Bruna Vargas / Reportagem
Michel Fontes / Design e programação
Guilherme Gonçalves / Design
Bruna Ayres / Edição de vídeo


Uma cena sobre duas rodas ilustra o ritmo da construção de ciclovias em Porto Alegre: em velocidade média, um ciclista levaria 15 minutos para percorrer tudo o que a prefeitura conseguiu aprontar em um ano de obras.

De maio de 2014 até maio deste ano, a colcha de retalhos formada pelas ciclovias e ciclofaixas da Capital ganhou menos de quatro quilômetros.
Não chega a 10% da meta da prefeitura para o período, 50 quilômetros. Menina dos olhos da Empresa Pública de Transporte da Circulação (EPTC), a ciclovia da Ipiranga não cresceu nenhum centímetro nos últimos 12 meses.

– Nós fomos muito otimistas. Tínhamos uma expectativa de evolução significativa, mas acabamos tendo uma redução em função de questões externas – justifica o diretor-presidente da EPTC, Vanderlei Cappellari.

Foto: Ricardo Duarte Para Cappellari, o imponderável é o principal fator para o atraso na implantação do Plano Diretor Cicloviário, existente desde 2009 – dos 495 quilômetros previstos no projeto original, apenas 24,735 estão prontos. A demora das contrapartidas de empreendimentos imobiliários, que representam boa parte dos recursos a serem investidos em ciclovias, além de obras "casadas" com projetos da Copa que não saíram do papel, seriam responsáveis pelo atraso em, pelo menos, quatro obras: Voluntários da Pátria, Avenida Tronco, Severo Dullius e Ipiranga, que conta com apenas 2,8 dos 9,4 quilômetros de seu projeto.

Enquanto as três primeiras não vingaram por estarem vinculadas a outras obras de mobilidade urbana que tiveram problemas, a Ipiranga aguarda por quatro contrapartidas para ser concluída. Para completar o desgosto de quem anda de bike, a principal ciclovia entregue no último ano – 1,8 quilômetro na Av. Loureiro da Silva – ostenta diversos problemas, como interrupções abruptas e trechos sobre as calçadas.

– Qualquer nova ciclovia é sempre muito importante, porque estimula novos usuários e dá visibilidade à questão. O problema é que, em Porto Alegre, 90% da malha cicloviária é construída pensando na melhor forma de não atrapalhar os carros – avalia Pablo Weiss, da Associação dos Ciclistas de Porto Alegre (ACPA).

Foto: Ricardo Duarte

Gerente de projetos da EPTC entre 2008 e 2010, quando foi aprovado o plano cicloviário da Capital, o peruano Emilio Merino acredita que o projeto original merece significativas atualizações para dar conta da nova realidade da cidade. Para Merino, quanto mais tempo se leva para construir as ciclovias planejadas, mais o plano inicial se torna obsoleto.

– O plano foi gerido em função de dinâmicas urbanas que já mudaram. É o momento de reavaliar, corrigir. Se uma ciclovia é muito mal feita, em vez de promover, pode anular o sistema. Não é um trabalho que possa levar 10, 15 anos – defende o urbanista, que presta consultoria em mobilidade urbana para cidades do Brasil e do Exterior.

Segundo Merino, na configuração atual, o projeto deveria ser repensado de forma a integrar modais, convergindo a malha cicloviária para terminais de ônibus, por exemplo, e favorecendo microrredes – redes menores, que interligam bairros próximos – em vez de um trajeto que atravesse toda a cidade. Além disso, o urbanista acredita que a prefeitura deveria investir em projetos de promoção do uso da bicicleta como meio de transporte, dando incentivos a empresas e usuários que privilegiem esse tipo de deslocamento.

Diante de tantos entraves, no entanto, a EPTC trabalha com metas cada vez mais modestas, e a curto prazo, para a implantação do Plano Diretor Cicloviário. Até o fim de 2015, por exemplo, a malha cicloviária da Capital a expectativa da empresa é que a malha cicloviária chegue aos 35 quilômetros – algumas das novas ciclofaixas já estão concluídas, como no caso da Rua Ignês Fagundes, na Zona Sul. A Ipiranga está entre as metas de entrega – as obras no local foram retomadas em maio, em um trecho de 1,5 mil metros isolado da parte já concluída.





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Depender de contrapartidas é passar
adiante o problema, diz especialista


A razão de a maioria das ciclovias em Porto Alegre levar do nada ao lugar nenhum – as faixas não se conectam –, segundo a EPTC, é que muitas rotas são construídas com dinheiro de contrapartidas exigidas das construtoras que inauguram empreendimentos na cidade. Esse processo, porém, é lento e prevê a execução de pequenos trechos em vez do trajeto inteiro. O construtor só precisa entregar sua parte da ciclovia 60 dias antes de receber o Habite-se – ou seja, a obra precisa estar pronta. Isto costuma levar meses, mas, em alguns casos, se estende por anos.

Foto: Ricardo DuarteBancar as ciclovias desta forma, em vez de investir diretamente, mostra o nível de importância que a bicicleta, enquanto forma de melhorar a mobilidade urbana, tem nas prioridades do gestor público. É a opinião do consultor em projeto urbano e diretor da faculdade de Arquitetura e Urbanismo Mackenzie (SP), Valter Caldana, que considera o atual modelo viário brasileiro um "cadáver insepulto".

Quando se opta por um recurso como o de contrapartidas, diz, há uma transferência de responsabilidade do prefeito, que acaba se expondo menos. Para ele, as grandes cidades brasileiras deveriam se apressar na implantação de um novo sistema.

– Nas décadas de 1980 e 1990, poderíamos ter ido com calma. Hoje, não se trata de discutir se está certo ou errado, mas de reconhecermos que (o modelo viário) faliu, é preciso fazer outro. A questão é que há determinados tratamentos que podem ser dolorosos e traumáticos, mas são absolutamente necessários – explica.

Segundo Caldana, casos como o de São Paulo, onde o prefeito Fernando Hadadd, em meio a polêmicas, construiu 200 quilômetros de ciclovias em um ano, são exemplo a ser seguido, porque aceleram o processo de demarcação do espaço urbano, dando às pessoas a chance de escolherem como preferem se deslocar.


– Indiscutivelmente, as cidades brasileiras estão num estágio em que têm que comprar briga, têm que fazer. Em São Paulo, houve uma decisão política de fazer, que é difícil, porque tem um custo político altíssimo. Mas isso faz parte da mudança: quando há ciclovias, as pessoas passam a poder decidir.
Esse é o avanço.



Já em Porto Alegre, a tentativa de assegurar verba do poder público exclusiva para as ciclovias bateu na trave. Nos últimos anos, a Capital chegou bem perto de consolidar uma segunda fonte de recursos para a construção de ciclovias, com a aprovação de uma emenda que previa que 20% do valor das multas de trânsito fossem destinados às obras.

O projeto, no entanto, foi rejeitado desde o princípio pela EPTC, que considera o valor excessivo – 20% representam, em média, R$ 6 milhões anuais. Com o valor, em um ano seria possível dobrar a quantidade atual de ciclovias em Porto Alegre – menos de 25km, hoje.

A lei nunca chegou a ser cumprida pela prefeitura, que foi condenada judicialmente a integralizar os investimentos e recorre da decisão na Justiça. Em 2014, a emenda foi derrubada, dando lugar a uma proposta do Executivo para um fundo cicloviário que acaba com o vínculo direto entre investimento e multas.

Foto: Ricardo Duarte

Agora, a EPTC aposta na criação do conselho gestor do Fundo Cicloviário, formado por integrantes da prefeitura e da sociedade civil, para pressionar empresários e definir os rumos das verbas públicas e de doações que devem entrar no caixa do fundo para acelerar a execução das obras. Os trabalhos, previstos para começar em fevereiro, ainda não iniciaram.

– O fundo vai criar um ambiente positivo e de pressão para executar rapidamente o plano cicloviário. Vamos notificar as empresas para que integralizem os metros devidos, seja em dinheiro ou em obras – defende Cappellari, que diz que a prefeitura deverá começar a depositar os valores devidos – não divulgados pela EPTC – quando o fundo entrar em vigor.

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Entrevista:
"Vão ter que pedir para Deus
para parar a ciclovia"
Jilmar Tatto, secretário de Transportes de São Paulo


Há pouco mais de um ano, uma pequena revolução se desenha na capital do carro no Brasil. Com a promessa de construir 400 quilômetros de ciclovias em São Paulo até 2016 – onde a frota de carros se aproxima dos 8 milhões – o prefeito Fernando Haddad (PT) resolveu não perder tempo. De 2014 até agora, a capital paulista já recebeu mais de 200 quilômetros de faixas exclusivas para ciclistas.

A Justiça questionou a rapidez com que o plano cicloviário criado pelo governo petista se alastrou por São Paulo, e chegou a expedir uma liminar que suspendeu as obras na Av. Paulista, onde é construída uma ciclovia no canteiro central, até que o projeto fosse detalhado pela prefeitura.

Da secretaria que virou a meca das polêmicas na capital paulista, o titular de Transportes, Jilmar Tatto, falou sobre o assunto com ZH. Veja como foi o bate-papo:



Como São Paulo fez para construir 200 quilômetros de ciclovias em tão pouco tempo?

Fizemos uma preparação. A cidade não tinha um planejamento cicloviário. Nós criamos um programa de construção de ciclovias. Fomos buscar experiências de fora, em Nova York e Buenos Aires, para encontrar um jeito de se fazer ciclovias que não custasse tão caro. Nosso orçamento é de R$ 800 milhões para 400 quilômetros, o que dá uma média de R$ 200 mil por quilômetro. Fizemos um projeto básico disso e estamos em plena execução.

Foi uma soma de vontade política mais projetos bem elaborados, porque isso está dentro de um plano maior, que estamos fechando agora, que é o Plano de Mobilidade. São Paulo comportaria 1,5 mil quilômetros de ciclovias, que já estamos planejando para ficarem prontos até 2030. E a execução disso, além de toda a parte técnica, inclui decidir aonde você vai fazer. Na calçada não pode, porque ela é sagrada para o pedestre. Na verdade, o que se discute, o que se disputa e o que é difícil é você ocupar o espaço do viário com a ciclovia. Então, você tira o carro estacionado.

Às vezes, dá para fazer no canteiro central. Mas o principal foi tirar a parte da via pública que estava sendo usada de forma privada. Na calçada, só há pequenas ligações entre avenidas, que, às vezes, a gente compartilha. Todo o esforço é para não usar calçada, a não ser quando tem que se fazer uma conexão, ou há uma obra maior, e então tem caráter provisório. O uso compartilhado a gente evita, porque o pedestre tem prioridade.



São Paulo é conhecida por ter uma cultura voltada para o uso do carro. Como é capitanear uma mudança tão radical?

Primeiro, é bom ter o apoio da população. Em pesquisas que foram feitas, de Ibope, do Datafolha, se viu que a população apoia a ciclovia. Mas você tem um setor da sociedade que é contra qualquer mudança, qualquer coisa que simbolize a modernidade ou que procure priorizar o transporte não-motorizado. Em São Paulo, ele age através dos comerciantes, da imprensa, do Ministério Público, do Judiciário, de setores da Câmara Municipal. Tudo isso é difícil. Senão tivesse o conflito, qualquer prefeito faria. É preciso ter vontade política e enfrentar.

São Paulo caminha para ser uma cidade moderna, aberta, que procura privilegiar o veículo não-motorizado em detrimento do motorizado. Isso é discutido nos conselhos, discutido com a população. Tem o conflito, ele é real. Mas o prefeito determinou. Estava no plano de governo dele fazer 400 quilômetros e ele está fazendo. É um jeito de ver a cidade. De um ponto de vista conceitual, é um jeito de governar.



Existem reclamações de usuários sobre piso, buracos e falta de manutenção nas ciclovias. Quantidade é mais importante do que qualidade?

Esse foi um debate que fizemos com cicloativistas: o que vocês preferem? O que se trata aqui é de segurança do ciclista. Desse ser invisível, que existe e que não tem espaço para circular. Ele não pode andar na calçada e, se anda no leito dos carros, corre risco de vida.

A discussão era a seguinte: vocês preferem 20 ou 50 quilômetros com drenagem, bonitinha, lisinha, uma bonequinha, tudo lindinho, ou fazer 400 quilômetros sinalizados, que deem segurança? Não é uma questão de não saber fazer. É uma questão de estratégia, do momento que nós estamos, que agora é de ocupação e de ampliação do espaço para o ciclista. A nossa opção foi fazer 400 quilômetros.

Ciclovias têm problemas? Algumas têm. Como a calçada, o corredor de ônibus, a via onde passa o carro têm problemas. Se você entrar no YouTube e verificar as fotos das ciclovias de Londres, lá também está cheio de problemas. Sabemos onde a gente quer ir e o que queremos implantar. Agora, você tem ciclovia que tem buraco, com uma parte que não tem drenagem, com asfalto ondulado. Mas é sinalizada, é segregada, portanto, tem segurança.

Nesse momento, é mais quantidade do que se preocupar com a qualidade pontual em alguns trechos. Em que pese, nós concordamos, tem que fazer (ajustes), tem que arrumar. Mas isso é mais fácil. O difícil é ocupar o espaço público.



Recentemente, o Ministério Público suspendeu a construção de ciclovias, questionando a falta de planejamento. Como as ciclovias estão sendo projetadas?

Toda ciclovia tem projeto, que é feito por engenheiro, com um técnico qualificado, que diz que ali tem que ser implantado daquela maneira. Que dê segurança, conforto, e tenha uma sinalização adequada para o ciclista. Nenhuma ciclovia foi ou está sendo implantada sem projeto.

Quando isso foi questionado na Justiça, nós apresentamos a documentação e o Judiciário derrubou a liminar ou, em alguns casos, nem aceitou os argumentos da promotora. Tanto é que não perdemos nenhuma.

Tentaram paralisar as ciclovias, mas não conseguiram. Tentaram na Câmara, no Tribunal de Contas, no Ministério Público, no Judiciário e não conseguiram. Acho que agora não tem mais o que fazer. Vão ter que pedir para Deus para parar a ciclovia.



Quem é contra as ciclovias em São Paulo?

Aqui é a oposição, uma parte dela. Também tem alguns comerciantes que se sentiram prejudicados porque usavam o estacionamento como espaço privado. E o próprio Ministério Público.



As pesquisas indicam que a maior parte da população de São Paulo apoia as ciclovias, mas esse número vem diminuindo desde o começo do governo. A que a prefeitura credita isso?

Acho que, em parte, é pela partidarização do assunto. Ciclovia não tem que ser partidarizada. Aqui, a oposição e a grande imprensa fazem oposição. E temos um governo de esquerda. Em Buenos Aires, o governo é de direita e quem critica ciclovias é a esquerda.

Não é um problema partidário, de ideologia, tem a ver com a cidade, com a qualidade de vida dela. Quando você partidariza, vira time de futebol, vira Grêmio e Inter. O próximo governo tem que fazer mais 400 quilômetros, ou quem sabe, 600. Não importa quem ganhe. Veio pra ficar e tem que ser ampliado, melhorado. É assim que tem que ser.



Mas a pesquisa é com a população, não só com setores políticos.

Talvez (tenha diminuído) porque o debate não estava colocado antes. Você mesmo falou, que a cidade de São Paulo é uma cidade do carro. Quando você tira o espaço do carro e coloca uma bicicleta, tem uma parte que não vai concordar com isso, na prática. É um problema de acomodação. Mas não temos que fazer políticas públicas em cima de pesquisa.

Não fizemos uma pesquisa antes, perguntando se a população ia aprovar a ciclovia ou não. Porque é algo que é bom para a cidade, está dentro de uma tendência mundial e do plano nacional de mobilidade privilegiar o transporte não-motorizado, que não polui. É em função disso que você tem que implantar.



O senhor falou em um conceito de cidade que é maior do que a questão das ciclovias. Em relação à mobilidade urbana, o que isso significa?

São Paulo caminha para ser uma cidade mais democrática, para que a ocupação do espaço público seja realmente de todos, e não de algumas pessoas. E que todos tenham direitos, mas principalmente pedestres, veículos não-motorizados e transporte público, que são a maioria. Que todos possam conviver de forma democrática e tenham um espaço democrático.

Quando se fala em mobilidade, você tem que pensar em mobilidade das pessoas, e não em mobilidade de carros, não em mobilidade de lata. Isso que às vezes é difícil de as pessoas entenderem.

O viário tem um espaço suficiente. O problema é que 80% do espaço está sendo ocupado por nem 10%, que é o usuário do carro. Você tem que diminuir o espaço dele, que é demais. Ele tem uma pessoa dentro, mas ocupa o lugar de oito. E quando se faz um viaduto, uma ponte, um túnel de R$ 80 milhões, R$ 120 milhões, R$ 200 milhões, ninguém discute. Para ciclovias, discute. É desproporcional.


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Cadê o estacionamento?


Foto: Bruna Vargas Se as ciclovias começam a se consolidar em Porto Alegre, saber onde estacionar a bike segue sendo um dilema para os usuários da magrela. Paraciclos ainda são artigo raro, inclusive, nas proximidades das faixas exclusivas.

Mesmo nas ciclovias localizadas em zonas mais comerciais, como as da Cidade Baixa, do Centro e do Bom Fim, os exemplares são escassos. E, em muitos casos, sua ausência é fruto da resistência dos comerciantes às ciclovias.

Motivo de polêmica entre parte dos comerciantes da Cidade Baixa, a ciclovia da Rua José do Patrocínio, é um exemplo emblemático. Meses após sua implantação, apenas um estabelecimento, um café entre as ruas Luiz Afonso e Alberto Torres, investiu em um lugar para os clientes prenderem suas bikes, localizado para dentro do portão. Na parte externa de uma sorveteria à esquina com a Rua da República, dois antigos paraciclos (foto acima) jazem depredados e acabam ignorado por ciclistas.

– Acho que (os paraciclos) foram colocados por uma associção, já faz alguns anos. O pessoal até usa, mas, como tem poucos lugares, a maioria fica em pé na rua, segurando a bicicleta – conta João Klein, que abriu o negócio na José do Patrocínio há 37 anos.

Seu João conta que há mais clientes sobre duas rodas hoje que na época em que abriu a sorveteria. Apesar de não ter mobilizado esforços para reativar o estacionamento alternativo, comerciante, que vê a bicicleta como uma "febre", trata do assunto com empatia: ele diz que instalaria paraciclos no local caso os clientes pedissem.

Foto: Bruna Vargas Já Sirlei Volpato Vivan, dona de uma loja de produtos coloniais a duas quadras da sorveteria, acha que o movimento de ciclistas ainda é pequeno para investir em estrutura para estacionar bicicletas. Mesmo com o filho indo trabalhar de magrela todos os dias – e amarrando o veículo à grade da loja –, ela preferiu não instalar paraciclos em frente ao local (foto ao lado):

– Os clientes não vem de bicicleta, ou, se vêm, amarram na grade, como o meu filho. Mas se tivesse uma articulação dos comerciantes para colocar, eu seria a favor – diz, a microempresária, que acredita que seu movimento diminuiu após a colocação da faixa exclusiva na via – e retirada de parte do estacionamento para carros.

O olhar ainda desconfiado de boa parte dos comerciantes em relação às ciclovias é natural, segundo especialistas. E faz parte de um processo de mudança de cultura pelo qual passaram grandes cidades que investiram na mobilidade urbana em bicicleta, como Amsterdã, Paris e Londres.

Para Ricardo Corrêa, urbanista e autor do livro A Bicicleta e as Cidades, parte do receio do comércio tem fundamento. Estudos realizados em outros países mostram que o efeito das ciclovias sobre as lojas costuma ser negativo no primeiro ano. Aos poucos porém, a tendência é estabilizar o movimento, até que, finalmente, se chega ao crescimento real, que, em alguns lugares, atinge os 30%.

– As pessoas querem conforto e segurança, seja qual for o meio pelo qual se deslocam. Quando os comerciantes perceberem que eles podem se apropriar disso, o poder público também terá de responder. O que se vê ao redor do mundo é que a contracultura, primeiro, vira oportunidade. Depois vira cultura – avalia o urbanista, que pedalou mais de mil quilômetros na Capital para coordenar a elaboração do Plano Diretor Cicloviário Integrado (PDCI) de Porto Alegre.


Mas nem só o medo de perder a clientela rege o comportamento dos comerciantes na Cidade Baixa. Em um fim de tarde frente de um bar especializado em drinks, na Rua General Lima e Silva, uma dúzia de bikes presas a dois paraciclos – os únicos da quadra – chamam a atenção de quem passa pela rua.

As estruturas, instaladas pelo dono do bar, Lourenço Testa, há cerca de um ano, tinham como objetivo suprir a necessidade de funcionários e clientes. Mas, na prática, ganharam adeptos variados, como moradores da vizinhança.

– Sempre incentivei os funcionários a virem de bike, mas as bikes presas à grade atrapalhavam a entrada e a saída no bar. Hoje, se eu tivesse mais um paraciclo, ele estaria cheio também. O fato de as pessoas usarem a bicicleta não siginifca que elas não querem fazer isso. Se tu montas qualquer estrutura, elas acabam usando mais – diz Testa, que usa a ciclovia da José do Patrocínio para se deslocar entre sua casa e seu negócio, no mesmo bairro.


Como deve ser um paraciclo


De acordo com a legislação vigente na Capital, é permitida a colocação de paraciclos e bicletários nos logradouros públicos por proprietários ou comerciantes, desde que observadas as seguintes condições:





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paraciclos ainda engatinham


Ciclista desde que se conhece por gente e cicloativista há cerca de 20 anos, Janaísa Cardoso encontrou um jeito próprio de protestar contra a falta de bicicletários e paraciclos nos estabelecimentos comerciais que frequentava. Em 2012, ela criou o blog Bicicletários Imaginários, no qual posta fotos de locais onde é preciso improvisar estacionamentos por falta de estrutura adequada.

Mas a iniciativa, que já reúne mais de 600 imagens – parte delas se transformou em uma exposição – surtiu resultado em poucos casos. Apenas algumas lojas de grandes redes de supermercados se equiparam após sucessivas relcamações.

– Também já aconteceu o contrário. De ir em um lugar que tinha e depois retirarem. Mas eu tenho visto que tem um pessoal do comércio que tem colocado a estrutura – observa.

Viabilizar a colocação de bicicletários para além da boa vontade dos comerciantes, por outro lado, não é tarefa fácil. Criada em 2014, uma plataforma virtual de financiamento coletivo na qual as pessoas podiam indicar locais para a instalação de paraciclos e contribuir com cotas de R$ 10 para torná-los realidade chegou a 2015 sem conseguir financiar nenhum exemplar.



Para não deixar a causa morrer, o grupo Cicloatividade, que criou o crowdfunding, partiu para a iniciativa privada. Com a ajuda do empresariado, já foram instalados 31 paraciclos, a maior parte na região central e em frente a estabelecimentos comerciais. E o Cicloatividade continua negociando a instalação de novas estruturas.

– Esperávamos um pouco mais de engajamento das pessoas, o que, infelizmente, não aconteceu. Não sei se não entederam como uma responsabilidade do Estado ou da prefeitura. Mas se as empresas estão interessadas em ajudar, ótimo – diz o publicitário Leandro Mello, que coordenou a ação, à época, vinculada ao departamento de marketing de um sindicato.

Desde o ano passado, a Empresa Pública de Transporte e Cicrulação (EPTC) também tem instalado paraciclos pela cidade. Colocados juntos a terminais de ônibus, no entanto, boa parte dos 22 primeiros a serem implantados passaram meses às moscas, sem que as pessoas assimilassem sua utilização. Na próxima leva, porém, a empresa deve mudar de tática. A ideia é instalar estruturas em pontos como secretarias da prefeitura, hospitais municipais, alguns postos de saúde e UPAs.