Publicado em 10 de outubro de 2015
O Rio Grande do Sul foi uma espécie de berço dos dinossauros há centenas de milhões de anos. Da região, dinos migraram para o mundo inteiro.
textos
Ticiano Osório
EDIçÃO
Greyce Vargas
Design
Hélène Boittelle
ILUSTRAçÕES
Gilmar Fraga
animação
Leonardo Azevedo
programação
Guilherme Maron
Michel Fontes
Das 21 espécies de dinossauros até hoje descobertas e oficialmente documentadas no Brasil, cinco foram encontradas no Estado: Staurikosaurus pricei, Guaibasaurus candalariensis, Saturnalia tupiniquim, Unaysaurus tolentinoi e Pampadromaeus barberenai. Quase todos eram pequenos – raramente ultrapassavam dois metros de comprimento, da cabeça à ponta da cauda. As espécies gaúchas, porém, contam com uma diferença crucial em relação aos demais. Todos datam de 220 a 230 milhões de anos atrás, período em que, se acredita, os dinossauros surgiram no planeta.
Os dinos gaúchos são do período conhecido como Triássico, quando os continentes eram apenas um único bloco compacto conhecido como Pangea (do grego "todas as terras"). Nessa época, América do Sul estava unida à África, e era possível seguir da região de Porto Alegre até o local em que hoje está localizada a Cidade do Cabo, na África do Sul. Por este único supercontinente, os dinossauros podem ter se dispersado por todo o planeta, dando origem a outros grupos de dinossauros mais modernos.
Os primeiros dinos gaúchos eram bípedes, uma das principais diferenças em relação aos seus parentes mais próximos, os popossaurídeos, pterossauros e pseudossúquios. Nos milhões de anos seguintes, os diversos grupos de dinossauros ganhariam peso e tamanho, e por isso algumas das maiores espécies voltariam a andar sobre quatro patas. No Rio Grande do Sul, já foram encontradas pegadas desses répteis gigantes em regiões como Santana do Livramento e Rosário do Sul. Porém, em outros locais do mundo, há o registro de esqueletos, ninhos e ovos destes grandes dinossauros. Os maiores, pertencentes ao grupo dos saurópodos, dinossauros com pescoço e cauda muito compridos, são bem conhecidos principalmente nos Estados Unidos, na Europa, na África e na China. Aqui na América do Sul, os saurópodos eram muito comuns e há alguns dos maiores exemplares conhecidos, como o Argentinosaurus. No Brasil, há esqueletos de saurópodos, por exemplo, em camadas mais novas (do Período Cretáceo) de São Paulo, Minas Gerais e Maranhão.
A Terra teve origem há aproximadamente 4,6 bilhões de anos. Dividimos esse tempo em um calendário para que você possa entender a diferença entre o surgimento da vida na Terra:
As descobertas de dinossauros transformaram a região de Santa Maria em um ponto de importância mundial para os paleontologistas – os cientistas que estudam a vida no passado da Terra. Em outros locais do mundo, por que tantos fósseis têm surgido neste canto do planeta?
Em primeiro lugar, porque no período Triássico este pedaço de terra oferecia uma planície úmida e repleta de vegetação, o que atraía um grande número de répteis. Ali, viveram e morreram alguns dos primeiros dinossauros do planeta. Alguns esqueletos, que não foram mexidos por vento, chuva ou animais predadores, foram preservados e acabaram rapidamente soterrados por areia ou lama.
Esta é uma condição obrigatória para a fossilização, ao impedir que microorganismos consumam integralmente as ossadas. A porção central do Estado, por ser uma bacia sedimentar, ou seja, uma depressão para onde convergiam materiais orgânicos e inorgânicos, ofereceu as condições ideais para que tudo isso ocorresse.
Ao longo de milhões de anos, os ossos foram sendo fossilizados. Isso acontece quando a matéria orgânica vai sendo substituída aos poucos pelo mineral das rochas ao redor. O que os pesquisadores encontram, portanto, embora seja chamado de osso, é na verdade mineral de rochas que adquiriram o formato exato dos esqueletos dos dinossauros.
Aos poucos, esses fósseis soterrados vão novamente chegando à superfície.
1 Morte
Em meio ao período Triássico do Brasil (230 milhões de anos atrás), três indivíduos da espécie Saturnalia tupiniquim morreram, por causa indeterminada, em um local onde existia acúmulo de sedimentos (lama, tecnicamente chamada de silte).
2 Necrólise
Necrófagos (besouros, moscas, vermes etc) consumiram as partes moles da carcaça (vísceras, olhos, cérebro etc). Microorganismos consumiram a matéria orgânica restante.
3 Desarticulação
Com uma parte dos ligamentos e cartilagens eliminada, chuvas podem ter ajudado a desarticular parte dos ossos dos três espécimes. No exemplar mais completo, desapareceram os ossos do crânio, da ponta e do meio da cauda, parte das costelas e patas esquerdas. Esses ossos foram levados por água da chuva ou necrófagos, mas podem também ter sido degradados pela ação do próprio ambiente.
4 Soterramento
As carcaças foram enterradas em meio a camadas de lama. Isso protegeu os ossos restantes de enxurradas e da decomposição pela exposição ao ambiente. Aqui começou realmente a fossilização. Se o soterramento não tivesse acontecido, os processos da bioestratinomia continuariam: ossos seriam espalhados ou transportados para longe, danificados pelo transporte ou outros animais e lentamente dissolvidos pela água.
5 Compressão
Com o tempo, o peso dos sedimentos inicia a formação de rochas sedimentares. A água do subsolo irriga os sedimentos e os ossos neles soterrados. No caso do Saturnalia, a água penetrou nos ossos, por entre poros e cavidades, mineralizando cada espaço vago. Aos poucos, a água também retirou parte dos minerais originais dos ossos, substituindo átomo a átomo por outros minerais. O peso das rochas acumuladas expulsou a água do sedimento, comprimindo as camadas até que formassem uma rocha mais ou menos compacta. Com a estrutura de seus ossos mineralizada, preservados em meio à rocha, os esqueletos de Saturnalia tornaram- se esqueletos fósseis.
6 Erosão
Ao final do ciclo de acumulação de sedimentos, começaram os processos de erosão, que foram lentamente "comendo" a rocha, levando grãos embora. As camadas foram ficando expostas, até que os restos dos exemplares do Saturnalia foram descobertos.
7 Coleta
Paleontólogos regularmente visitam afloramentos em busca de fósseis novos, expostos pela erosão. É um processo que depende de um bocado de sorte. Mas os paleontólogos sabem onde procurar os fósseis. Assim aconteceu com o Saturnalia. Caso o fóssil seja exposto e não seja coletado, ele é destruído pela própria erosão ou ação do ambiente. O fóssil é patrimônio científico e, como tal, precisa ser protegido. Por isso, a coleta é feita com extremo cuidado e inclui o uso de ferramentas delicadas: pequenas brocas (como as de dentista), pincéis (para limpar a poeira) e espátulas.
8 "RESSURREIÇÃO"
Para montar uma réplica do dinossauro, para preencher os ossos com músculo e pele, os paleontólogos contam com o auxílio de paleoartistas – ou paleontógrafos, como alguns preferem, tomando distância da subjetividade da arte. Em desenhos, esculturas ou modelos digitais em 3D, eles representam as ideias paleontológicas sobre a anatomia, a aparência e os hábitos das espécies extintas.
Onde, quando e como foi encontrado
Jorge Ferigolo e Ana Maria Ribeiro, pesquisadores da Fundação Zoobotânica do Estado, faziam escavações na região de Candelária, procurando por ancestrais de mamíferos, quando encontraram casualmente os resquícios de um dinossauro.
Significado do nome
Réptil do Guaíba; candelariensis faz referência à cidade da descoberta.
Dando nome aos dinos
Dinossauros têm "nome e sobrenome". O primeiro nome indica o gênero e é pelo qual os animais são chamados. O segundo é, como explica o professor Marco Brandalise de Andrade, da PUCRS, "uma denominação mais exclusiva, como se fosse mais pessoal e menos geral. A primeira parte (por exemplo: Guaibasaurus), funciona como se fosse um sobrenome, enquanto que a identificação mais precisa é dada pela segunda parte (candelariensis).". Na hora de os paleontologistas batizarem os dinos, o mais comum para formar esse nome em duas partes é o uso de características distintivas da própria espécie, localidade em que foi encontrada, distribuição geográfica, homenagem ao descobridor ou algum pesquisador célebre ou até o hábito do animal.
Onde, quando e como foi encontrado
Em rochas ao lado da rodovia BR-508, nos arredores de Santa Maria (RS), durante o Carnaval de 1998. Uma equipe do Laboratório de Paleontologia da PUCRS procurava por fósseis de répteis e de peixes na Vila São José quando deparou casualmente com os resquícios de três dinossauros enterrados.
Significado do nome
Equivale, em latim, a Carnaval (quando a descoberta foi feita); tupiniquim é uma palavra Guaraní usada para se referir aquilo que é de origem das terras desta etnia, a grosso modo incorporada ao Português com o significado de “da terra Tupí” ou “natural do Brasil”).
Miniatura de gigante
Com porte semelhante ao de um bezerro, o Saturnalia é considerado um parente primitivo dos dinossauros saurópodos, um grupo que inclui os saurópodes gigantes – herbívoros quadrúpedes com corpos enormes, pescoços longos e cabeças pequenas. Entre eles, destacam-se o Brachiosaurus, o Diplodocus e o Argentinosaurus. Segundo os cientistas que fizeram a descoberta, na Argentina, o animal teria em torno de 40 metros de comprimento, 20 metros de altura e 77 toneladas.
Onde, quando e como foi encontrado
Nas proximidades de Agudo (RS), em 2004. O paleontólogo Sérgio Cabreira, da Ulbra, descobriu 91 fragmentos de ossos encrustados em uma rocha. Ele liderou o estudo de identificação da espécie, que uniu pesquisadores de quatro universidades – UFRGS, USP e UFMG, além da Ulbra.
Significado do nome
Pampadromaeus é "o corredor dos pampas"; barberenai homenageia o paleontólogo gaúcho Mário Barberena.
Pernas pra que te quero
A interpretação dos cientistas que trabalharam com os exemplares fósseis que foram encontrados desse animal é de que ele poderia ter penas. Mas seria uma pena muito simplificada, sem ser plumosa ou fofa. Bípedes corredores, gastavam muita energia, o que requer um metabolismo de um animal de sangue quente. Provavelmente, eram ágeis e velozes.
Onde, quando e como foi encontrado
Na localidade de Água Negra, em São Martinho da Serra (RS), em 1998. O aposentado Tolentino Marafiga localizou o fóssil quando caminhava por uma estrada. Acreditando que poderia se tratar de uma descoberta importante, chamou uma equipe da Universidade Federal de Santa Maria, que desenterrou o material.
Significado do nome
Réptil da água negra (unay, em tupi); tolentinoi homenageia o descobridor, o aposentado Tolentino Flores Marafiga.
Dinos colonizadores
O Unaysaurus reforça a convicção de que alguns dos primeiros dinossauros se desenvolveram em solo que hoje pertence ao Rio Grande do Sul, antes de se espalharem e dominarem o planeta por 130 milhões de anos.
– O Unaysaurus nos surpreendeu porque se parece mais com animais encontrados na Europa do que com outros achados na Argentina. Isso tem impacto sobre a tese da migração dos dinossauros – afirmou o paleontólogo Luciano Artemio Leal, um dos responsáveis pelo estudo do réptil.
Onde, quando e como foi encontrado
Em uma fazenda perto de Santa Maria (RS), em 1936, em uma área atualmente no limite leste do perímetro urbano da cidade, aonde passa a rodovia RS158. Os ossos foram descobertos pelo brasileiro Llewellyn Ivor Price, nascido em Santa Maria e radicado nos Estados Unidos desde os 15 anos. Como o trabalho fazia parte de uma expedição da Universidade Harvard, o material foi levado para estudo nos EUA. Foi descrito cientificamente somente em 1970.
Significado do nome
Pricei homenageia seu descobridor, o paleontólogo santa-mariense Llewellyn Ivor Price.
Pioneiro do Brasil
Um dos mais antigos dinos do mundo, o Staurikosaurus foi a primeira espécie deste grupo reconhecida no Brasil. Bípede, provavelmente veloz, atemorizava pequenos répteis e ancestrais de mamíferos nas planícies próximas a rios. No livro O Guia Completo dos Dinossauros do Brasil, o professor e paleontólogo Luiz E. Anelli descreve: "Tinha cabeça grande e mandíbulas com articulação extra, o que lhe permitia movimentá-la e m várias direções, tornando sua mordida muito eficiente. Os dentes comprimidos lateralmente, serrilhados e encurvados, eram capazes de agarrar e arrancar pedaços das presas".
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