
Bethânia, 6 anos, tem sobre si dois pares de olhos bem treinados para observar suas aventuras infantis. Ela também pode contar para os colegas de aula ser fruto de uma história incomum no tênis, esporte longe de suas preferências.
Seus pais, a gaúcha Paula Vieira Souza e o baiano Fábio Souza, formam o único casal de árbitros da elite do tênis mundial.
Gold badge
O esporte da bolinha amarela sempre foi pródigo em formar casais entre suas estrelas. Jimmy Connors e Chris Evert, Andre Agassi e Steffi Graf, Lleyton Hewitt e Kim Clijsters, e, em tempos contemporâneos, Elina Svitolina e Gael Monfils, e Paula Badosa e Stefanos Tsitsipas. Escolha o seu casal favorito. Quando o assunto é a arbitragem de alto nível, o quadro é outro.
Há, em partes, uma questão de probabilidade. O universo dos árbitros gold badge, o mais elevado patamar de um juiz de cadeira, é restrito. São 21 homens e 14 mulheres, Paula é a única das Américas; Fábio, o único brasileiro.
Rotina alterada
Na semana passada, os dois voltaram a arbitrar em um mesmo torneio, no Challenger de Porto Alegre, disputado no Leopoldina Juvenil. A relação deles com a profissão se modificou após a chegada de Bethânia. A rotina de viajar o mundo mudou. Os períodos fora de casa, agora, são intercalados. Quando um está no alto de uma cadeira com olhos de águia para ver o quique da bolinha, o outro está em Porto Alegre, de olho em Bethânia.
— É mais fácil ficar de olho na Bethânia — confessa Paula.

Saudade
Bethânia foi constante companheira de viagem dos seus dois meses até os três anos de idade. Em algumas oportunidades, a mãe de Paula embarcou junto para ajudar nos afazeres com a neta. A vida no circuito não a agradou muito. O tênis virou uma espécie de vilão para ela.
— Ela já cansou de avião. Ela diz: “Mãe, não quero viajar”. Por causa da escola, ela já viaja bem menos. Às vezes eu quero assistir a um jogo que o Fábio está na televisão, e a Bethânia não quer assistir. Ela sente saudade dele ao vê-lo na televisão, ver que ele não está aqui, que está longe dela — conta.
Indian Wells e Miami
Tem épocas do ano em que a vida em família acontece por períodos curtos, como no começo de 2025. Fábio arbitrou em Indian Wells e voltou para Porto Alegre. Na sequência, foi a vez de Paula sentar nas cadeiras das quadras de Miami.
Às vezes eu quero assistir a um jogo que o Fábio está na televisão, e a Bethânia não quer assistir. Ela sente saudade dele ao vê-lo na televisão.
Entre pousos e decolagens, passaram, juntos, dois dias em casa. No ínterim de uma chegada e uma partida, celebraram os seis anos de Bethânia.
— A Paula viaja, fica três semanas, aí ela volta, poucos dias depois eu viajo e fico três, quatro semanas fora e assim vai, o ano todo — explica Fábio.
As últimas semanas com os três reunidos foram como o título de um Grand Slam para Bethânia. Logo o "vilão" tênis ressurgirá. Paula está escalada para trabalhar em Roland Garros, com início da chave principal em 25 de maio.
A rotina de um árbitro

A vida no circuito do tênis é a de um viajante do mundo. Jogadores, técnicos, árbitros e outros profissionais singram pelos cinco continentes — o calendário da atual temporada conta com torneios em 31 países diferentes.
Como há semanas com competições simultâneas em diferentes cidades, um juiz de cadeira não passa por todos os locais onde há competições. Não é um impeditivo para um cotidiano de avião, aeroporto, hotel, quadra, avião em looping.
A Paula viaja, fica três semanas, aí ela volta, poucos dias depois eu viajo e fico três, quatro semanas fora e assim vai, o ano todo.
Parceria contínua
Esta era a vida de Paula e Fábio pré-Bethânia. O casal viajava junto por 30 semanas por ano. Os dois arbitravam os mesmos torneios. Passavam o dia todo juntos. Durante a pandemia, a novidade de passar 24 horas por dia sob o mesmo teto vivida por muitos casais era a continuação da vida para eles.
— Tivemos muitos amigos que se separaram, porque não aguentavam mais estar junto com outro, dedicando o dia todo. Para a gente era normal isso — relata Paula.

Relacionamento demorou nove anos
As cadeiras de arbitragem de Paula e Fábio se cruzaram em 2000. Naquele ano, após longo período ausente do calendário da ATP, o Brasil voltou a ter um torneio de grande porte. Uma grande estrutura foi montada na Costa do Sauípe para receber os principais nomes do tênis e um batalhão de profissionais que ganham a vida com a modalidade. Entre eles Paula e Fábio.
Logo aos 16 anos, pendurou a raquete. A gaúcha via o seu futuro profissional no tênis, mas não como atleta. Iniciou a fazer cursos de arbitragem. No começo do século, ela era uma jovem em seus primeiros passos como árbitra.

Para Fábio, a bolinha demorou mais tempo para quicar. O baiano jogou tênis e cursou faculdade nos Estados Unidos. Foi no torneio em sua terra que entendeu o seu caminho no esporte. Mas ainda não no amor. Eles viraram um casal apenas em 2009, após Fábio terminar um relacionamento.
— A gente viajava junto, trabalhávamos junto, mas nunca teve nenhuma iniciativa de nenhum lado, porque não tinha mesmo — relembra Paula.
Amor
No tênis, juízes de cadeira falam em amor o tempo todo enquanto arbitram. Ao término de cada ponto, informam aos jogadores e ao público a pontuação do game em inglês e na língua local do torneio.
Na língua de Pete Sampras e Andre Agassi, a pontuação zero é chamada "love"* (amor em inglês). Quando o game está 15/0, por exemplo, cantam "fifteen-love".
Não há uma explicação oficial para a contagem de zero ponto ser chamada de love. A versão mais aceita remete aos primórdios da modalidade. Na França, a pontuação era cantada "l'oeuf " (o ovo) pelo formato do numeral, cuja pronúncia se aproxima muito à de love. Na importação do esporte para a Inglaterra, l'oeuf virou love.
Para Paula, Fábio e Bethânia, o amor não está apenas na contagem de pontos.