Há 23 anos, Hamilton Coelho mora no ponto mais meridional do Brasil, nA BARRA DO Chuí, uma localização que se tornou folclórica e que acabou por ofuscar seu trabalho como escultor e militante ecológico
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ualquer pessoa que lance na internet o nome de Hamilton Coelho vai encontrar, em poucos segundos, um vídeo sobre ele produzido pela rede britânica BBC, devidamente legendado em inglês. Também vai tropeçar em reportagens e documentários que retratam o artista plástico a percorrer em um velho Jipe as areias do litoral sul gaúcho, em busca de ossos de baleia, destroços de navios naufragados, boias náuticas e outros materiais cuspidos pelo mar, que ele transforma em esculturas e expõe em seu próprio museu, na Barra do Chuí.
Apesar do acesso fácil, Coelho navega a internet com pouca desenvoltura e nunca assistiu a esses vídeos. Reage até com certa perplexidade ao ser informado de que eles estão na rede. E demonstra ressentimento por ninguém nunca lhe ter enviado o resultado das tantas horas de gravações a que o submeteram.
A verdade é que Coelho está cansado de repórteres, documentaristas e produtores de TV. Eles aparecem com regularidade, tomam seu tempo, pedem que ele faça isso ou aquilo diante das câmeras e depois vão embora para colher louros e salários, sem oferecer nada em troca. E não lhe permitem nenhum controle sobre o que vai ser mostrado, dito ou escrito, o que o faz sentir-se desprotegido. Como Coelho vive isolado no ponto mais meridional do país, à margem do Arroio Chuí e com o Uruguai à porta, invariavelmente também aproveitam para descrevê-lo como “o último morador do Brasil”, tirando o foco do que ele considera mais importante, o seu trabalho.
Uma vez, chegaram ao extremo de enfiar um ponto eletrônico em seu ouvido e ficaram enviando instruções a distância (“Agora se abaixa e apanha esse osso de baleia”), enquanto filmavam o artista com um drone. Em sua fala ágil e entrecortada, na qual uma sentença é quase sempre interrompida por outra antes de chegar ao final, como se as ideias se acavalassem em ritmo frenético na sua cabeça, o artista conta como reage a essas situações:
– Eu fico puto da cara... Tu ficas de marionete... Não gosto de ser marionete, cara... Senta aqui, bota ali, arruma o chapéu... Eu sou o mergulhão. Sabe o que é o mergulhão, o biguá? O biguá, quando vê gente, pff. Eu sou o próprio... Isso que eu sou leonino. Dizem que o leonino gosta de aparecer... Os caras vêm aqui, vendem para a TV, e aí que eu fico de cara... Pagaram hotel, pagaram gasolina. E o artista, nada... Vou começar a me fechar na caixinha... Cobrar cachê... Reportagem e sair na televisão não enche barriga...
Com objetos achados na praia, como ossos, boias e toras, Hamilton faz suas esculturas
Dias atrás, foi a vez de uma equipe de Zero Hora aparecer de surpresa para explorar a paciência do escultor. A chegada dos intrusos, logo pela manhã, foi anunciada pelo latido da cachorrada e fez Coelho emergir de uma peculiaríssima construção de pau, pedra, vidro, palha e metal (tudo entulho recolhido à beira-mar) que cumpre as funções de ateliê, depósito e residência. Foi o próprio escultor quem erigiu a edificação, que já é por si só uma obra de arte – em constante expansão, porque Coelho está sempre empenhado em ampliá-la mais e mais.
Ele começou a construção do que chama de “palacete” depois de achar na praia dois postes de luz. Cortou-os ao meio e formou um retângulo, onde levantou o núcleo central. Depois, foi aumentando. Com o tempo, e já são vários anos de acréscimos, incorporou à estrutura peças de uma plataforma de petróleo, pedras que sobraram da construção de molhes, garrafas que formam um mosaico na parede principal e deixam vazar a luz para o interior e até mesmo o casco de um navio, que se projeta pelo centro do amplo galpão e faz as vezes de parede a dividir o ambiente. O quarto é a única parte mais alta, uma espécie de poleiro acima do casco. Um pé de araçá nasce do lado de dentro, atravessa a parede e brota para o exterior.
Coelho construiu esse lar-ateliê, com cinco portas para a rua, sem saber nada sobre construção. Quanto quis cobrir uma parte de telhado com palha, por exemplo, precisou de várias tentativas, até descobrir um jeito que não resultasse em infiltrações.
– É a necessidade, o que eu te digo... Tem de fazer, vai fazendo... – explica.
O mais impressionante é o recheio desse galpão. Empilhadas por toda parte, encontram-se toneladas de todo tipo de material que alguma vez caiu no oceano e veio bater na areia, incluindo ossadas descomunais de um número incerto de baleias. Também está lá, derreado, à espera de algum milagroso conserto, o enferrujado Toyota Bandeirantes que tantas vezes percorreu a costa gaúcha nas expedições em busca de matéria-prima.
– A gente fala meio de brincadeira, mas bastante sério também... Tu te envolves... Tem uma energia na história... As coisas acontecem... Essa viagem... Tem de ser o básico... Se tu queres encontrar uma boia de vidro, tens de ser o primeiro passar. Para ser o primeiro, tens de sair cedo. Eu saio antes do sol, eu saio de casa nas viagens... Que é um horário maravilhoso. E se estás procurando de manhã cedo, estás procurando a maré da noite, né? A maré alta dá la em cima... É quando tu tens as coisas.
Mas do infinito tesouro estocado a partir dessas incursões no “palacete”, a equipe de Zero Hora só soube depois, porque de início Coelho não franqueou a entrada – o ateliê é um espaço sacrossanto, que ele não se sente à vontade de mostrar e que não gosta que fotografem.
Por esse motivo, desviando da mandíbula de uma baleia franca que se estendia no terreno de quatro hectares que habita, o artista preferiu conduzir os visitantes até uma outra construção, de alvenaria, perto da entrada, onde instalou o museu em que suas obras estão expostas.
Ali, exibiu com paixão peças feitas a partir do madeirame de navios, de esqueletos de cetáceos e de toras que caíram de barcos e vieram dar à praia. Explicou que em algumas peças a intervenção é mínima. No caso do destroço de um galeão naufragado há séculos, o trabalho foi perceber a posição em que aquele pedaço de pau carcomido ganhava ares de escultura. Coelho contou que o mesmo processo se repete com os ossos de baleia: às vezes, o toque do artista está em identificar o fragmento certo do esqueleto e descobrir como expô-lo, para que a beleza se revele.
– Tem coisas em que não interfiro. Uso como instalação. A escultura nasce até no carregar... Eu vejo que tem possibilidade. Tem um entorno... As coisas se somam... Meu ateliê é muito grande... Tem dias que eu não consigo fazer... Tenho de estar aberto para elas... Ver como se encaixam... Respeito muito... Até eu fazer, fico um ano, dois anos.
Sentado a uma mesa, na sala principal do museu, Coelho discorreu também sobre a série de esculturas em que uniu os reinos animal, mineral e vegetal, fundindo ossadas, discos de arado metálicos e pedaços de madeira. Só se eriçou quando o fotógrafo se atreveu a pedir que ele posasse no alto de uma grande boia oxidada que jazia do lado de fora do museu. Era Coelho reagindo à ameaça de virar marionete:
– Essa foto é difícil. Aí que digo, não vou subir... Não sou isso aí, cara... A fama nunca foi a minha, é uma coisa que eu não... Eu vim para cá para ficar mais aqui. Eu não estou conseguindo. A beleza que eu consigo transformar um osso de baleia, uma sucata, é isso que vai abrindo minha porta para o resto... Eu gosto da simplicidade das coisas, e uma das coisas que eu não gosto é da minha imagem, não ser o foco. Bota a obra.
Foi por causa dessa obra que Coelho transformou-se – vá lá o surrado clichê – no último morador do Brasil. Originário de Santa Vitória do Palmar, cidade espremida entre a Lagoa Mirim e o oceano, ele tinha o costume de andar pela beira da praia, nas lonjuras do Hermenegildo ou do Albardão, com seus cadernos de desenho. E assim começou a achar objetos depositados pelo mar sobre a areia. Estudante de gravura e escultura na Universidade Federal de Pelotas, encontrou neles a inspiração que procurava.
– Tu tens o Cassino lá e aqui o Chuí, então tu tens 230 quilômetros de molhes a molhes... Vinha para cá nas férias... Eu ia no Hermenegildo... Ainda não tinha luz... Eu pegava os meus desenhos, pegava uns livros, uns poucos amigos e nada mais... Era apaixonado por aquela canção do Sá, Rodrix e Guarabyra... E já encontrava essas coisas que vinham do mar. Numas férias que fiquei no Hermenegildo... Tu tens de ser também inovador, botar um material novo, inédito. Era uma preocupação que eu tinha... Então sucata de ferro... E juntou... Tens de fazer com amor, tens de fazer aquilo que tu gostas.... Eu não invejo que meu amigo tem uma Land Rover... Que bom... Tenho um Toyota lá caindo... São os valores... De artista e louco, todos nós temos um pouco. Eu sou artista e sou louco, né?
E assim Coelho começou a criar, daquilo que o mar regurgitava, a arte que o tornou reconhecido – durante muito tempo, por exemplo, o vão central da Casa de Cultura Mario Quintana, em Porto Alegre, foi ocupado por uma obra que consistia em um tronco de cedro rosa de 10 metros de comprimento que encontrado na areia, depois de anos à deriva no mar, e que ele batizou informalmente de “Pau do Coelho”.
Coelho encara seu ateliê como um espaço sagrado, que raramente deixa que fotografem
Para ficar mais perto da fonte de sua matéria-prima, portanto, sentiu necessidade de instalar-se à beira-mar, e encontrou na ponta mais ao sul do país o lugar ideal. Ali, no centro de um terreno elevado e selvagem, circundado pelo Arroio Chuí, com uma bandeira uruguaia tremulando sobre o casario da outra margem, ele descobriu uma casa abandonada – que segundo seus relatos foi a antiga aduana brasileira, mas também um centro de repressão política durante a ditadura militar. Abancou-se no local em 1994. Hoje, é o seu museu. O morador mais próximo fica a pelo menos um quilômetro de distância.
A ironia é que essa singular posição geográfica, se por um lado criou uma aura em torno do artista e chamou atenção para a figura algo excêntrica que vive isolada no mais extremo confim do país, também acabou por ofuscar um pouco a obra. Aos olhos do mundo, Coelho é mais “o último morador do Brasil” do que o inventivo escultor que encontrou arte nos esqueletos das baleias.
– Este lugar estava desocupado... Eu digo: vou me transferir para cá... Porque a matéria que eu coleto nesse litoral, e tudo é muito grande, essa coisa de baleia, é muito pesado... E tem de ter espaço. Aqui tem espaço. E este lugar é único, por ser geograficamente, como se coloca, de aqui ser o começo ou o fim... para mim o Brasil começa aqui. Por isso que vim para cá, até por ser um referencial, um lugar... De tantos brasileiros, eu ser o último, já é um destaque... Não deixa de ser o último... Ou o primeiro, como queiram... Mas tem tanta outra coisa mais importante para falar... – atalhou Coelho.
Entre as coisas importantes que há para falar, na opinião do escultor, está o sentido profundo que ele enxerga em sua aventura estética. Ao usar ossos de baleia e detritos lançados pelo mar como ponto de partida para suas obras, ele tenta fazer uma denúncia ambiental e uma defesa da reciclagem. Essa foi a razão, aliás, de ter transformado o modesto torrão onde o Brasil começa (ou termina) em uma espécie de santuário sustentável.
Coelho dedica muitas de suas horas ao cultivo de uma horta orgânica, adubada com o esterco do cavalo que também mantém a relva aparada. Colhe tomate, rúcula, nabo, abobrinha, verduras. E persegue a meta de produzir lixo zero. Não admite nada que venha em garrafas pet e, quando precisa de leite, vai ao Uruguai, para evitar as embalagens tetrapak que demoniza. Deixou até de frequentar supermercados, porque eles ensacam em plástico não-reciclável os alimentos. Prefere ir a algum armazém com sua própria sacola.
Essa preocupação norteou uma exposição realizada no fim do ano em Pelotas. Coelho levou para lá uma instalação feita apenas com lixo que recolheu da frente de sua casa, por onde passa a estrada que leva ao Uruguai. Ali, os hermanos que fazem compras do lado brasileiro, aproveitando os preços mais baixos, despejam as embalagens, em uma tentativa de iludir os fiscais aduaneiros. O artista quis chamar atenção para o fato de que depois todo esse rebotalho vai poluir o oceano. Quando retornou para casa, depois de apresentar a obra, sofreu um sério desgosto, que apenas reforçou suas certezas. Encontrou morta a sua cabrita. Na ausência do dono, ela havia morrido pela ingestão de lixo plástico.
– O pior problema hoje é a questão da conscientização e todos os aparatos que a gente está vivendo... Tu tens os teus gestores... Começar por aqui, o gestor municipal... Não está no caráter, na alma dele, que lixo tem de ter um lugar para botar... Agora chegou um caminhão compactador. Que atraso, meu! Não tem de ter caminhão compactador. O lixo tem de ser reciclado total. Minha obra tem a questão estética, porque arte para mim tem de ser bela, é aquela coisa de que tem de encher o olho. Mas com fundamento... Tem de ter uma intenção, o propósito. Tem o propósito de resgate, de ser o inútil, o que as pessoas botam fora. É essa questão que vim achar aqui... Essa beleza, essa planície...
Ao usar ossos e detritos lançados pelo mar como ponto de partida para suas obras, Coelho tenta fazer uma denúncia ambiental
Para transmitir tal mensagem, Coelho recebe uma vez por semana uma turma de alunos da rede municipal de Santa Vitória do Palmar. Depois de mostrar o museu, faz questão de levá-los até a horta e explicar o valor adubatório do lixo orgânico. Esse trabalho de educação ambiental, feito em convênio com a prefeitura, consiste em uma de suas poucas fontes de renda. Outra é o aluguel de uma casa da qual é proprietário, fruto da herança deixada pelo pai. A arte, propriamente dita, pouco rende ao escultor. É difícil ele vender alguma peça. Talvez por causa do preço. O artista vive de forma muito modesta, mas dá valor a sua obra. Considera que luxo mesmo é “ter um Coelho em casa” e, quando algum colecionador aparece e mostra interesse em alguma peça, não titubeia: coloca o preço em R$ 50 mil, R$ 70 mil, R$ 100 mil.
Como a vendagem não rende, as obras acabam enriquecendo é o museu particular do artista, que também não dá dividendos. Coelho não cobra pelo ingresso, ainda que mantenha à vista uma lata onde espera que sejam depositadas contribuições. Conta que os uruguaios se entusiasmam e costumam deixar alguma coisa, mas os brasileiros se fazem de desentendidos e não desembolsam nenhum tostão.
Coelho se aborrece com isso, cogita começar a cobrar pela entrada, mas oscila e acaba por fazer um discurso contra o materialismo:
– Essa lida... Essa decisão... A gente tem de ser atrevido na vida. A vida é uma só, é muito rápido... Bota 40 anos atrás. O bom era ser funcionário do Banco do Brasil. Como que tu vais fazer da tua vida, né? Então eu sempre fui... Inclusive hoje tenho... Cada vez parece que mais um pouco decepcionado... Ao mesmo tempo que vejo essa decaída, essa questão dos valores. As pessoas valem pelo que têm, não pelo que são. Querem ter um celular e um carrinho. Estão maravilhadas com essas antenas... Ai, que luxo, aquilo pisca tudo... Eu sempre me criei pelo contrário... A gente não veio ao mundo para ter carrinho e celular. Como dizia o castelhano: “Ser gaucho no es el traje, sino lo que se lleva adentro”.
No fundo, Coelho não é o último brasileiro, não é o habitante do ponto mais avançado do território nacional. É, sim, a população inteira de uma república à parte, só sua, encravada entre o Brasil e o Uruguai. Ali ele vive isolado, seguindo suas próprias regras. De vez em quando, acolhe algum visitante – lembra com saudade de uma bela estudante de arquitetura da Tunísia que veio para conhecer o museu, de bicicleta a caminho da Bahia, e acabou ficando sete meses. Se às vezes se mostra desconfiado, como no contato inicial com a equipe de ZH, está sempre disposto a abrir as portas a algum refugiado. Bastaram poucas horas de convívio, por exemplo, para que o fotógrafo do jornal fosse admitido no seu sagrado ateliê, com permissão para fotografá-lo em plena ação criativa, enquanto escutava uma enfiada de discos de jazz e de Hermeto Paschoal.
Portanto, como não aceitar que, ao menos uma vez, ele possa ter alguma palavra sobre o que vai ser escrito a seu respeito? Pois que assim seja:
– Pode colocar lá no final da matéria um “Fora Temer”. Não precisa nem botar outra pessoa no lugar. Só isso: “Fora Temer”.
TEXTO
Itamar Melo
itamar.melo@zerohora.com.br
IMAGENS
Carlos Macedo
carlos.macedo@zerohora.com.br
EDIÇÃO
Carlos André Moreira
carlos.moreira@zerohora.com.br
DESIGN
Amanda Souza
amanda.souza@zerohora.com.br
Paola Gandolfo
paola.gandolfo@zerohora.com.br
Michel Fontes
michel.fontes@zerohora.com.br
Qualquer pessoa que lance na internet o nome de Hamilton Coelho vai encontrar, em poucos segundos, um vídeo sobre ele produzido pela rede britânica BBC, devidamente legendado em inglês. Também vai tropeçar em reportagens e documentários que retratam o artista plástico a percorrer em um velho Jipe as areias do litoral sul gaúcho, em busca de ossos de baleia, destroços de navios naufragados, boias náuticas e outros materiais cuspidos pelo mar, que ele transforma em esculturas e expõe em seu próprio museu, na Barra do Chuí.
Apesar do acesso fácil, Coelho navega a internet com pouca desenvoltura e nunca assistiu a esses vídeos. Reage até com certa perplexidade ao ser informado de que eles estão na rede. E demonstra ressentimento por ninguém nunca lhe ter enviado o resultado das tantas horas de gravações a que o submeteram.
A verdade é que Coelho está cansado de repórteres, documentaristas e produtores de TV. Eles aparecem com regularidade, tomam seu tempo, pedem que ele faça isso ou aquilo diante das câmeras e depois vão embora para colher louros e salários, sem oferecer nada em troca. E não lhe permitem nenhum controle sobre o que vai ser mostrado, dito ou escrito, o que o faz sentir-se desprotegido. Como Coelho vive isolado no ponto mais meridional do país, à margem do Arroio Chuí e com o Uruguai à porta, invariavelmente também aproveitam para descrevê-lo como “o último morador do Brasil”, tirando o foco do que ele considera mais importante, o seu trabalho.
Uma vez, chegaram ao extremo de enfiar um ponto eletrônico em seu ouvido e ficaram enviando instruções a distância (“Agora se abaixa e apanha esse osso de baleia”), enquanto filmavam o artista com um drone. Em sua fala ágil e entrecortada, na qual uma sentença é quase sempre interrompida por outra antes de chegar ao final, como se as ideias se acavalassem em ritmo frenético na sua cabeça, o artista conta como reage a essas situações:
– Eu fico puto da cara... Tu ficas de marionete... Não gosto de ser marionete, cara... Senta aqui, bota ali, arruma o chapéu... Eu sou o mergulhão. Sabe o que é o mergulhão, o biguá? O biguá, quando vê gente, pff. Eu sou o próprio... Isso que eu sou leonino. Dizem que o leonino gosta de aparecer... Os caras vêm aqui, vendem para a TV, e aí que eu fico de cara... Pagaram hotel, pagaram gasolina. E o artista, nada... Vou começar a me fechar na caixinha... Cobrar cachê... Reportagem e sair na televisão não enche barriga...