Entrevista

Carlos Kremer

Presidente da Comissão Especial da Criança e do Adolescente da OAB

 

"Não é uma lei de punição. Tem caráter pedagógico e dá importância para a vítima"

 

Na opinião de Carlos Kremer, presidente da Comissão Especial da Criança e do Adolescente da seção gaúcha da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RS), a lei que institui o programa de combate ao bullying é promissora: privilegia a prevenção, e não as medidas punitivas. Habituado a um trabalho de divulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) junto a escolas, o advogado acredita que a disseminação de informações e a capacitação de profissionais para impedir e mediar conflitos são iniciativas de potencial transformador para o combate ao bullying.

– A nova lei traz uma cultura de paz, e não de conflito, de estimular a violência pela violência. Vejo-a com muito bons olhos – comenta.

Deverá haver um esforço das autoridades da área de ensino, segundo Kremer, para que o projeto seja efetivo:

– As resistências sempre vão acontecer em um primeiro momento. Há quem vai dizer que não vai funcionar.

 

"Estamos acostumados com a cultura da punição. Qual é a eficácia disso? Com o adulto, funciona? O sistema carcerário funciona para a punição? O indivíduo punido é ressocializado efetivamente ou volta a delinquir, pior do que quando entrou? Esse sistema a que estamos acostumados já não responde às expectativas da sociedade no sentido de reconstruir o indivíduo. Essa lei busca a reconstrução do indivíduo, quer que ele depare com o erro que cometeu e não volte mais a praticá-lo. Há uma eficácia maior."

 

Qual a relevância da nova lei?

Tem caráter pedagógico, que busca orientar. Não é uma lei de punição, não busca a responsabilização, mas não descarta essa possibilidade em casos mais graves. Institui um método alternativo de prevenção de conflitos que não o encaminhamento ao Judiciário, trabalhando de cima para baixo: secretarias de educação, conselhos de educação, escolas. Essa lei vem buscar a construção do indivíduo, fala da empatia. Quem pratica o bullying, quando colocado no lugar do outro, fica conscientizado do malefício que fez. A lei traz uma cultura de paz, conscientização, e não a punição.

 

Os críticos do texto destacam justamente isso: não há um caráter punitivo. Deveria haver?

É uma mudança de paradigma. Estamos acostumados com a cultura da punição. Qual é a eficácia disso? Com o adulto, funciona? O sistema carcerário funciona para a punição? O indivíduo punido é ressocializado efetivamente ou volta a delinquir, pior do que quando entrou? Esse sistema a que estamos acostumados já não responde às expectativas da sociedade no sentido de reconstruir o indivíduo. Essa lei busca a reconstrução do indivíduo, quer que ele depare com o erro que cometeu e não volte mais a praticá-lo. Há uma eficácia maior.

 

Como deve funcionar, na prática, para as escolas?

Vai ter de haver investimento em uma série de setores para que a lei seja eficaz. As escolas terão que investir mais em profissionais de psicologia para dar suporte e trabalhar com a vítima e o agressor. Vão ter que trazer os pais para dentro e fazer um trabalho de mediação. A grande novidade é essa: explorar mais a mediação entre o agressor e a vítima. Esta é uma alternativa de resolução de conflitos moderna.

 

A que estará sujeita a instituição de ensino que não tomar uma iniciativa?

Essa lei é uma carta de intenções. As escolas terão que se aparelhar com os seus conselhos de educação, que vão supervisionar a aplicação da lei e instrumentalizar as escolas, na medida do possível, para que os conflitos sejam prevenidos. Toda escola vai ter que se mexer a partir de agora. Nada funciona sem um suporte técnico qualificado. A lei pela lei, por si só, sem haver estrutura na escola, não vai funcionar. Ela está aí para ser cumprida, existem mecanismos para que seja cumprida. O Ministério Público, como fiscal da lei, poderá tomar uma iniciativa.

 

A conscientização e a mudança de comportamento levam tempo. O que fazer com os conflitos mais imediatos?

Temos instrumentos que já conhecemos e são implementados. O bullying não é uma coisa nova. A esfera penal tem ações próprias para combater os crimes contra a honra, como a injúria, a calúnia, a difamação. As famílias que se sentirem lesadas podem agir nesse sentido, mas essa é uma cultura antiga, que no meu modo de ver não é eficaz. A nova lei é uma mudança de paradigma, e sempre há uma resistência num primeiro momento. Demanda tempo até que esse ranço cultural anterior seja modificado. Vemos claramente isso no Estatuto da Criança e do Adolescente, que tem 25 anos e ainda enfrenta muita resistência, até mesmo dos professores. Demora, mas aos pouquinhos vamos conscientizando as pessoas com a informação. A nova lei é um novo caminho, um instrumento que atinge mais a cidadania. No sistema penal comum, quem tem importância é o agressor, se quer punir o agressor. O que a vítima passou não tem muita relevância. A nova lei dá muita importância para a vítima, busca a integração entre o agressor a vítima. É muito salutar.