em equipes das ligas americanas e de menor porte na Europa, ocorre quando um grupo de investidores adquire um clube. Nenhum deles precisa comprar a totalidade disponibilizada pela associação para a sua SAF. Em alguns casos, são ex-credores que convertem sua dívida em participação na SAF.
A situação dos clubes do Brasileirão
Atlético-MG
Foi adquirido por quatro empresários atleticanos. Eles são donos agora de 75% da SAF. O quarteto propôs investir R$ 600 milhões, além de amortizar 100% dos empréstimos realizados pela família Menin e por Ricardo Guimarães, no total de R$ 313 milhões.

Bahia
Faz parte do Grupo City, que conta com diversos clubes espalhados pelo mundo, entre eles o Manchester City. Os árabes assinaram contrato em 2023 para investir R$ 1 bilhão no Bahia nos próximos anos.
Botafogo
Em janeiro de 2022, o empresário John Textor desembolsou cerca de R$ 400 milhões. Ao longo do período, ele investiu em torno de R$ 1 bi no departamento de futebol do clube.
Bragantino
O clube paulista é uma empresa, mas não uma SAF. A Red Bull administra o Bragantino como uma sociedade limitada, que responde a um outro regime tributário.
Ceará
O clube ainda debate o tema internamente. Este ano, sondagens de bancos de investimento da Europa e da Arábia Saudita chegaram ao clube, mas nada perto de ser oficial.
Corinthians
Ex-dono do Cruzeiro, Ronaldo Nazário está de olho para virar o proprietário da SAF corintiana. Porém, não há ainda um movimento organizado para o clube se transformar em uma Sociedade Anônima.
Cruzeiro
Primeiro dos clubes grandes a virar SAF. No fim de 2021, o ex-atacante Ronaldo adquiriu 90% do departamento de futebol por R$ 50 milhões, mais R$ 350 milhões em investimentos. No ano passado, o ex-jogador repassou o negócio ao empresário Pedro Lourenço por R$ 600 milhões, com R$ 100 milhões abatidos em investimentos prévios, R$ 150 milhões no ato da compra e outros R$ 350 milhões pagos nos próximos 10 anos.

Flamengo
Não tem movimentações para se transformar em SAF. Pesquisa encomendada pelo ge junto ao instituto AtlasIntle apontou que 64% da torcida é contra uma possível transformação do clube em empresa. Ex-presidente rubro-negro, Rodolfo Landim acredita que o valor de mercado do Flamengo seja na casa de 1 bilhão de dólares (R$ 5,5 bilhões). O ex-dirigente se envolveu em negociações para adquirir a SAF do Olaria e do Confiança-SE.
Fluminense
O clube espera a formalização de uma proposta para a sua aquisição. O BTG trabalha em conjunto para a busca de parceiros. O jornal O Globo divulgou que o banco avançou na capitação de recursos. A estimativa inicial é que o valuation do Fluminense seja de R$ 850 milhões.

Fortaleza
Virou SAF em setembro de 2023. O clube busca investidores. A ideia é vender fatias do clube, com a parte associativa se mantendo como a sócia majoritária.
Grêmio
Estuda o tema com uma comissão específica no Conselho Deliberativo. Dos quatro candidatos na disputa pela presidência, apenas um se mostra favorável à transformação.
Inter
O clube estuda caminhos para a transformação. Quer contratar uma consultoria externa que lhe proponha caminhos para definir o formato do trabalho a ser feito até o fim do ano.
Juventude
Em maio, a Five Eleven Capital ofereceu R$ 400 milhões para o administrar o futebol do Juventude por 10 anos. O clube não está disposto a firmar um acordo vitalício.

Mirassol
Mantém-se como um clube associativo, presidido por Edson Antonio Ermenegildo, também prefeito de Mirassol.
Palmeiras
Ao menos enquanto Leila Pereira for presidente do clube, o Palmeiras não se transformará em SAF. Estudo realizado pela plataforma Sports Value, aponta que o valor de mercado palmeirense seja na casa dos R$ 4 bilhões.
Santos
Busca investidores para a SAF. A ideia do clube é se profissionalizar por completo e dentro do escopo a transformação em Sociedade Anônima seria uma consequência.

São Paulo
O presidente Julio Casares admite que é uma tendência que o clube adote algum tipo de modelo de SAF. A intenção é de que o clube seja um player mundial até 2030, quando o clube comemora o seu centenário.
Sport
Clube se reestrutura para virar SAF. Em maio, a direção enviou convite para empresas realizarem estudo inicial de estruturação financeira.
Vasco
É um caso emblemático. Comprado em 2022 pela empresa 777, o Vasco voltou a ser dono de sua SAF, após a quebra antiga proprietária. O clube analisa no mercado investidores.

Vitória
Busca investidores no mercado. O Qatar Sports Investments, dono do PSG, chegou a mostrar interesse, negado pela direção do clube.






