Sérgio Martins Costa, chefe da obstetrícia do Clínicas, defende divulgação do kit para vítimas de estupro

CAPA

O aborto

dentro da lei

"Se eu fosse o papa, eu mandaria divulgar a existência da pílula do dia seguinte, porque ela evita que se realizem abortos"

Quando uma vítima de estupro procura um hospital para abortar, isso geralmente significa que ela esperou tempo demais até buscar ajuda. A recomendação dos profissionais é que as mulheres devem comparecer ao serviço de saúde nas primeiras horas depois de sofrer a violência. Se fizerem isso, receberão um kit composto por remédios que previnem doenças sexualmente transmissíveis e terão acesso à pílula do dia seguinte, que evitará a gravidez – e, como consequência, a necessidade do aborto.

A política nacional de saúde prevê que sequer é necessário ter sofrido um abuso. Qualquer mulher que teve uma relação sexual desprotegida tem direito a receber a pílula e outros medicamentos pelo SUS.

– Se eu fosse o papa, mandaria divulgar a existência da pílula do dia seguinte, porque ela evita que se realizem abortos – diz Sérgio Martins Costa, chefe do serviço de ginecologia e obstetrícia do Hospital de Clínicas.

A legislação afirma que o kit para vítimas de estupro pode ser oferecido em qualquer estabelecimento do SUS, mas profissionais da área afirmam que é mais garantido procurar uma emergência hospitalar, nas 24 horas do dia. Não há obrigatoriedade de apresentar laudo médico ou registro policial.

No país todo, segundo o Ministério da Saúde, há 553 serviços voltados à Atenção às Pessoas em Situação de Violência Sexual. Em 2014, ocorreram 27.652 atendimentos. Em 2011, 17.173.

Apesar da oferta do serviço, a maior parte das mulheres não se beneficia. Estima-se que, no máximo, 10% das que são violentadas busquem atendimento. As razões são variadas.

– Elas não vêm porque não sabem que o serviço existe, por vergonha, por medo de serem vitimizadas, por medo de que lá na polícia digam alguma coisa, por esconder a violência da própria família – enumera a médica Mariane Marmontel, do atendimento às vítimas de violência no Clínicas.

Para que as medicações façam efeito, é fundamental que o atendimento ocorra nas primeiras 72 horas após a violência. Às vezes, esse prazo é perdido porque as vítimas rodam por vários serviços sem encontrar quem lhes dê orientação adequada. Além da pílula, são oferecidas drogas contra HIV, sífilis, clamídia, gonorreia e trichomonas vaginalis. A paciente também realiza exames e recebe atenção psicológica ou psiquiátrica, que inclui avaliação para o risco de suicídio. Depois, tem à disposição acompanhamento de pelo menos seis meses, em saúde física e mental.

–  Por mais que esteja desamparada, a vítima de violência sexual sai do consultório com a vida mais ou menos resolvida. Com injeções feitas e remédios na mão. A coisa que eu gostaria que ficasse clara é que os serviços estão sempre abertos e que podem receber as pacientes muito antes, para que o aborto nunca aconteça. A gente entende que as mulheres ficam muito mal, que não querem contar para ninguém, mas se puderem contar só para o médico, vai ser uma coisa muito boa. Não precisa ter vergonha. Isso aqui não é uma delegacia. A gente não vai contar para o delegado, não vai julgar se a paciente tinha bebido, como estava vestida, se estava em um lugar desconhecido. Não nos interessa. Só nos interessa fazer o atendimento – enfatiza a médica Sandra Canali, do Hospital Fêmina.

Ainda que seja oferecido um acompanhamento posterior, uma parte das mulheres prefere não retornar ao hospital depois de receber as medicações. No Clínicas, só 29% das vítimas completam os seis meses de atendimento obstétrico. Às vezes, a razão para esse comportamento é o desejo de esquecer o evento traumático. Em outras situações, é falta de dinheiro para  o ônibus. O prejuízo pode ser significativo.

– É uma experiência que traz muito sofrimento, angústia, dor. Algumas ficam em choque, traumatizadas, isoladas, trancadas em casa, com sintomas depressivos, ansiosas. Com o acompanhamento, conseguimos reduzir os sintomas – ressalta Paula Mousquer, psicóloga do Hospital Conceição.

 

 

 

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