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Corrupção e lavagem de dinheiro, práticas escancaradas pela investigação de desvio de recursos da Petrobras, evidenciam a necessidade de renovar as normas do sistema eleitoral

escândalo de corrupção na Petrobras reacendeu uma antiga discussão, que já não pode mais ser adiada: a necessidade de mudanças no sistema de financiamento de campanhas no Brasil. Procuradores e policiais federais envolvidos na investigação não têm dúvidas de que empreiteiras distribuíram propina na forma de contribuição eleitoral, em troca de favorecimento em licitações da estatal. Seriam as "doações-camaleão", nas palavras do procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Operação Lava-Jato.

 

Ou seja, a engrenagem desenhada para financiar a democracia no país dá margem a irregularidades (como a lavagem de dinheiro) e a distorções (como a crescente influência de grandes corporações no processo eleitoral).

 

Ao permitir depósitos privados sem fixar um teto nominal, o sistema estimula a competição desmedida por recursos. Candidatos acostumaram-se à lógica perversa do "se elege quem tem maior caixa", e o resultado são campanhas com custos estratosféricos. Na avaliação do cientista político Wagner Mancuso, da Universidade de São Paulo (USP), o país vive um dilema.

 

Se há consenso de que o atual modelo não serve mais, sobram dúvidas sobre qual seria a melhor opção.

– As pessoas querem coisas contraditórias: cortar o financiamento empresarial e, ao mesmo tempo, não colocar verba pública na história. É um diálogo de surdos. Sem contar que, no fundo, não dá para mudar isso sem mexer no sistema eleitoral – diagnostica Mancuso.

 

Diferentes projetos e ideias estão em debate. Há quem defenda a adoção do financiamento exclusivamente público, quem admita a participação de pessoas físicas e quem assuma manter o formato atual, mas com a imposição de limites capazes de dissipar a interferência empresarial. Todos têm argumentos robustos, contra e a favor.

 

Um deles tem o endosso de mais de cem entidades da sociedade civil, conta com 600 mil assinaturas de apoio, é subscrito por dezenas de deputados e surgiu a partir da iniciativa dos mesmos criadores da Lei da Ficha Limpa. Está no grupo dos adeptos do fim das doações de empresas.

 

– Na atual configuração, a relação do setor privado com o político não termina com a eleição. O tesoureiro não vai dizer para o empresário: "Olha, terminou o pleito, agora a gente não conversa mais". É o contrário. E é por isso que defendemos mudanças – afirma Luciano Santos, cofundador e codiretor do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE).

 

O sociólogo Wagner Romão, da Universidade Estadual de Campinhas (Unicamp), e o cientista político Bruno Speck, da USP, propõem algo parecido. Para eles, há duas saídas: estimular a maior participação dos cidadãos, permitindo o abatimento das doações no Imposto de Renda, e criar um fundo complementar, em que o Estado cubra os valores doados. Em teoria, isso obrigaria as siglas a correrem atrás dos eleitores, não apenas na hora do voto. Forçaria uma reaproximação e, quem sabe, remediaria a crise de representação.

 

Por outro lado, não há qualquer garantia de que apartar as corporações do processo extinguiria o caixa 2. E esse talvez seja o principal complicador de toda a discussão, porque nenhum modelo está livre de desvios e de contradições.

 

– Não cabe ter ilusões de que poderemos chegar a algum sistema 100% limpo e democrático. Isso não existe. Política é luta. Todas as disputas de interesses se resolvem, em última instância, no sistema político, e não cabe esperar fair-play universal – sintetiza o cientista político Bruno Reis, da Universidade Federal de Minas (UFMG).

 
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