Das jogadoras entrevistadas para essa reportagem, duas delas, Carla e Beta, tiveram de parar de jogar por um período maior do que o esperado. Ketlen quer voltar quando a pré-temporada começar, cerca de três meses depois do nascimento de Lucca, previsto para novembro. E Duda deixou para ser mãe depois de encerrar a carreira.

Se outra atleta quiser ser mãe, há uma série de atualizações em medicina e legislação que ajudam na tomada de decisão sobre o momento da maternidade e seus efeitos. Ao menos é o que garantem especialistas procurados pela reportagem.
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Não há impeditivo para uma jogadora de futebol fazer atividade física, inclusive jogar, com até 24 semanas de gravidez, segundo o ginecologista Charles Schneider Borges, um dos principais profissionais da área no Brasil e médico de diversas jogadoras. A Fifa e os protocolos internacionais autorizam e até incentivam os treinos e as partidas se for do desejo da mãe.

A partir das 24 semanas, o potencial estará reduzido, possivelmente não será possível atuar por 90 minutos, haverá aumento da frequência cardíaca e dispneia (falta de ar). Cansará mais facilmente.
Nas primeiras 13 semanas, pouco impactará, até porque do ponto de vista anatômico e fisiológico, todo o útero está protegido pelo arcabouço pélvico. Depois, o crescimento da barriga dificulta a mobilidade.

No último trimestre, a gestante precisa ser afastada das atividades profissionais. Mas não do clube. Pode continuar mantendo atividades físicas, fisioterapia, caminhadas e trotes leves. Como Ketlen, que passou por diversos departamentos do Santos, como forma de seguir prestando serviços ao clube.
De 10% a 15% das atletas sofrem de depressão pós-parto, o que é uma taxa alta
CHARLES SCHNEIDER BORGES
ginecologista
O retorno aos gramados, após o parto, pode variar entre seis e 12 semanas. Isso tem a ver também com a forma do nascimento: parto normal retorna antes, cesariana, depois. A comparação com lesões é inevitável.
— No guia elaborado pela Fifa junto com a FIFPro (associação dos jogadores), foi criado um protocolo, assim como qualquer lesão. No caso da gravidez, a partir da sexta semana pós-parto é possível um retorno gradual. Tudo com acompanhamento, porque sabemos da pressão, da ansiedade. De 10% a 15% das atletas sofrem de depressão pós-parto, o que é uma taxa alta — explica o médico.
Charles completa:
— Podemos considerar que a atleta fica de nove meses a um ano afastada pela gravidez. Se considerarmos que a principal lesão do futebol feminino é a ruptura de ligamento cruzado anterior, a duração da recuperação é de nove meses. Então é como ter uma paciente com problema de LCA. Por isso é importante falar sobre esse assunto, apresentar as alternativas.
É interessante que tu penses sobre ter filhos. Isso não significa que precisa ter. Mas precisa ter pensado em ter
CHARLES SCHNEIDER BORGES
ginecologista
Charles se refere às diversas fases da gravidez, o que significa o corpo da mulher após os 35 anos e também o congelamento de óvulos, uma prática cada vez mais frequente:
— Falo para todas as mulheres que chegam à marca dos 30 anos: "É interessante que tu penses sobre ter filhos. Isso não significa que precisa ter. Mas precisa ter pensado em ter. Para não chegar aos 50 anos sem ter refletido, e aí não poder mais voltar". Isso vale para todas as mulheres, não só para as jogadoras. E estamos cheios de exemplos de que é possível conciliar carreira, mesmo de atleta, com ser mãe.

Amparo judicial
Em 2024, a Fifa estabeleceu uma série de regras para proteger as mães jogadoras, técnicas e integrantes de comissões. Entre elas, estão a proteção contra a demissão por exercer os direitos da maternidade, 14 semanas de licença remunerada e a possibilidade de oferecer um trabalho alternativo para o período em que não puderem jogar.
As regras do Brasil apresentam alguns pontos específicos que se aplicam a qualquer profissional. A advogada Eliza Cerutti, diretora da Escola Superior de Advocacia da OAB-RS, explica que no caso de relações homoafetivas ou de adoção, a licença-maternidade vai ser tirada por uma só das mães, em uma escolha delas.
Algumas mães do futebol brasileiro, por exemplo, não foram as que passaram pela gestação. As crianças nasceram das barrigas das companheiras. Como no caso de Cristiane, do Flamengo, a única a ter mais de um filho em todo o universo do esporte.

— Uma delas vai tirar a licença-maternidade, não necessariamente a que gestou. É possível, por exemplo, que a jogadora que não gestou tire o equivalente à licença-paternidade. A regra geral é cinco dias, mas empresas cidadãs concedem 20 dias — aponta Eliza.
A mulher não pode ser demitida no período da licença. E nem pode ser demitida por conta de ser mãe. O que só funciona em tese, já que muitas vezes outras justificativas são buscadas para terminar contrato, como o que ocorreu com Beta.
Não há mais no Brasil a distinção sobre pai e mãe nas documentações. As certidões de nascimento apresentam apenas o campo "Filiação", e nele vão escritos apenas os nomes dos responsáveis, não importando o número de pessoas nem o gênero.





