
A moeda do Brasil era o Cruzeiro. O presidente era Emílio Garrastazu Médici, no auge da Ditadura Militar. Emerson Fittipaldi sagrava-se bicampeão mundial.
Assim era o país quando Zeca Xaud assumiu o comando da Federação Roraimense de Futebol (FRF), em 1974. Há 51 anos no poder, o dirigente verá neste domingo (25) o filho Samir, 41 anos, tomar posse como presidente da CBF.
Se não fosse assumir a entidade máxima do futebol brasileiro, o Xaud mais novo, que também é suplente de deputado federal, substituiria o pai a partir de 2026 na federação local, onde atuava nos últimos anos com o cargo de "gestor", como se apresentava nas entrevistas para a imprensa roraimense.
— Desde que Samir Xaud assumiu como gestor, em 2023, o nosso futebol viveu os melhores anos, tanto em resultados expressivos quanto financeiros — elogia o jornalista Waldemir Brenttes, da Rádio Roraima.
A família Xaud, porém, não é a única com poder no futebol brasileiro. Conforme levantamento de Zero Hora, das 27 federações estaduais, 13 estão há mais de 10 anos no comando ou da mesma pessoa ou do mesmo grupo familiar.
Controvérsias
Em Rondônia, por exemplo, o presidente Heitor Costa está há 36 anos no comando. Sem poder se reeleger para mais um mandato, em função da lei do Profut, sancionada em 2016, o mandatário lançou em 2023 a candidatura do seu vice-presidente, Alexandre Casagrande, que foi eleito por aclamação, ainda que seu mandato entre em vigor apenas em 2026.
O pleito foi marcado por controvérsias e por uma denúncia do clube Real Ariquemes, do interior rondoniense, que foi à Justiça pedir a suspensão da eleição.
— Ele antecipou a eleição do dia para a noite e divulgou o edital em uma mídia impressa de zero alcance para que não houvesse candidatos de oposição. Ele fez tudo isso, no jargão popular, "na calada da noite", para que houvesse apenas uma chapa, apoiada por ele. Não tendo tempo hábil para outra chapa concorrer, virou quase uma eleição secreta — relata o jornalista Sandeimar Medeiros, da Rádio Capital FM, de Porto Velho-RO.
Procurado por Zero Hora, o presidente Heitor Costa disse que o pleito que elegeu Casagrande teve sua legalidade reconhecida pela Justiça.
— As acusações foram consideradas infundadas. As alegações sobre a eleição da futura diretoria foram todas analisadas pela Justiça e julgadas totalmente improcedentes — afirmou o dirigente.
Poder do voto das ligas
Outra situação que se repete em vários Estados é a disputa pelos votos das ligas amadoras municipais, que costumam ter papel mais decisivo nas eleições do que os clubes profissionais.
Afinal, o estatuto de quase todas as entidades exige um apoio mínimo dessas ligas para que uma chapa seja homologada.
— Se todas as ligas votarem, os clubes têm menos votos do que as ligas. Aqui em Belém, essas ligas sempre serviram só para votar. Na última eleição, tinha liga com CNPJ inativo que estava apta a votar — denuncia o ex-presidente do Paysandu, Luiz Omar Pinheiro.
Se todas as ligas votarem, os clubes têm menos votos do que as ligas
LUIZ OMAR PINHEIRO
Ex-presidente do Paysandu
No Tocantins, o ex-senador Leomar Quintaniha preside a entidade local desde 1992. Em 2015, na primeira edição da série de reportagens "Coronéis do Futebol", da Rádio Gaúcha, o ex-diretor de futebol do Interporto, da cidade de Porto Nacional, no interior tocantinense, Léo Almeida, relatou a dificuldade de se lançar uma chapa de oposição ao mandatário.
— A última eleição foi antecipada e nós ficamos sabendo do pleito em uma segunda-feira quando a eleição ocorreria na terça. Não fomos avisados e fomos pegos de surpresa. Fizeram as eleições às escondidas e isso nos privou de lançar o nosso nome — contou à época.
aDez anos depois, Léo Almeida afirma que Quintanilha permanece firme no poder. Sobretudo com o apoio do voto dos clubes e ligas amadoras.
— Na maioria das vezes, ninguém concorre, ninguém faz oposição ao atual presidente. Várias pessoas manifestaram essa intenção, mas, na hora de registrar a chapa, elas desistem. E o futebol amador continua tendo um papel principal, principalmente as ligas. Como votam oito times da primeira divisão e muitos times da segunda divisão não votam, pois vários às vezes não disputam o campeonato, o futebol amador acaba tendo mais votos do que os times profissionais. Por isso, o futebol amador predomina na eleição — relata.
De pai para filho
Porém, nomes como Zeca Xaud, Heitor Costa e Leomar Quintanilha, que se reelegem há décadas em suas entidades sem enfrentar qualquer oposição, tendem, aos poucos, a sair do cenário político do futebol brasileiro por conta da mudança na legislação. Ainda assim, isso não significa que a perpetuação no poder está com os dias contados.
Em Alagoas, no Amapá e no Paraná, por exemplo, o poder é passado de pai para filho. Gustavo Feijó presidiu a Federação Alagoana de Futebol (FAF) de 2008 a 2015, quando deixou o cargo para assumir como vice de Marco Polo del Nero na CBF.
Na ocasião, o dirigente entregou o comando da entidade local para o filho Filipe Feijó, então com 24 anos, que, está no poder até hoje e, em 2022, foi reeleito por aclamação para mais um mandato, válido até 2027, quando a família Feijó completará 19 anos de poder.
No Paraná, após presidir a federação local por 16 anos, Hélio Cury apoiou em 2023 a candidatura do filho Hélio Cury Filho. À época, o ex-jogador do Coritiba, Ribamar José Dênis, tentou lançar uma candidatura de oposição, mas não conseguiu apoios suficientes para a sua chapa ser homologada.
— Para você ser candidato, eles colocam muitos empecilhos. Eles te obrigam a ter um número específico de clubes que te apoiam. E era muito difícil conseguir o voto dos clubes e ligas amadoras. Os amadores votam muito aqui. Clubes profissionais e amadores têm o mesmo voto, mas há mais ligas e clubes amadores do que profissionais. Então, não consegui — lamenta Ribamar.
Já no Amapá, após presidir a federação local por 21 anos, o ex-prefeito de Macapá e ex-deputado federal Roberto Góes licenciou-se do cargo em 2023 para assumir uma cadeira de deputado estadual e passou o comando da Federação Amapaense de Futebol (FAF) para o seu filho, Netto Góes, que já era vice-presidente da entidade.
Na Federação Mineira de Futebol (FMF), por sua vez, a mesma família se reveza no poder há quase 60 anos. O atual presidente Adriano Aro, assumiu o cargo em junho de 2018, tendo como vice o seu irmão, o ex-deputado federal Marcelo Aro, atual secretário-chefe da Casa Civil no governo de Romeu Zema em Minas Gerais.
Adriano e Aro são netos de José Guilherme, que presidiu a entidade entre 1966 e 1987, e sobrinhos de Elmer Guilherme, presidente entre 1987 e 2001, quando foi afastado por denúncias de irregularidades. Já entre 2001 e 2018, a federação foi comandada por aliados da família Aro, como o ex-deputado estadual Paulo Schetino e o atual senador Castellar Neto.
Perpetuação no poder
A perpetuação ocorre por, pelo menos, uma década em mais entidades. Rubens Lopes está na presidência da Federação do Estado do Rio de Janeiro desde 2007. José Vanildo, por sua vez, comanda a Federação Norte-Riograndense desde 2008. Mauro Carmélio é o mandatário da Federação Cearense de Futebol desde 2009. Já a Federação Pernambucana está nas mãos de Evandro Carvalho desde 2011. A Federação Paulista, por sua vez, é comandada desde 2015 por Reinaldo Carneiro Bastos.
Nas demais entidades, ainda que não haja uma mesma pessoa ou uma mesma família no comando por muito tempo, o poder normalmente recai a um aliado de quem está na presidência, sem oposição.
No Rio Grande do Sul, por exemplo, o Luciano Hocsman foi aclamado presidente em 2020, apoiado pelo antecessor, Francisco Noveletto. A mesma situação ocorreu nas federações de Sergipe, Santa Catarina, Distrito Federal, Mato Grosso, Piauí, Paraíba, Bahia, Goiás, Amazonas e Acre.
Os únicos Estados onde os últimos mandatos foram decididos em uma eleição com uma chapa de situação e pelo menos uma candidatura de oposição foram Mato Grosso do Sul e Pará, ambas marcadas por disputas judiciais.