
Roger Machado é um gaúcho que os jornais de 1975, ano que nasceu, não colocavam em suas páginas, que os livros não costumam exaltar. Ele não é do cavalo, do campo, da bombacha e do lenço. É um Rio Grande que ficou escondido por anos e anos. E que ele mesmo, Roger Machado, tem ajudado a resgatar. A colocar o preto no meio de uma bandeira vermelha, amarela e verde.
Nascido em Porto Alegre, criado entre Mont'Serrat e Auxiliadora, o técnico do Inter foi criado em uma família que valorizava a ancestralidade. Por óbvio acompanhava a dupla Gre-Nal quando criança, mas gostava mesmo era de ouvir sobre a Liga da Canela Preta.
O campeonato não oficial permitia jogadores excluídos, em sua maioria pela cor da pele, e ganhou esse apelido como uma forma pejorativa de citá-los. Ela reunia os melhores jogadores da época, as primeiras décadas do século passado, mesmo que poucos brancos admitam.
Roger ouviu todas as histórias atentamente. E fez questão de passá-las adiante. Como em quase toda a História, foi assim que os negros conseguiram manter sua cultura viva. Sem a força política e econômica dos brancos para eternizar tudo em livros, estátuas e demais construções perenes, restava, mesmo, era a oralidade.
Dando voz
Quando teve dinheiro, Roger fez questão de usar o jeito certo. Ele financiou 12 livros do selo Diálogos da Diáspora, por meio de seu projeto social Canela Preta. A explicação foi "dar voz a quem não tem". Segundo ele, menos de 10% dos livros publicados no Brasil são escritos por essas minorias, e o treinador precisava agir.
— O mercado não abre espaço para autores negros consagrados, imagina para jovens. Pensamos em um projeto em que os livros fossem distribuídos e atingissem o público a custo baixo — contou Roger ao Observatório da Discriminação Racial no Futebol.
Ao Player's Tribune, o treinador revelou uma obra especial. “Territórios Negros em Porto Alegre”, de Daniele Machado Vieira. O livro apresenta a história negra nos bairros da capital gaúcha.
— Corri para a parte que falava do meu bairro. A história me pareceu familiar. Era o depoimento de uma pessoa relatando que sua mãe, uma lavadeira de roupas, passava o dia inteiro no tanque porque fazia questão que os filhos estudassem e tivessem oportunidades que ela não teve — relatou, e seguiu:
— Ao chegar no segundo parágrafo, tomei um susto ao ler o nome da pessoa. Era minha irmã de criação. Ela tinha sido entrevistada pela pesquisadora alguns anos atrás, e falou sobre como nossa mãe, a Dona Duca, foi determinante para dar uma nova perspectiva à família.
Caminhos
Os Machado, contou Roger ao ge.globo, sempre foram esclarecidos, atuaram politicamente, pela música, pelo futebol, pelo carnaval para valorizar a cultura negra. O pai de Roger era músico, a mãe, apaixonada por futebol. O técnico seguiu na bola, mas insistiu que as filhas fossem pelas artes.
Pela convivência de mais de 30 anos no futebol, Roger sabe o peso do clássico deste domingo (21) para sua sequência de trabalho. Mas sua ligação com o Rio Grande e com uma cultura frequentemente desprezada pela História que costuma ser contada vai além do resultado final e do que pode acontecer nos 90 minutos do Beira-Rio.
Sua obra para dar visão a quem não costuma ter permanece inalterada. Seu único desafio é se reencontrar no Inter. O Gre-Nal é a grande oportunidade. Porto-alegrense, estudioso e experiente, ele sabe disso.
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