
A pandemia do coronavírus põe em risco uma das rotinas mais tradicionais do futebol brasileiro: a reclusão de atletas em hotéis na véspera dos jogos. Buscando formas de poupar dinheiro, a dupla Gre-Nal vê no fim da concentração antes dos jogos em Porto Alegre uma hipótese de economia assim que a bola voltar a rolar. Ao mesmo tempo que pode ser um voto de confiança nos atletas (grande parte preferiria ficar em casa com as famílias), não deixa de ser uma boa notícia aos jogadores em época de cortes salariais.
A medida foi comentada abertamente pelo vice de futebol do Inter, Alessandro Barcellos. Ele afirmou que, quando as competições forem retomadas, o clube não deve exigir que os atletas se apresentem no dia anterior, como era de costume, para as partidas no Beira-Rio. Com isso, a equipe economizaria parte dos valores relativos à hospedagem e à alimentação de mais de 40 pessoas, incluindo jogadores, membros da comissão técnica e seguranças.
— Estamos trabalhando para reduzir custos em todos os detalhes. Um deles é a questão da concentração. Mas sempre entendendo que a principal atividade que não pode ser prejudicada é o futebol — destaca Barcellos.
Ainda que essa providência precise ser discutida com o técnico Eduardo Coudet, a direção colorada entende que não haverá prejuízo técnico, pois confia no profissionalismo do grupo em relação a cuidados com a alimentação e com o sono.
Além do mais, a medida só valeria para os jogos em Porto Alegre. Nas partidas fora de casa, a delegação seguiria viajando com antecedência de um a dois dias dependendo do local. Até mesmo por isso, o pouco tempo de intervalo entre os confrontos poderá ser usado como justificativa para que os atletas passem mais tempo em casa.
— O calendário apertado possibilita que a gente faça isso. Praticamente o jogador não vai ter períodos na sua casa. Isso é um dos elementos que contribui para que a gente revise a questão da concentração — ressalta o vice de futebol do Inter.
O fim do regime de concentração não seria novidade no clube. Em 2014, quando o Beira-Rio estava em obras, o técnico Abel Braga sugeriu que os atletas se apresentassem apenas no dia dos jogos, pela manhã, no CT Parque Gigante. Ainda antes do fim do ano, porém, a medida foi revogada.
Do lado gremista, a única definição atual é que, quando os treinamentos forem retomados, o clube não fará temporada com regime de concentração. A ideia, de acordo com o presidente Romildo Bolzan, é que os atletas façam as atividades do CT Luiz Carvalho e retornem para suas casas:
— Como o hotel em que costumamos concentrar fechou por tempo indeterminado por conta do coronavírus, nem teríamos essa possibilidade. Nossa ideia é que os jogadores sigam do CT para casa e de casa para o CT.
O dirigente tricolor disse que essa possibilidade de abolir a concentração antes dos jogos ainda não foi discutida com a comissão técnica e com o grupo de jogadores e, por isso, considera prematuro abordar o tema. Contudo, mostrou-se favorável à medida.
— Eu, particularmente, acho a ideia de dispensa de concentração extremamente simpática. Mas isso não depende apenas de mim. Ainda vamos discutir. Não descarto avançar nessa condição posteriormente. É uma avaliação técnica, além de financeira, que precisa ser feita — explica Bolzan.
Começo do fim
Quem já vivenciou essa discussão tanto como atleta quanto na condição de treinador foi Bolívar, ex-jogador de Inter e Grêmio. Ele recorda que, enquanto jogador, não teve concentração nas épocas em que atuou no Monaco, que disputa o Campeonato Francês. E também no Botafogo, em 2013. Mas, neste caso, foi uma reação diante dos atrasos de salários:
— Pode dar certo, mas depende muito do elenco. Não adianta uma parte apenas ser responsável. É preciso ter essa consciência, de que mesmo com filhos em casa, sem o regime de concentração no hotel. Deve-se manter uma alimentação parecida, ter um sono bom, senão o rendimento cai.
Essa medida seria mais uma para conter a crise financeira pela qual os clubes estão passando em razão da pandemia do coronavírus. Antes disso, as equipes estudaram a renegociação de salários e prorrogação de pagamentos, além de economias operacionais. Bolívar entende que, mais do que apenas financeiramente, essa pausa forçada poderá mudar algumas culturas do futebol brasileiro, e as concentrações seriam uma delas.
— Isso é uma tendência. Pode começar pela questão do dinheiro, mas daqui a pouco será abolida por outros motivos. Os jogadores, hoje, são mais profissionais. É difícil, por exemplo, sair na véspera de um jogo, porque todo mundo te conhece, tem as redes sociais. O jogador sabe que precisa manter a concentração, senão corre o risco de se queimar — destaca.
Como é hoje
- Jogadores se apresentam na véspera do jogo. Fazem uma refeição à noite e dormem. O almoço costuma ser feito perto do meio-dia. Se o jogo for no fim de tarde ou à noite, além do almoço, são servidos lanches até três horas antes do duelo.
Como ficaria
- A ideia é que, nos jogos realizados à tarde, os atletas se apresentem na concentração no início do dia, para o café da manhã. Quando às partidas ocorrerem à noite ou no fim da tarde, os jogadores chegarão na hora do almoço.