"Estou aqui desde o verão. Janeiro eu vim para cá. Antes, estava na casa do meu ex-namorado, que me ajudava. Daí a gente não ficou mais junto. Tive uma doença de pele e estava na casa dele por isso. Não pude voltar a trabalhar na boate. Eu faço programa.

É a primeira vez que moro na rua. Nunca me aconteceu isso. Sempre pagava meu hotel. Só que aí fiquei sem ganhar dinheiro e não pude pagar o meu hotel.

Aconteceu isso, essa doença de pele. Fui fazer meu trabalho, sempre normal. Aí, quando fiquei doente, não fui trabalhar na noite. Entendi a situação que eu estava, só não sabia que ia ficar sem grana para pagar hotel e comer. Eu faço o programa, ganho dinheiro na boate e pago os lugares para ficar.

Sou da boate. Da noite mesmo. Na Farrapos. Mas agora, doente, não. Eu não sabia o que acontecia comigo. Aí, fiquei doente, onde vou dormir, o que eu vou comer, o que eu vou fazer? Como estava na casa desse ex-namorado, não fiquei preocupada onde eu ia ficar, porque ele me ajudava e eu ficava lá com ele. Só que depois, na empresa dele, teve uma obra, ele ficou sem ter como me ajudar, aí eu não pude ficar com ele.

E não pude fazer programa para me sustentar. Fiquei apavorada e vim comer a comida com os mendigos da rua. Eu estava apavorada. Digo, vou comer comida com os mendigos, vou comer o quê?. No aperto da fome, eu vou comer o que puder, entendeu?

Eu não tinha experiência de nada de rua e aí fui procurar o que era. Vi o pessoal que já estava, eles entregavam comida, só que eu não sabia como é que era. Parecia que tinha e não tinha. Comecei a ir em vários endereços. Eles me falavam: 'Lá no Centro, vai lá perto da igreja'. Todos os dias eu procurava o horário e a comida.

Era cada dia num lugar diferente. Aí estava dormindo na rua, eu chegava, não sabia os horários, ficava sem comida. Ficava o dia inteiro sem comer. Fui procurando, aprendendo a hora e o dia certos.

Tenho família, só que a minha mãe _ eu não estou morando com ela porque estava na boate. Quando eu saí de casa para morar na boate, falei: 'Mãe, olha, vou trabalhar na boate'. Eu não saí de casa para ir embora, tu não estás entendendo, não é sair de casa para ir embora de casa, eu fui de casa para trabalhar na boate, com 22 anos.

Mas essa doença da minha pele, nunca pensei que eu ia viver isso.  Trabalhei bastante tempo. Morava na boate. Aí aconteceram uns problemas no trabalho, fiquei sem meu quarto na boate e tive que morar no hotel. Continuei trabalhando na boate até dar o problema. Para mim, foi tudo normal. Eu sou completamente normal. Só que os problemas que aconteceram foram estranhos.

Estou aqui provisoriamente, não é por muito tempo. Mas tem pessoas que estão necessitadas. Pensam que é só botar no albergue e jogar lá para dentro. Não é assim. Tem que ter vontade de ir para lá. Querem tirar as pessoas daqui e botar no albergue, mas a pessoa tem de ter vontade. Eu não gosto de albergue. Porque eu acho que é muito preso, fechado, eles querem controlar as pessoas. E as pessoas querem ir e querem voltar sem controle, entendeu? As pessoas querem ter o seu compromisso próprio de ir lá e voltar. As pessoas querem poder respirar. Então enfrentam um pouco de perigo na vida, na noite, na rua, só para poder ter um pouco de liberdade."