Entrevista

Thomaz Rafael Gollop

Coordenador do Grupo de Estudos sobre o Aborto (GEA)

"Estamos vivendo um período regressivo e ultraconservador"

Para se contrapor à desinformação e arejar o debate, médicos, juristas e defensores dos direitos da mulher reuniram-se em 2007 e criaram o Grupo de Estudos sobre o Aborto (GEA). Coordenador do grupo, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e membro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, o ginecologista e obstetra Thomaz Gollop acredita que o Brasil regrediu de lá para cá.

 

Como é o acesso aos serviços que oferecem o aborto nos casos autorizados pela lei?

A divulgação não é ampla. Estamos em um ambiente político de caça às bruxas. Isso é bastante evidente nos projetos que são apresentados no Congresso pelo grupo do Eduardo Cunha. Também há muito pouco empenho por parte do Ministério da Saúde e da Secretaria de Políticas para as Mulheres. O que estou falando está absolutamente claro. A Eleonora Menegucci, quando assumiu a secretaria, recebeu como ordem da presidente da República não tocar na questão do aborto. Estamos vivendo um período regressivo e ultraconservador nessa questão.

 

Isso afeta de alguma forma os serviços que oferecem o aborto?

É difícil dizer, mas se você telefona ao Ministério da Saúde e pede informação sobre os serviços, essa informação não é fornecida. Eles não informam. São mais de 5 mil municípios no país e apenas cerca de 50 desses serviços. E o acesso não é divulgado. A mulher tem de descobrir por conta própria.

 

Isso seria um complicador, por ela se encontrar em um momento delicado?

Ela está em uma situação de fragilidade. A situação deveria ser exatamente o inverso, na medida em que o aborto em caso de violência é absolutamente legal.

 

O Ministério estaria agindo contra o interesse da saúde da mulher?

Sim. Essa questão toda é mal trabalhada. Virou um tema muito mais tabu do que já era.

 

Existe estimativa de quantos abortos clandestinos são feitos no país?

Há uma estimativa muito bem feita, baseada no número de internações no SUS que decorrem de complicações de abortos. Usando essa informação, chega-se a 700 mil abortos por ano. Temos mapeadas cerca de 30 mortes maternas por ano em função do aborto inseguro. É um absurdo completo.

 

Realizado em um hospital, o aborto é um procedimento seguro?

Sim. A probabilidade de morte materna é cem vezes maior nos países onde o aborto é ilegal, em comparação com onde ele é legal. Em outros países, adotou-se uma política de redução de danos e houve uma queda monumental nesses óbitos. O Brasil vai no caminho inverso. Em vez de melhorar, temos de torcer para não piorar.

 

Como o senhor vê a questão do médico que se recusa a realizar o aborto, por razões de consciência?

Isso existe em todos os países. Objeção de consciência do médico tem de ser respeitada. Mas não pode interferir no direito da mulher. Muitas vezes, há uma confusão sobre onde termina o direito de um e começa o do outro. Os hospitais têm de ter equipes que assumam o atendimento dessas mulheres de maneira tranquila.

 

 

 

Projeto de lei quer

dificultar o acesso

• Um projeto de lei de autoria do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), pode tornar mais difícil o acesso ao aborto legal por mulheres vítimas de estupro.

 

• O texto, já aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), estabelece que a interrupção da gravidez só poderá ser realizada se houver registro na polícia e exame de corpo de delito.

 

• Hoje não há necessidade disso. Vale o depoimento da mulher aos profissionais de saúde.

 

• O projeto de lei também prevê penas específicas para quem induzir ou orientar gestantes ao aborto.

 

• Segundo a justificativa do texto, o projeto busca “dotar o sistema jurídico pátrio de mecanismos mais efetivos para refrear a prática do aborto, que vem sendo perpetrada sob os auspícios de artimanhas jurídicas, em desrespeito da vontade amplamente majoritária do povo brasileiro”.

 

• A aprovação na CCJ deixou o projeto pronto para ir à votação no plenário da Câmara.

 

• Eduardo Cunha é ligado à influente bancada evangélica do Congresso, e seu projeto é visto como uma forma de dificultar o aborto nos casos previstos em lei.

Saiba mais

• NEGATIVA DO MÉDICO

O profissional tem direito de recusar-se a fazer o aborto em casos de violência sexual. No entanto, é seu dever informar à mulher sobre seus direitos e garantir o atendimento por outro profissional. A chamada objeção de consciência não pode ser invocada em certas situações, como no atendimento de complicações derivadas do abortamento inseguro e quando a mulher puder sofrer danos ou agravos à saúde em razão da omissão do profissional.