135

municípios

32,8%

da área do Matopiba

1,71

milhão de hectares (81,7% a mais do que o total de milho cultivado no RS em 2015)

4,28

milhões de toneladas de grãos (13% do total de grãos colhido pelo RS na safra deste ano)

Balsas

Força no campo e na política

A três mil quilômetros das origens, José Antonio Gorgen, o Zezão, tornou-se um dos principais empresários do Nordeste

Cinco meses antes de ser reeleita presidente do país, Dilma Rousseff chamou ao Palácio da Alvorada, em Brasília, cerca de 40 representantes do agronegócio. Entre os escolhidos, estava José Antonio Gorgen, 50 anos, conhecido como Zezão. O produtor e empresário hospeda a amiga e ministra da Agricultura, Kátia Abreu, nas visitas a Balsas, no sul do Maranhão. Na cidade com mais de 80 mil habitantes, um dos polos no Matopiba, é só pedir pelo Zezão que todos sabem indicar onde ficam os negócios da Risa – uma das maiores empregadoras do município.

Com jeito simples e bom de papo, Gorgen construiu um conglomerado a mais de 3 mil quilômetros da terra natal, 70 mil hectares, o empresário é dono das únicas misturadoras de fertilizantes no sul do Maranhão e do Piauí, de 160 caminhões e de revendas de máquinas e agroquímicos.

O último investimento foi uma indústria de adubos no porto de Itaqui, em São Luís (MA), por onde boa parte da produção é exportada. Fornecedora de todos os insumos agrícolas, a Risa atua também no modelo de cerealista, ao negociar os produtos e receber em grãos.

– As empresas surgiram da necessidade daquilo que não tínhamos na região – contou Zezão, dias após voltar da China, onde visitou fábricas de fertilizantes.

O agricultor migrou para o Maranhão aos 19 anos, em 1984, na boleia de um caminhão modelo 1113, que serviu como “casa” por quase um ano. Na época, o pai, Severino – que morreu em 2000 –, vendeu 60 hectares que tinha no Sul e o ajudou a comprar 400 no Maranhão.

– Desde lá, só crescemos, ano a ano – diz Zezão, que coleciona miniaturas de caminhões para relembrar o passado e de corujas para “espantar maus olhados”.

Nos dias em que fica na sede da empresa, ele se divide entre conversas descontraídas com funcionários, visitas a fornecedores e telefonemas – um atrás do outro.

– Retorno todas as ligações que recebo. Quando não consigo falar na hora, mando mensagem – conta o produtor, que mantém um celular analógico, sem internet e com teclado grande para enxergar melhor.

A popularidade de Zezão em Balsas, onde divide opiniões entre nativos e conterrâneos, não vem só dos negócios, nos quais emprega 1,2 mil pessoas. Na última eleição municipal, em 2012, ele concorreu a vice-prefeito. Não foi eleito por diferença de 125 votos dos 53 mil eleitores. Passada a experiência, garante não querer mais concorrer a cargo público.

DIÁRIO DE VIAGEM

Quando passamos em Balsas, o Inter entrou em campo contra o Figueirense, pelo Brasileirão. Nos bares, televisões transmitiam o jogo para um público atento, que vibrava em cada lance. Uma prova de que, longe ou perto do RS, a paixão das torcidas colorada e gremista é a mesma.

Joana Colussi, repórter

Embora negue vocação para a política, mesmo tendo trânsito livre com políticos influentes, Zezão tem berço.

É irmão de Frei Sérgio Gorgen, deputado no Rio Grande do Sul pelo PT de 1999 a 2002 e que, diferentemente dele, apoia o MST e condena o uso de transgênicos na agricultura. Mas as diferenças ideológicas e o fato de Zezão ter sido oposição ao governo Dilma nas eleições passadas, garante o empresário, não impedem que os dois tenham boa relação.

Casado com Salete Terezinha Gorgen, natural de Carazinho e diretora-financeira da Risa, o empresário tem três filhos – todos nascidos no Maranhão. O mais velho, Anderson, 27 anos, já toma conta de boa parte dos negócios do pai. Allan, 20 anos, e Andrei, 18, seguem o caminho do primogênito. Mesmo longe do Rio Grande do Sul, Zezão conseguiu fazer os filhos herdaram a paixão pelo Grêmio e pela música tradicionalista. Em um dos dias de campo promovidos nas fazendas do grupo, ele fez questão de levar ao Maranhão a dupla Oswaldir e Carlos Magrão.

Com mais de 70 mil hectares, Zezão (no centro da foto) divide o comando da lavoura com os filhos

Concentração de grandes investidores

Embora a colonização agrícola em Balsas tenha iniciado na década de 1980, foi a partir dos anos 2000 que o agronegócio decolou no sul do Maranhão. Desde então, grandes empresas do setor, como SLC Agrícola, Agroinvest e Insolo, passaram a concentrar seus investimentos na região. Este impulso fez a área plantada de soja saltar para quase 140 mil hectares, segundo o IBGE – 2,7% do total cultivado da oleaginosa no Rio Grande do Sul na safra recorde de 2015.

Com as lavouras, que ganharam reforço da safrinha de milho, vieram comércios e serviços.

Hoje, o município é considerado um dos principais polos do agronegócio do Matopiba, com todas as principais fornecedoras de insumos e máquinas instaladas na cidade. Agora, o caminho será transformar os grãos em insumo para fortalecer a produção de carnes na região, aponta Valdir Zaltron, presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Balsas (Sindibalsas).

Natural de Santo Ângelo, Zaltron acredita que os investimentos em indústrias de ração animal e de criação de aves, suínos e bovinos devem ganhar força.

A evolução será natural, assim como foi nos Estados produtores do Centro-Oeste.

VALDIR ZALTRON, presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Balsas, que migrou com família em 1983 para Rio Verde (GO) antes de ir para o Maranhão

Quando chegou a Balsas, em 1999, a cidade começava a despontar para o agronegócio com o plantio de soja. Antes disso, especialmente durante a década de 1980, muitos produtores gaúchos que migraram para plantar arroz no sul do Maranhão não haviam tido sucesso porque a oferta do cereal ficou bem acima da demanda. O revés forçou boa parte deles a retornar para a terra natal.

Alento para os retirantes

Ao dar vida a uma nova economia em regiões historicamente castigadas pela pobreza, o agronegócio passou a ser também um alento para nordestinos retirantes.

Trabalhadores que tinham na migração para o Sudeste a única opção para garantir emprego e melhorar de vida passaram a conseguir oportunidades mais perto de casa.

Nascida em Balsas, no sul do Maranhão, Regina Silva Ribeiro, 43 anos, teve de deixar dois filhos pequenos com a mãe em 1988 para trabalhar em Belo Horizonte (MG). Por lá, permaneceu 13 anos trabalhando na casa de uma família.

– Não tinha opção em Balsas e precisava ganhar algum dinheiro para poder mandar aos meus filhos – lembra Regina.

Até que, em 2001, em uma das visitas de férias à família, percebeu que a cidade natal poderia lhe oferecer um futuro diferente de quando havia ido embora. E retornou. Desde então, a maranhense não ficou um dia sequer sem emprego. Cozinheira de mão cheia, Regina passou a trabalhar em fazendas da região.

– Sempre com carteira assinada, com todos os direitos garantidos – orgulha-se.

Desde que retornou ao Maranhão – hoje ela trabalha em uma fazenda distante mais de 100 quilômetros de Balsas –, Regina já comprou casa própria e motocicleta. O filho mais velho conseguiu emprego na agricultura, aprendendo a operar máquinas de alta tecnologia, como colheitadeiras e pulverizadores.

Avanço no campo fez com que Regina pudesse ficar no Nordeste para trabalhar de carteira assinada

O avanço do agronegócio também trouxe para Balsas o motorista de caminhão Manuel Gonçalves, 43 anos. Nascido no Recife (PE), o nordestino viajou 1,5 mil quilômetro até o Maranhão em busca de emprego. Ainda no período de experiência em uma empresa de logística, ele teve a carteira assinada recebendo R$ 2.570 mensais, sem contar alimentação e outros benefícios.

Se for efetivado, o salário passará para R$ 3.214. Até lá, Gonçalves teve autorização da empresa para dormir no caminhão, onde, todas as noites, olha com saudade as fotos da mulher e dos três filhos que ficaram em Pernambuco.

– Vou trazê-los para cá, junto de mim. Já me informei sobre emprego para a minha mulher – planeja o motorista, que, no Recife, acumulava, em média, R$ 1,5 mil por mês com fretes, sem nenhum direito trabalhista.

Os reflexos do agronegócio para geração de emprego e renda serão ainda mais visíveis se a região conseguir atrair mais indústrias do setor, o que é visto como possível para um futuro breve. Hoje, a maioria das vagas ainda está concentrada em comércio e serviços.

Crescimento desordenado

Enquanto a tecnologia nas lavouras e os investimentos privados na cidade fazem aumentar a robustez do agronegócio a cada ano, Balsas parece perdida em meio ao crescimento, sem saber para onde ir. O trânsito caótico, com ruas tomadas por buracos e mal sinalizadas, é um exemplo de que o progresso no campo ainda passa longe da cidade.

No principal acesso ao município de Riachão, pela BR-230, alguns trechos são quase intransitáveis. Por ali, diariamente, caminhões carregados de soja e milho fazem malabarismos para escoar a produção. Às margens da estrada, carros de ferro-velho abandonados e lixo jogado nas ruas são parte da paisagem vista por pedestres e motoristas.

A infraestrutura precária de Balsas vai de condições mínimas de mobilidade urbana, iluminação pública e saneamento básico até deficiências na comunicação, com sinais de internet e de telefone móvel limitados.

Produtores se ressentem de a cidade não ter se desenvolvido na mesma velocidade do agronegócio, a exemplo de municípios como Luís Eduardo Magalhães (BA) e Lucas do Rio Verde (MT). Moradores atribuem a situação à falta de investimento do poder público.

– Quem é do lado do prefeito tem calçamento na frente da casa. Quem não é, pode esquecer – afirma um produtor, que pediu para não ser identificado, citando a presença muito forte da cultura do coronelismo no Nordeste.

Distante quase 800 quilômetros da capital São Luis, Balsas tem campus da Universidade Federal do Maranhão, além de faculdades privadas. Boa parte dos filhos dos produtores, porém, estuda a mais de 1,3 mil quilômetro de distância, em Goiânia.

Os jovens mais abonados fazem o trajeto em aviões particulares das famílias, que pousam em pistas improvisadas nas fazendas, já que Balsas não tem aeroporto.

Festa junina e culto
ao bumba meu boi

Após meses de ensaios diários, quadrilhas juninas do Nordeste brasileiro pegam a estrada de junho a agosto para participar dos tradicionais concursos de São João. A cultura do bumba meu boi colore festas regadas a música, coreografia e figurino. O Junina Koroné, formado há 22 anos, é um dos grupos que representam Balsas nas competições realizadas em diversos Estados.

Com quase cem integrantes, a quadrilha junina viaja milhares de quilômetros em dois ônibus, além de fretar um caminhão-baú para levar o cenário da apresentação. E não recebe um centavo do poder público. Todo o patrocínio vem de empresas privadas, a maioria do agronegócio.

– É muito difícil fazer cultura aqui. Sem as empresas, não teríamos como manter o grupo – reclama a fundadora e coordenadora do Junina Koroné, Eurifran Silva Araújo, destacando que boa parte dos integrantes são jovens carentes que se dedicam a promover a cultura nordestina.

Sem ajuda do poder público, grupos são financiados por empresas, a maioria do agronegócio

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