O casamento

de Igor

Debilitado pelo avanço de um câncer de nasofaringe com metástase no cérebro, Igor José de Brito, 21 anos, deitado em um leito do sétimo andar do Hospital de Clínicas, fez o pedido à mulher:

– Quer casar comigo?

Instantânea, a afirmativa de Jaíne Veronica Quadros, 17 anos, não a impediu de sentir uma hesitação entre a felicidade e a tristeza ao longo dos dias que se seguiram, enquanto a família tentaria se concentrar nos preparativos da cerimônia, investindo em um contraponto festivo à rotina de doença que já durava um ano. Junto havia quase três anos, o casal, com um filho de um ano e sete meses, nunca cogitara a oficialização do relacionamento. A ideia fora proposta por uma tia de Igor, sugerindo que Deus deveria abençoar aquela união. Combinaram aguardar a alta do tratorista, mas o plano teve de ser adaptado à realidade que logo se cristalizou: Igor não sairia mais dali. Com a transferência do filho para o Núcleo de Cuidados Paliativos, Ivone Conceição de Brito, 42 anos, foi chamada para uma conversa.

– Estamos perdendo ele aos pouquinhos – esclareceu a médica.

 

Mãe relembra os preparativos para a celebração.

 

Sensibilizadas com a perspectiva da solenidade incomum, as enfermeiras se mobilizaram para cuidar da decoração. Os parentes pensaram em recolher contribuições para a compra do vestido branco da noiva e o aluguel do terno do noivo. Habituado a bermudas e camisetas, Igor se encantou pela possibilidade de trajar paletó e gravata pela primeira vez. As alianças seriam aquelas que coubessem no orçamento – na impossibilidade da aquisição de joias, contentariam-se com bijuterias, priorizando o simbolismo. Mal refreando a empolgação, Igor espalhou a novidade acionando o botão para chamar auxílio nas trocas de turno da equipe assistencial.

– O que foi? Está sentindo dor? – questionava a enfermeira ao entrar.

– Eu vou casar! – ele exultava.

Depois de esbarrar na burocracia e nos custos dos cartórios, os familiares foram orientados a procurar o padre do hospital para ganhar tempo. Acertaram a celebração para um sábado. Se Igor não conseguisse se erguer da cama, a bênção seria proferida no quarto. Caso o paciente estivesse se sentindo forte o bastante para uma caminhada de poucos passos, os convidados seriam recepcionados na sala de convivência do núcleo.

A rapidez do planejamento perdeu vigor com a piora dos sintomas. Os cerca de 15 convites a serem distribuídos para os mais íntimos nem foram confeccionados.

– Eu tô morrendo. Não me deixa morrer – suplicou o rapaz à psicóloga Mônica Echeverria de Oliveira em uma das últimas consultas.

 

Ofegante, a voz rouca quase inaudível, Igor se despediu de Jaíne na manhã do domingo 7 de dezembro:

– Nunca esquece que eu te amo e te amarei para sempre.

Ivone chegou pouco depois. Por telefone, ouviu a médica responsável pelo caso lamentar a irreversibilidade do quadro. A auxiliar de serviços gerais se desesperou:

– A senhora vai me desculpar, eu sei que a senhora é doutora, mas o meu filho já esteve um mês desacordado dentro da UTI e conseguiu sair. Eu estou vendo que ele está respirando ainda, ele vai viver! Para mim, ele está só dormindo. Ele tem vontade de viver. Ele está respirando!

Igor morreu ao final daquela noite, seis dias antes do casamento. Ao contratar os serviços da funerária, a mãe solicitou que o filho fosse enterrado de terno.

A mãe, Ivone, e a viúva, Jaíne (acima), correram para organizar uma cerimônia dentro do hospital — "Eu vou casar!", Igor exultava diante das enfermeiras.