Entre Rolante, onde nasceu, e Porto Alegre, onde morreu há 30 anos, Vitor Mateus Teixeira passou a vida tal qual um “tropeiro dos pampas”: levou sua música a todo o Brasil e ao Exterior, e viveu em diversos municípios do Rio Grande do Sul. Confira um resumo de sua trajetória a partir de fatos, imagens e das músicas que ele compôs. E leia a reportagem completa.
Reportagem e edição
Daniel Feix
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Hélène Boittelle
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Banco de Dados de Zero Hora (Antônio Pacheco, Genaro Joner. Juan Carlos Gomes. Lisette Guerra, Livia Stumpf, Mauro Mattos e Tadeu Vilani)
Outras imagens
Reproduções de arquivos de Antônio da Rosa, Arlindo Heinrich, Jeny Teixeira Nunes, Leopoldis Som e Som do Sul
Vitor Mateus Teixeira, o Teixeirinha, nasceu no distrito da Mascarada, entre os municípios de Rolante e Riozinho, no Vale do Paranhana, em 3 de março de 1927. Ao longo da vida, diria a amigos e familiares que se enganara nas contas e que seu nascimento, na verdade, teria sido...
"Lá vai o menino pela estrada/ (...) chorando a morte da mãezinha/ (...) vai em rumo da cidade/ levando a trouxinha esfarrapada", cantou Teixeirinha em Minha Infância, uma das músicas nas quais relatou a jornada do garoto órfão que comoveu multidões...
Antes de Teixeirinha se consagrar como músico, sua vida teve muitas idas e vindas – à região de Taquara. Um de seus primeiros empregos formais foi como operário do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer) – para onde foi levado por seu irmão Osvaldo...
Teixeirinha teve nove filhos. Além dos já citados Sirlei, Líria e Victor Filho, houve Liane e Alexandre, que teve com a parceira Mary Teresinha, e as quatro meninas de seu casamento com Zoraida Ferreira Lima – Nancy Margareth, Gessi Elizabeth, Fátima Lizete e Márcia...
Teixeirinha e Gildo de Freitas foram, talvez, os dois maiores trovadores que o Rio Grande do Sul já viu. Com Gildo, Teixeira percorreu o Estado em performances históricas – e aprendeu atalhos da arte do improviso. Os dois se conheceram no Mercado Público de Porto Alegre...
Casado com Zoraida, Teixeirinha se mudou para o Planalto Central, fixando-se como apresentador da Rádio Passo Fundo. Em Soledade, um pouco antes, em meio às andanças pelo Rio Grande do Sul a serviço das Emissoras Reunidas, o casal abriu uma banca de...
As histórias do fenômeno da descoberta de Coração de Luto são muitas, e se espalharam pelo Brasil. O músico Chico César, que nos anos 1970 trabalhava como balconista de uma loja de discos de Catolé do Rocha (PB), relata que, por lá, “só Roberto Carlos vendia tanto...
O cantor Ivon Cury alertou Teixeirinha para o sucesso que suas canções faziam em Portugal, ao longo de todos os anos 1960. Mas foi nos EUA e no Canadá que o músico gaúcho fez sua primeira turnê fora da América Latina. "Vou me apresentar para a indiada buena de...
Teixeirinha fez Coração de Luto, o filme, inspirado em O Ébrio, longa de 1939 estrelado por Vicente Celestino. E, também, por sugestão de Derly Martinez, da Leopoldis Som, “para provar que não andava aproveitando o nome da mãe em vão”, como disse em entrevista ao...
A casa do alto da Glória, mantida pela família até hoje na Avenida Oscar Pereira, na capital gaúcha, foi residência de Teixeirinha desde o início da década de 1960, quando ele saiu de Passo Fundo para se fixar em Porto Alegre. No local há uma piscina no formato de uma cuia...
Em 1959, Teixeirinha foi de trem de Passo Fundo a São Paulo para gravar quatro compactos de 78 rotações pela gravadora Chantecler, especializada em música regional que, àquele instante, estava disposta a investir no mercado do Sul. Sucessos nos bailes animados pelo...
“Mary, Mary, Mary, eu te chamo/ (...) Mary, Mary, Mary, não é crime dizer que te amo”, cantou Teixeirinha, apaixonado, na canção Mary. O músico se encantou pela jovem gaiteira em 1961, e já gravou Mary em seu terceiro disco, Um Gaúcho Canta para o Brasil, lançado...
Vitor Mateus Teixeira, o Teixeirinha, nasceu no distrito da Mascarada, entre os municípios de Rolante e Riozinho, no Vale do Paranhana, em 3 de março de 1927. Ao longo da vida, diria a amigos e familiares que se enganara nas contas e que seu nascimento, na verdade, teria sido no mesmo dia de 1926 – mas que "não valia a pena corrigir o equívoco", conforme sua irmã Jeny. Seu pai, Saturnino Francisco Teixeira, fazia carretos com produtos agrícolas até as cidades de Taquara e Santo Antônio da Patrulha. Morreu jovem, em 1932, vítima de infarto. A mãe, Ledurina de Fraga Mateus, sofria de epilepsia. Tinha 28 anos quando, em 1936, desmaiou sobre uma fogueira no pátio de casa, morrendo "queimada no fogo/ morte triste e dolorida", como cantou em Coração de Luto. Teixeirinha, seus irmãos Anilda (sentada na foto, junto ao marido e filhos), Osvaldo e Jeny (em pé, junto a Teixeirinha) ficaram órfãos muito cedo, sendo criados por conhecidos da família ou, no caso daquele que se tornaria um dos artistas mais populares do país, por parentes que ele encontraria primeiro em Taquara, depois na Região Metropolitana de Porto Alegre.
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"Lá vai o menino pela estrada/ (...) chorando a morte da mãezinha/ (...) vai em rumo da cidade/ levando a trouxinha esfarrapada", cantou Teixeirinha em Minha Infância, uma das músicas nas quais relatou a jornada do garoto órfão que comoveu multidões (na foto, Miro Soares, que o interpretou quando criança no filme Coração de Luto). O menino Vitor viveu até a adolescência com um tio e em seguida com as primas, nas regiões de Triunfo e Nova Santa Rita, depois Canoas e Porto Alegre, até se desgarrar definitivamente e buscar o próprio sustento na capital gaúcha. Dos empregos e subempregos daquela época, lembrava especialmente do trabalho de peão em uma propriedade rural onde hoje fica a Avenida A.J. Renner, região que naqueles anos 1940 estava longe da densidade urbana que possui atualmente. "Fui rever a velha fazendinha/ onde passei minha mocidade/ fui pelo bairro Navegantes/ (...) tudo mudou, parece uma cidade", recordaria na canção A Fazendinha. Foi nas rodas de música com os parceiros de lida que Teixeirinha compôs seus primeiros versos.
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Antes de Teixeirinha se consagrar como músico, sua vida teve muitas idas e vindas – à região de Taquara. Um de seus primeiros empregos formais foi como operário do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer) – para onde foi levado por seu irmão Osvaldo, funcionário da empresa estabelecido no município. Ele chegou a trabalhar em rodovias nos arredores de Rio Pardo e Pantano Grande, mas permaneceu mais tempo na construção da RS-020, na mesma Taquara em que passara a adolescência. Foi naquela época (início dos anos 1950) que firmou suas primeiras parcerias musicais, a mais significativa delas com Antônio da Rosa e Maria Ezi, com quem constituiu o trio Teixeirinha, Antoninho Rosa & Nhá Chiquinha (foto). Com Maria Ezi, teve o primeiro relacionamento sério – eles tiveram dois filhos, Líria e Victor Filho. Um pouco antes, quando trabalhava na "fazendinha" do bairro Navegantes, no fim da década de 1940, o jovem Vitor namorou Idalina Silva Pinto, com quem teve sua primeira filha, Sirlei – de quem se afastaria ao conseguir o emprego no Daer para só se reaproximar alguns mais tarde.
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Teixeirinha teve nove filhos. Além dos já citados Sirlei, Líria e Victor Filho, houve Liane e Alexandre, que teve com a parceira Mary Teresinha, e as quatro meninas de seu casamento com Zoraida Ferreira Lima – Nancy Margareth, Gessi Elizabeth, Fátima Lizete e Márcia Bernardeth. O músico teve com Zoraida a relação mais estável de sua vida: eles casaram em 1957 e jamais se separaram – mesmo quando, aos olhos do público, sua mulher era a gaiteira Mary. O curioso é que a estabilidade, para Teixeirinha, veio em um momento de mudanças: a música estava dando certo, os produtores de bailes, chamando-o para animar os salões pelo Interior, e ele, cada vez mais firme no rádio. Depois de aparecer na rádios Taquara e Progresso (de Novo Hamburgo), fechou acordo com as Emissoras Reunidas para apresentar programas nas emissoras da rede sediadas em diversas regiões do Estado. Foi quando fez seu nome em Carazinho, Cruz Alta, Venâncio Aires e Santa Cruz do Sul (onde se casou com Zoraida)... Curiosidade desta foto, na qual Alexandre e Victor Filho divulgam um xarope: no rádio, Teixeirinha fazia muita publicidade de remédios, parceiros comerciais que por vezes levava para o cinema por meio de merchandising.
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Teixeirinha e Gildo de Freitas foram, talvez, os dois maiores trovadores que o Rio Grande do Sul já viu. Com Gildo, Teixeira percorreu o Estado em performances históricas – e aprendeu atalhos da arte do improviso. Os dois se conheceram no Mercado Público de Porto Alegre, onde o autor de Coração de Luto trabalhou nos anos 1940, mas só firmaram parceria nos 1950, quando Gildo “deu uma passada por” Erechim, onde Teixeirinha estava morando à época. Após o estouro nacional deste, e a frustração de Gildo por não alcançar o mesmo êxito, travaram uma amplamente difundida "briga à distância" por meio das letras de suas músicas. Começou em 1965, com Baile de Respeito (de Gildo). Seguiu com Baile de Mais Respeito (de Teixeirinha). E aí foi um tal de "falador" e "ignorante" para cá (de Teixeirinha para Gildo), "nanico" e "guaipeca barulhento" para lá (de Gildo para Teixeirinha). Até terminar com ofensas tão pesadas que acabaram nem sendo registradas em disco. Anos depois, esfriada a peleia, reapareceu o respeito que os dois mantinham um pelo outro. "Gildo era um homem de se tirar o chapéu", afirmou Teixeirinha no livro dedicado ao ex-parceiro na coleção Esses Gaúchos (Ed. Tchê).
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Casado com Zoraida, Teixeirinha se mudou para o Planalto Central, fixando-se como apresentador da Rádio Passo Fundo. Em Soledade, um pouco antes, em meio às andanças pelo Rio Grande do Sul a serviço das Emissoras Reunidas, o casal abriu uma banca de tiro-ao-alvo para incrementar a renda familiar. O negócio prosperou, mesmo, em Passo Fundo, mas não impediu o músico e seguir sua rotina de apresentações, em locais como os CTGs Lalau Miranda e Osório Porto, com parceiros como o gaiteiro Rancho Velho e o violonista Serraninho. Teixeirinha moraria por pouco tempo na cidade, no finzinho dos anos 1950, mas seria eternizado como personagem local em uma estátua que hoje está posta na Avenida Brasil (foto). Na década seguinte, ele arrumaria uma parceira fixa à gaita, Mary Teresinha, com quem também manteria um relacionamento amoroso. Nada suficiente para destruir o casamento com Zoraida – eles se mantiveram casados, vivendo sob o mesmo teto, até a morte do autor de Gaúcho de Passo Fundo.
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Em 1959, Teixeirinha foi de trem de Passo Fundo a São Paulo para gravar quatro compactos de 78 rotações pela gravadora Chantecler, especializada em música regional que, àquele instante, estava disposta a investir no mercado do Sul. Sucessos nos bailes animados pelo cantor à época, Briga no Batizado e Xote Soledade compunham a bolacha na qual mais se apostava. Mas a que estourou mesmo tinha no lado A Gaúcho de Passo Fundo e, no B, a toada que comoveria o país – Coração de Luto. Começou em Sorocaba (SP): bastou a rádio local 9 de Julho apresentar a canção em sua programação para receber o que o radialista Oswaldo Audi descreveu, para Biaggio Baccarin, diretor-artístico da Chantecler, como "uma avalanche de pedidos de ouvintes". Em pouco tempo, Teixeirinha gravaria o LP O Gaúcho Coração do Rio Grande (o primeiro de seus mais de 60 álbuns, sendo 49 com canções inéditas) e voltaria a São Paulo como um campeão de vendas de discos, para cantar em programas nacionais de rádio e de TV (foto), como, inclusive, o de Flávio Cavalcanti, apresentador que por suas críticas ao "apelo" da história de Ledurina se tornaria um inimigo público do músico gaúcho.
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As histórias do fenômeno da descoberta de Coração de Luto são muitas, e se espalharam pelo Brasil. O músico Chico César, que nos anos 1970 trabalhava como balconista de uma loja de discos de Catolé do Rocha (PB), relata que, por lá, “só Roberto Carlos vendia tanto (quanto Teixeirinha)”. Maceió, Santarém e Manaus, entre outras, receberam o ídolo em estádios, em apresentações para milhares de pessoas. A Chantecler nunca havia comercializado tantas bolachas de 78 rotações por minuto, e o LP que "o gaúcho coração do Rio Grande" gravaria em 1960 "não daria conta da demanda de pedidos das lojas, algo que nunca vi na indústria fonográfica", relata Biaggio Baccarin, executivo da gravadora. Teixeirinha explorou a imagem de “rei do disco”, como se vê na capa do álbum de 1967. E gostava de lembrar, ele próprio, de um causo em Rio Branco (AC), em 1962: seringueiros deram entrevista a rádios locais contando que remaram por seis dias para vê-lo, e a balsa que cruzava o Rio Acre estava tão cheia nas horas que antecederam seus shows que havia gente atravessando o rio a nado para chegar a tempo. José Braz de Oliveira, seu empresário naquele tempo, e Heitor Coelho da Silva, assistente pessoal, confirmam a história.
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“Mary, Mary, Mary, eu te chamo/ (...) Mary, Mary, Mary, não é crime dizer que te amo”, cantou Teixeirinha, apaixonado, na canção Mary. O músico se encantou pela jovem gaiteira em 1961, e já gravou Mary em seu terceiro disco, Um Gaúcho Canta para o Brasil, lançado naquele mesmo ano. Ela tinha 15 anos e era um fenômeno do acordeom da Rádio Cultura de Bagé quando ele visitou a cidade para um show – sem gaiteiro, já que Ademar Silva e Nei Fernandes, seus parceiros usuais à época, não podiam viajar. Mary era conhecida por lá como “Teixeirinha de saias”, dado seu talento para interpretar as músicas do ídolo. Foi chamada a tocar com Teixeira, e de seu lado só sairia 22 anos depois, em 1983, quando, cansada de ser “a outra”, anunciou que se casaria com o mentalista Ivan Trilha (foto). A separação foi midiática: ambos desabafaram em entrevistas a Zero Hora e ao Jornal do Almoço, da RBS TV – até a briga pela guarda dos dois filhos ganhou os jornais. Em sua maioria, o público defendeu o “abandonado” Teixeirinha – ainda mais depois que, fragilizado, ele enfrentou problemas de saúde (um infarto em janeiro de 1984 e o câncer que lhe tiraria a vida em 4 de dezembro de 1985).
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A casa do alto da Glória, mantida pela família até hoje na Avenida Oscar Pereira, na capital gaúcha, foi residência de Teixeirinha desde o início da década de 1960, quando ele saiu de Passo Fundo para se fixar em Porto Alegre. No local há uma piscina no formato de uma cuia de chimarrão (foto), que se tornou folclórica e alimentou o mito em torno da intimidade do cantor, um verdadeiro pop star regional na era pré-redes sociais – até em foto de capa de disco o pátio da casa apareceu (O Internacional Teixeirinha, de 1973). Seu escritório ficava na Rua dos Andradas – depois ainda haveria um endereço na Andrade Neves, também no centro de Porto Alegre, onde hoje está sediada a Fundação Teixeirinha, dedicada a preservar a memória do músico. Foi entre a Glória e o centro da cidade – sem esquecer dos períodos em que ficava na residência de Mary Teresinha, com ela e os dois filhos –, que Vitor Mateus Teixeira viveu as últimas duas décadas e meia de sua vida.
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Teixeirinha fez Coração de Luto, o filme, inspirado em O Ébrio, longa de 1939 estrelado por Vicente Celestino. E, também, por sugestão de Derly Martinez, da Leopoldis Som, “para provar que não andava aproveitando o nome da mãe em vão”, como disse em entrevista ao Pasquim (em dezembro de 1978). O longa arrastou multidões aos cinemas a partir de setembro de 1967, alavancando sua carreira de ator: no total, ele estrelou 12 títulos até A Filha de Iemanjá, filmado em Torres e lançado em 1981 (foto). Os filmes ajudaram a popularizar ainda mais o músico, que completava o pacote de fidelização de sua audiência por meio do programa matutino de rádio Teixeirinha Amanhece Cantando, que apresentou diariamente do início dos anos 1960 até a década de 80, ora na Rádio Gaúcha, ora na Farroupilha (ainda houve o Teixeirinha Comanda o Espetáculo, à noite, e o Teixeirinha Canta para o Brasil, aos domingos). Sua agenda de shows, que não diminuiu nem após o fim da relação com Mary e a dissolução de sua produtora de filmes, tinha divulgação garantida nesses espaços.
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O cantor Ivon Cury alertou Teixeirinha para o sucesso que suas canções faziam em Portugal, ao longo de todos os anos 1960. Mas foi nos EUA e no Canadá que o músico gaúcho fez sua primeira turnê fora da América Latina. "Vou me apresentar para a indiada buena de Washington e Ottawa", ele anunciou em reportagem de ZH de agosto de 1970. Os shows que mais público atraíram foram realizados na turnê canadense de 1975 e na apresentação realizada em Providence, Estado de Rhode Island, em 1973. Teixeirinha decidiu ir até Providence em função de sua popularidade no local – era lá a sede de seu fã-clube nos Estados Unidos. Seu novo empresário, Clóvis Mezzomo, tinha uma política agressiva de mídia: passava à imprensa detalhes da carreira do músico, e, quando voltaram da viagem aos EUA, não hesitou em divulgar que a produtora de Teixeirinha havia fechado um acordo com a United Artists para distribuir e, quem sabe, filmar um longa-metragem na América do Norte. Vitor Mateus Teixeira em Hollywood? Coisa da cabeça de Mezzomo, apenas.
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