O dia em que a praia do Cassino virou o centro do mundo

Neste 12 de novembro, completam-se 50 anos do Projeto Eclipse, a missão da Nasa que lançou 14 foguetes de uma base montada no litoral gaúcho. É uma história que resiste sobretudo na memória de quem a testemunhou.

Duzentos e cinquenta – talvez até 380 – cientistas da agência espacial norte-americana, a Nasa, reuniam-se diante do Oceano Atlântico quando começou a contagem regressiva. Exatamente às 10h seria dada a largada de um dos maiores experimentos realizados em plena corrida espacial: o lançamento de foguetes de sondagem antes, durante e após um dos raros momentos em que a Lua se interporia entre o Sol e a Terra, fazendo com que o dia virasse noite. Munidos de equipamentos capazes de registrar características das camadas mais altas da atmosfera, 14 projéteis viajariam céu acima por mais de 100 quilômetros, enviariam informações aos radares instalados em solo e, segundos depois, mergulhariam no mar.

O eclipse solar total de 12 de novembro de 1966, há exatos 50 anos, não teve mais do que 24 minutos de obscuridade parcial e 120 segundos de escuridão total. Mas tratava-se de chance única para a realização de estudos que não poderiam ser feitos em condições normais, devido à intensa luminosidade do Sol. Por isso, foi motivo de investimento de uma fortuna de dólares, que possibilitaram o chamado Projeto Eclipse. Partiram dos Estados Unidos navios e aviões carregados de pesquisadores e mais de 800 toneladas de maquinário. Foram necessários três meses para que instalassem e testassem todo o material em um ponto estratégico, que por semanas chamou a atenção do noticiário mundial: um terreno colado à orla da praia do Cassino, no litoral do Rio Grande do Sul.

Tem gente com pé atrás que considera esta mais uma das tantas lendas que correm pelas ruas de Rio Grande, município ao qual pertence o balneário que já levou a alcunha de Cabo Canaveral Gaúcho – uma referência à famosa faixa de terra na Flórida de onde são lançados os foguetes e as naves espaciais dos EUA. Dá para entender o porquê: quem hoje busca o local que colocou o Brasil nos registros da Nasa encontra um terreno tomado pelo mato. As plataformas que por alguns dias de 1966 abrigaram lançadores, antenas e prédios de radares, sistemas de comunicação e geradores de energia são agora ocupadas por quero-queros, que, com rasantes, afastam os eventuais intrometidos.

Uma parte das informações que restaram é desencontrada – como a que diz respeito ao número de cientistas que os EUA mandaram para passar a temporada no RS. Outra virou enredo de um romance fictício escrito há anos e, recentemente, de um livro digital que, diz o autor, até agora ninguém baixou para ler. São memórias que não ganharam um museu para abrigá-las, mas resistem firmes na lembrança daqueles que, de uma maneira ou outra, acompanharam o projeto de perto. No caso de Ubiratan Freitas, então cabo do exército brasileiro, bem de perto: ele foi guardião dos equipamentos e da estrutura montada pelos cientistas.

– Acompanhei tudo desde o princípio, quando um navio enorme chegou no porto de Rio Grande. Tinha uns três andares. Nos dias em que eles faziam o descarregamento do material, distribuindo para diversos locais, eu ficava lá cuidando. Eram contêineres grandes, brancos, com “Nasa” escrito na lateral. Um caminhão engatava em cada um deles e seguia. Todas as plataformas vieram desmontadas. Depois tirei serviço nas bases americanas no Cassino, passava os dias e as noites rondando a área, e até acompanhei lançamentos de foguetes que foram feitos antes do dia, como teste. Tudo era novidade – lembra Freitas, aos 74 anos.

O antigo cabo hoje é fotógrafo do 6º Grupo de Artilharia de Campanha (GAC) de Rio Grande. Coleciona uma série de fotos próprias, mas o acervo que considera de maior valor ele herdou do irmão, o jornalista Tibiriçá Freitas, morto há 10 anos. O tesouro é uma série de imagens feitas por Tibiriçá, algumas aéreas, dos preparativos para o 12 de novembro.

Tibiriçá era um aficionado pelo mundo dos foguetes. Em 1966, teve o privilégio de cobrir o Projeto Eclipse para a Rádio Minuano, de Rio Grande, narrando inclusive os lançamentos dos projéteis. Os recortes de jornais e documentos carimbados pela Nasa que guardou ao longo da vida, e que agora estão nas mãos de Ubiratan, contêm informações importantes. Elas trazem os pormenores desta história.

Durante a disputa com a União Soviética (URSS) pela supremacia na exploração e no desenvolvimento da tecnologia espacial, os EUA explicitaram ao governo brasileiro o interesse em estudar o eclipse. Assim, em 1965, foi elaborado um plano de colaboração técnica entre os dois países. Ao Brasil, representado pela então Comissão Nacional de Atividades Espaciais (Cnae), hoje Instituto Nacional de Pesquisas  Espaciais (Inpe), caberia fornecer transporte e todas as facilidades locais possíveis – entre elas, a comunicação entre as estações que abrigavam os pesquisadores.

– Cientistas se instalaram em 24 estações que estavam na área que seria coberta pela sombra do eclipse. E elas precisavam se comunicar entre si, só que não existia na época DDD e DDI, sistemas de discagem direta à distância e internacional. E aí tivemos de fazer tudo por radioamadorismo. Na época existia uma lei que não permitia estrangeiro falar por rádio em território brasileiro, mas não tinha como arranjar intérpretes de alemão, holandês, francês. Então abrandaram essa norma e as estações funcionaram – relata o coordenador-geral de todo o Projeto Eclipse, o então diretor científico do Cnae, Fernando de Mendonça, hoje com 92 anos.

Os EUA comprometeram-se em ceder o material a ser utilizado, bem como técnicos e pesquisadores, que se dividiriam em três funções. Além dos encarregados pelo lançamento dos foguetes e operações desenvolvidas na base do Cassino, seriam formadas equipes de observação em solo, principalmente em Bagé, na Campanha, município que ocuparia o centro da faixa sombreada pelo eclipse. O terceiro grupo tinha a missão de decolar em um avião Convair 990 e em quatro boeings KC-135 (um deles saindo de Porto Alegre), e seguir a mancha do eclipse até o Atlântico, elevando assim o tempo de observação do fenômeno – um dos aviões decolou de Porto Alegre, para onde retornou somente sete horas mais tarde. Todas as aeronaves abrigavam equipamentos que permitiram fazer registros dos efeitos da sombra e da luz na ionosfera. Só uma operação deste tamanho daria conta de realizar estudos sobre os distúrbios da borda solar e seus efeitos no ambiente terrestre, sobre meteorologia, geomagnetismo e sistemas de comunicações. Pesquisas semelhantes também seriam realizadas, ainda que em menor escala, em Tartagal, província de Salta, Argentina. O que se fala por aí é que a “Nasa esteve em solo gaúcho”. A verdade é que a operação também teve grande participação de outras duas instituições norte-americanas: a Defense Atomic Support Agency (Dasa), órgão encarregado pelo desenvolvimento de foguetes, e a Sandia Corporation, empresa responsável por tecnologias nas áreas de armas nucleares, energia, clima e infraestrutura de segurança. E se rio-grandinos e bajeenses daquela época lembram-se até hoje de como as cidades ficaram repletas de estrangeiros é porque pesquisadores de nove países desembarcaram no Rio Grande do Sul para o Projeto Eclipse, sendo recebidos com olhares curiosos por parte da população. – Rio Grande se encheu de americanos, uruguaios, argentinos, gente de tudo o que era país, da Itália, da Holanda... Cruzávamos com eles pelas ruas, e víamos que era gente diferente, mais brancos, loiros e altos. Mas no geral não se tinha muito mais contato do que nestes momentos – conta Alfredo Perez, hoje engenheiro mecânico. O jovem Perez daquela época assinava revistas científicas, estava por dentro dos últimos acontecimentos da corrida espacial e até se aventurava na confecção de foguetes – que provocaram explosões significativas, garante ele. Mas quem viveu a experiência mais de perto foi um amigo, Fernando Castro, que por falar inglês assumiu uma função especial. – Havia um curso de idiomas bastante forte na cidade e, como eu tinha estudado lá e sabia falar, acabaram me chamando para ajudar no que fosse preciso. Não havia nada técnico. Éramos cerca de 20 jovens, eu tinha uns 17 anos, ficávamos sentados em uma rua próxima à base de lançamento esperando eles chamarem quando precisassem. Nosso papel era indicar restaurantes na cidade, levá-los até lá, tirar dúvidas. Nós achávamos que ganharíamos por isso, mas no fim descobrimos que era trabalho voluntário – sorri Castro. Um mês antes dos lançamentos dos foguetes que viriam coroados pelo eclipse, as notícias da versão miniatura do Cabo Canaveral tomaram conta do noticiário. O clima de euforia espalhou-se em Rio Grande e Bagé. Não se falava de outra coisa. Em 13 de outubro, o jornal Correio do Sul, da cidade da Campanha, anunciava: “Eclipse do dia 12: a quase totalidade dos experimentos de terra será feita aqui”. As informações eram de que três torres de observação estavam sendo instaladas em Bagé, equipamentos avaliados em 200 milhões de cruzeiros (R$ 2,2 milhões). Dois dias depois, uma nota publicada informava que os estrangeiros haviam sido convidados para bailes e jantares. Em Rio Grande, escolas faziam visitas às bases de lançamento durante os preparativos, levando crianças para mais perto daquilo que viam nos gibis de ficção científica. O escritor Ivonei Peraça tinha 12 anos quando circulou pelos contêineres e plataformas de lançamento no Cassino. Pequenino diante dos foguetes que mediam até 10 metros de altura, não conteve a admiração: – O homem está indo para a Lua. Isso só aconteceria três anos mais tarde. Mas o sentimento que invadiu o guri na ocasião foi o de estar diante de um feito tão memorável quanto. As lembranças daquele dia viraram histórias contadas e repetidas um sem número de vezes para o filho, o cartunista Wagner Passos, 37 anos. Por conta dos 50 anos do evento, pai e filho uniram-se em mais uma parceria: retratar o Projeto Eclipse em uma série de tirinhas. – Tentei recriar o imaginário de uma criança nesta época, antes dos eletrônicos, impressionada com tudo o que estava acontecendo bem perto dela – afirma o cartunista. Dia 12 estava cada vez mais próximo, e a imprensa se esmerava em alertar a população sobre os riscos do eclipse para a visão. As páginas traziam manuais de como confeccionar óculos de Raio-X e de vidro esfumaçado – o processo consistia em queimar o material com a chama de uma vela até que ficasse enegrecido. Observar o fenômeno a olho nu ou com óculos solar, nem pensar.
Hotéis lotados, óculos de papelão e 120 segundos de escuridão total Um evento-teste foi realizado na praia do Cassino no sábado anterior ao grande dia. Projéteis subiram e caíram no mar como o esperado, soldados de Rio Grande e Pelotas ocuparam postos estratégicos no local, o tráfego de veículos foi proibido nas proximidades da base, e o público, orientado: “Ninguém poderá ultrapassar as demarcações”. À imprensa, foi reservado um palanque a 600 metros dos lançadores e, aos curiosos, uma área a 800 metros. Ninguém falhou. De Porto Alegre, o fenômeno só poderia ser observado através de uma luneta astronômica, instalada pelo Instituto Astronômico do Rio Grande do Sul. Se chovesse ou em caso de muita nebulosidade, tanto a observação técnica dos estrangeiros em Bagé (a essa altura eles já haviam até dançado em um baile tradicionalista) quanto o programa da multidão que pretendia se reunir na praia do Cassino ficariam invalidados. Mas quem é que correria o risco de perder o evento? Na véspera, os hotéis e restaurantes de Rio Grande estavam “lotadíssimos”. Uma leva de gente, entre brasileiros, uruguaios e argentinos, acampava em barracas sobre a faixa de areia do Cassino, e uma empresa de alimentos preparava mais de mil lanches para vender ao público que se reuniria na manhã do sábado. Só os pescadores do Litoral que faziam pouco caso: não estavam acreditando nesta história de eclipse, desaparecimento do sol etc. Previamente, haviam sido bem divulgadas as regras que deveriam ser obedecidas naquele dia, como desligar o carro após estacionar próximo à base, evitando que o ruído do motor provocasse alguma interferência nas transmissões a rádio, podendo impedir a recepção de algum valioso dado enviado pelos foguetes. A polícia, devido à grande quantidade de pessoas, recomendava que todos os que saíssem às ruas levassem consigo documento de identidade – a ditadura militar havia começado dois anos antes, o Brasil estava sob o comando do general Castelo Branco e o Departamento de Ordem Política e Social (Dops) estaria em peso na praia do Cassino. Para evitar tumulto, durante a semana o delegado de Rio Grande baixou uma portaria proibindo a venda de bebidas alcoólicas. “Só” não incluíram na lista chope, cerveja, vinho e uísque, como frisou um jornal. “Eclipse é hoje às 11h: cuidado para não ficar cego”, era o último alerta publicado por Zero Hora, na capa da edição de 12 de novembro de 1966. A notícia de tempo bom foi confirmada somente ao amanhecer: após dois dias de chuva, o sábado nasceu gelado, mas tomado pelo sol. A perfeita visibilidade animou os cientistas, que madrugaram antes das 4h. Na base de lançamento, e também na de observação, em Bagé, pesquisadores andavam de um lado para o outro, aferindo seus aparelhos. Cedo naquela manhã, famílias inteiras chegavam à praia do Cassino, orientadas por policiais e soldados do exército a não formarem fila dupla com os carros. Reuniu-se sobre a areia, à espera dos lançamentos, um público estimado pela maior parte dos jornais da época em mais de 50 mil pessoas. Entre elas, estava Fernanda Castillo, então com 12 anos, que não largava por nada um óculos feito de papelão e chapa de Raio-X. A família da garota morava não muito longe da base de lançamento do Cassino, em uma área limite da cidade, que vivia vazia. Não naquela manhã. – Quando chegamos, tinha um mar de carros. As pessoas prepararam piqueniques e foram cedo para a praia. Lembro que levamos pão de ló para o grande evento. Naquela época, a maior parte nem avião tinha visto. Então, ver um foguete de perto era algo para se contar para a posteridade. As pessoas estavam se divertindo, até paquerando, e aguardando o momento ali na beira – conta Fernanda, hoje jornalista, 62 anos. Os alto-falantes instalados próximos ao Cabo Canaveral Gaúcho foram ajustados, e era iniciada a contagem regressiva. As pessoas que não foram ao local não viram foguete algum, mas puderam acompanhar a cobertura realizada ao vivo pela Rádio Minuano, a partir da narração de Tibiriçá Freitas que, exatamente às 10h, anunciou aos ouvintes: “Aí está, senhoras e senhores, o primeiro lançamento. Uma extensa cortina de fumaça ficou no céu. (...) Neste momento está fazendo a volta, dentro de mais alguns instantes estará caindo no oceano o primeiro estágio do Nike-Tomahawk. Um minuto de voo do segundo estágio. Rádio Minuano, diretamente da praia do Cassino, na maior cobertura... atenção, impacto no oceano. Neste momento pode-se observar uma coluna (de água) no mar, em função do impacto do primeiro estágio. Dentro de mais alguns instantes, o centro de comunicação da base do Cassino estará divulgando o impacto do segundo estágio”. Todos os foguetes tinham duas partes. A primeira conduzia o impulso do tipo Nike, com pólvora negra como combustível. O segundo estágio é que levava a carga útil, ou seja, os aparelhos de telemetria que, à medida que subiam ao espaço, transmitiam as informações para serem gravadas, como as densidades iônica, eletrônica e atmosférica, temperatura, luminosidade e ventos de elevada altitude. O segundo foguete, um Nike-Javelin, seria lançado pela Nasa somente às 11h38min. Por volta das 10h30min, o sol ainda estava totalmente descoberto, mas uma estranha e repentina modificação na intensidade do vento era o prenúncio do entardecer antecipado. Pássaros da região voavam em bandos e cantavam como se fosse fim do dia. Dez minutos mais tarde, uma pequena mancha começava a deformar o Sol. O segundo projétil foi lançado quando a Lua já encobria dois terços do Sol, e o público vibrou. Pouco antes do meio-dia, o horizonte se escureceu e o Sol, visto pelos óculos especiais, parecia mais um fiozinho de Lua crescente. Exatamente às 12h4min, o astro desapareceu completamente. O dia virou noite em uma faixa de 84 quilômetros em que o eclipse era inteiramente visível.

Nos 120 segundos de escuridão total, a sensação térmica era de 10°C em Bagé, onde milhares, inclusive os uruguaios que estavam acampados nas praças para observar o fenômeno, somavam-se pelas ruas da cidade e pelas sacadas de edifícios. Na Campanha, tem quem conte até hoje que peões de estâncias mais afastadas dispararam para suas casas temendo o fim do mundo. Os pescadores do Litoral tiveram de, enfim, acreditar no tal do eclipse, passando o dia de conversa fiada, já que não podiam pescar – era grande o risco de levar uma bordoada de estágio de foguete na cabeça. E os porto-alegrenses nada viram do eclipse, já que a nebulosidade era grande na Capital.

O 14º foguete foi lançado às 14h, quando o sol já brilhava novamente no Cassino. Mas o congestionamento de carros na saída da praia foi até tarde da noite. Ninguém se importou.

– A gente costumava ver foguetes no cinema, antes dos filmes, nos cinejornais que passavam na tela. Mas, ao vivo, a emoção era inexplicável. Naquele momento, Rio Grande já não era mais aquela cidadezinha no fim do mundo. Por um dia, aliás, por vários dias, Rio Grande deixou de ser a cidade do fim do mundo para a ser a cidade que estava aos olhos do mundo. E nós éramos participantes daquele evento – resume Fernanda Castillo.

Na segunda-feira, jornais gaúchos, fluminenses, paulistas e internacionais estampavam o sucesso do Projeto Eclipse. Para os holandeses instalados em Bagé, o índice de rendimento dos experimentos de observação havia sido de 95%. Os italianos sinalizaram o bom trabalho com um “tudo ok”. Os cientistas brasileiros estavam felizes com o material colhido, que seguiria sendo estudado nas décadas adiante, e teve um norte-americano que foi embora se considerando um “gaúcho honorário de Bagé”, tamanha a receptividade na cidade. Não por pouco: teve churrasco na “Rainha da Fronteira”, com direito a um espetáculo demonstrativo da destreza do gaúcho no manejo do cavalo. A gineteada foi aplaudida em pé pelos cientistas estrangeiros, e o presidente da Comissão Nacional do Eclipse, Abraão de Morais, declarou ao jornal Folha da Tarde:

– Tivessem os astrônomos condições de manipular as datas e localizações dos eclipses, Bagé seria por eles escolhida como sede permanente do fenômeno.

Os dias seguintes foram dedicados ao desmanche das instalações. As torres de observação nunca mais seriam vistas em Bagé, e o cabo Ubiratan Freitas voltou para o porto de Rio Grande porque era hora de embarcar novamente todas as mesmas toneladas de equipamentos de três meses antes. Na base de lançamento do Cassino, ficaram só o concreto no chão e alguns parafusos que seguravam as plataformas. Nada mais.

Alguns foguetes não lançados e aparelhos menores foram levados para o Centro de Lançamento da Barreira do Inferno (CLBI), no Rio Grande do Norte. A base da Força Aérea Brasileira (FAB) havia sido criada no ano anterior, como parte do programa de estudos espaciais brasileiros.

– A Barreira do Inferno estava começando seus trabalhos na época, e a maioria dos técnicos brasileiros foi para o Cassino para aprender com os cientistas estrangeiros. O projeto serviu como um treinamento para os pesquisadores brasileiros – afirma o engenheiro eletricista e pesquisador Keble Danta Rolim, autor do livro digital O dia em que o Sol se escondeu, aquele citado no início desta reportagem, o que não teve downloads (para baixar, acesse bit.ly/osolseescondeu).

Rolim trabalhou por anos na Barreira do Inferno, onde um pequeno museu chama a atenção e atrai turistas que passeiam pelas praias do Rio Grande do Norte. Em viagem a Rio Grande para outra pesquisa, acabou colhendo material para o livro sobre o eclipse de 1966 – ao deparar com as informações dispersas e plataformas de concreto tomadas pelo matagal, tornou a ideia de escrever o livro uma missão.

– É uma história que está se perdendo – diz.

Os resultados obtidos durante o Projeto Eclipse estão guardados em um relatório disponível na biblioteca do Inpe, em São José dos Campos, São Paulo, onde, dois anos após o evento, foi realizada a exposição de todos os dados. No mundo da ciência, aponta Fernando de Mendonça – o então coordenador da operação no Cassino, que é até hoje considerado o maior nome por trás das pesquisas espaciais brasileiras –, os experimentos costumam trazer respostas que geram ainda mais perguntas.

E não foi diferente com os realizados em 1966. O conhecimento é um processo lento e não é possível dizer exatamente qual foi a grande descoberta decorrente do projeto realizado em solo gaúcho. Quem participou, no entanto, não tem dúvidas de que, de um jeito ou outro, ele entrou para as melhores páginas da memória.

– Sabe, às vezes eu não lembro muito das operações, mas sempre recordo das pessoas – afirma Mendonça. – E metade dos participantes do Projeto Eclipse já morreu, são 50 anos, afinal. Então existe a frustração de não poder mais se comunicar com aquelas pessoas que já se foram. Mas há uns três anos consegui o e-mail de oito cientistas norte-americanos e marquei uma reunião em um restaurante em Washington (EUA). Fazia 30 anos que não nos víamos. E eles compareceram. Ficamos lá a tarde inteira, resumindo em poucas horas o que havíamos feito nas últimas décadas. Tem coisas que acontecem e são importantes para o progresso da humanidade. Mas o progresso de cada um é muito importante também. Para além de qualquer resultado material, existe o envolvimento pessoal. De tudo, é isso que fica.

EDIÇÃO

Ticiano Osório

ticiano.osorio@zerohora.com.br

TEXTOS

Bruna Scirea

bruna.scirea@zerohora.com.br

DESIGN

Amanda Khal de Souza

amanda.souza@zerohora.com.br

O dia em que a praia do Cassino virou o centro do mundo

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Ticiano Osório

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Amanda Khal de Souza

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Os EUA comprometeram-se em ceder o material a ser utilizado, bem como técnicos e pesquisadores, que se dividiriam em três funções. Além dos encarregados pelo lançamento dos foguetes e operações desenvolvidas na base do Cassino, seriam formadas equipes de observação em solo, principalmente em Bagé, na Campanha, município que ocuparia o centro da faixa sombreada pelo eclipse. O terceiro grupo tinha a missão de decolar em um avião Convair 990 e em quatro boeings KC-135 (um deles saindo de Porto Alegre), e seguir a mancha do eclipse até o Atlântico, elevando assim o tempo de observação do fenômeno – um dos aviões decolou de Porto Alegre, para onde retornou somente sete horas mais tarde. Todas as aeronaves abrigavam equipamentos que permitiram fazer registros dos efeitos da sombra e da luz na ionosfera. Só uma operação deste tamanho daria conta de realizar estudos sobre os distúrbios da borda solar e seus efeitos no ambiente terrestre, sobre meteorologia, geomagnetismo e sistemas de comunicações. Pesquisas semelhantes também seriam realizadas, ainda que em menor escala, em Tartagal, província de Salta, Argentina. O que se fala por aí é que a “Nasa esteve em solo gaúcho”. A verdade é que a operação também teve grande participação de outras duas instituições norte-americanas: a Defense Atomic Support Agency (Dasa), órgão encarregado pelo desenvolvimento de foguetes, e a Sandia Corporation, empresa responsável por tecnologias nas áreas de armas nucleares, energia, clima e infraestrutura de segurança. E se rio-grandinos e bajeenses daquela época lembram-se até hoje de como as cidades ficaram repletas de estrangeiros é porque pesquisadores de nove países desembarcaram no Rio Grande do Sul para o Projeto Eclipse, sendo recebidos com olhares curiosos por parte da população. – Rio Grande se encheu de americanos, uruguaios, argentinos, gente de tudo o que era país, da Itália, da Holanda... Cruzávamos com eles pelas ruas, e víamos que era gente diferente, mais brancos, loiros e altos. Mas no geral não se tinha muito mais contato do que nestes momentos – conta Alfredo Perez, hoje engenheiro mecânico. O jovem Perez daquela época assinava revistas científicas, estava por dentro dos últimos acontecimentos da corrida espacial e até se aventurava na confecção de foguetes – que provocaram explosões significativas, garante ele. Mas quem se deu bem mesmo foi um amigo, Fernando Castro, que por falar inglês assumiu uma função especial. – Havia um curso de idiomas bastante forte na cidade e, como eu tinha estudado lá e sabia falar, acabaram me chamando para ajudar no que fosse preciso. Não havia nada técnico. Éramos cerca de 20 jovens, eu tinha uns 17 anos, ficávamos sentados em uma rua próxima à base de lançamento esperando eles chamarem quando precisassem. Nosso papel era indicar restaurantes na cidade, levá-los até lá, tirar dúvidas. Nós achávamos que ganharíamos por isso, mas no fim descobrimos que era trabalho voluntário – sorri Castro. Um mês antes dos lançamentos dos foguetes que viriam coroados pelo eclipse, as notícias da versão miniatura do Cabo Canaveral tomaram conta do noticiário. O clima de euforia espalhou-se em Rio Grande e Bagé. Não se falava de outra coisa. Em 13 de outubro, o jornal Correio do Sul, da cidade da Campanha, anunciava: “Eclipse do dia 12: a quase totalidade dos experimentos de terra será feita aqui”. As informações eram de que três torres de observação estavam sendo instaladas em Bagé, equipamentos avaliados em 200 milhões de cruzeiros. Dois dias depois, uma nota publicada informava que os estrangeiros haviam sido convidados para bailes e jantares. Em Rio Grande, escolas faziam visitas às bases de lançamento durante os preparativos, levando crianças para mais perto daquilo que viam nos gibis de ficção científica. O escritor Ivonei Peraça tinha 12 anos quando circulou pelos contêineres e plataformas de lançamento no Cassino. Pequenino diante dos foguetes que mediam até 10 metros de altura, não conteve a admiração: – O homem está indo para a Lua. Isso só aconteceria três anos mais tarde. Mas o sentimento que invadiu o guri na ocasião foi o de estar diante de um feito tão memorável quanto. As lembranças daquele dia viraram histórias contadas e repetidas em um sem número de vezes para o filho, o cartunista Wagner Passos, 37 anos. Por conta dos 50 anos do evento, pai e filho uniram-se em mais uma parceria: retratar o Projeto Eclipse em uma série de tirinhas. – Tentei recriar o imaginário de uma criança nesta época, antes dos eletrônicos, impressionada com tudo o que estava acontecendo bem perto dela – afirma o cartunista. Dia 12 estava cada vez mais próximo, e a imprensa se esmerava em alertar a população sobre os riscos do eclipse para a visão. As páginas traziam manuais de como confeccionar óculos de Raio-X e de vidro esfumaçado – o processo consistia em queimar o material com a chama de uma vela até que ficasse enegrecido. Observar o fenômeno a olho nu ou com óculos solar, nem pensar.

Wagner Passos (à esquerda), 37 anos, cresceu ouvindo o pai, Ivonei Peraça, 62, contar as histórias que marcaram sua infância

Hotéis lotados, óculos de papelão e 120 segundos de escuridão total Um evento-teste foi realizado na praia do Cassino no sábado anterior ao grande dia. Projéteis subiram e caíram no mar como o esperado, soldados de Rio Grande e Pelotas ocuparam postos estratégicos no local, o tráfego de veículos foi proibido nas proximidades da base, e o público, orientado: “Ninguém poderá ultrapassar as demarcações”. À imprensa, foi reservado um palanque a 600 metros dos lançadores e, aos curiosos, uma área a 800 metros. Ninguém falhou. De Porto Alegre, o fenômeno só poderia ser observado através de uma luneta astronômica, instalada pelo Instituto Astronômico do Rio Grande do Sul. Se chovesse ou em caso de muita nebulosidade, tanto a observação técnica dos estrangeiros em Bagé (a essa altura eles já haviam até dançado em um baile tradicionalista) quanto o programa da multidão que pretendia se reunir na praia do Cassino ficariam invalidados. Mas quem é que correria o risco de perder o evento? Na véspera, os hotéis e restaurantes de Rio Grande estavam “lotadíssimos”. Uma leva de gente, entre brasileiros uruguaios e argentinos, acampava em barracas sobre a faixa de areia do Cassino, e uma empresa de alimentos preparava mais de mil lanches para vender ao público que se reuniria na manhã do sábado. Só os pescadores do Litoral que faziam pouco caso: não estavam acreditando nesta história de eclipse, desaparecimento do sol etc. Previamente, haviam sido bem divulgadas as regras que deveriam ser obedecidas naquele dia, como desligar o carro após estacionar próximo à base, evitando que o ruído do motor provocasse alguma interferência nas transmissões a rádio, podendo impedir a recepção de algum valioso dado enviado pelos foguetes. A polícia, devido à grande quantidade de pessoas, recomendava que todos os que saíssem às ruas levassem consigo documento de identidade – a ditadura militar havia começado dois anos antes, o Brasil estava sob o comando do general Castelo Branco e o Departamento de Ordem Política e Social (Dops) estaria em peso na praia do Cassino. Para evitar tumulto, durante a semana o delegado de Rio Grande baixou uma portaria proibindo a venda de bebidas alcoólicas. “Só” não incluíram na lista chope, cerveja, vinho e uísque, como frisou um jornal. “Eclipse é hoje às 11h: cuidado para não ficar cego”, era o último alerta publicado por Zero Hora, na capa da edição de 12 de novembro de 1966. A notícia de tempo bom foi confirmada somente ao amanhecer: após dois dias de chuva, o sábado nasceu gelado, mas tomado pelo sol. A perfeita visibilidade animou os cientistas, que madrugaram antes das 4h. Na base de lançamento, e também na de observação, em Bagé, pesquisadores andavam de um lado para o outro, aferindo seus aparelhos. Cedo naquela manhã, famílias inteiras chegavam à praia do Cassino, orientadas por policiais e soldados do exército a não formarem fila dupla com os carros. Reuniu-se sobre a areia, à espera dos lançamentos, um público estimado pela maior parte dos jornais da época em mais de 50 mil pessoas. Entre elas, estava Fernanda Castillo, então com 12 anos, que não largava por nada um óculos feito de papelão e chapa de Raio-X. A família da garota morava não muito longe da base de lançamento do Cassino, em uma área limite da cidade, que vivia vazia. Não naquela manhã. – Quando chegamos, tinha um mar de carros. As pessoas prepararam piqueniques e foram cedo para a praia. Lembro que levamos pão-de-ló para o grande evento. Naquela época, a maior parte nem avião tinha visto. Então, ver um foguete de perto era algo para se contar para a posteridade. As pessoas estavam se divertindo, até paquerando, e aguardando o momento ali na beira – conta Fernanda, hoje jornalista, 62 anos. Os alto-falantes instalados próximos ao Cabo Canaveral Gaúcho foram ajustados, e era iniciada a contagem regressiva. As pessoas que não foram ao local não viram foguete algum, mas puderam acompanhar a cobertura realizada ao vivo pela Rádio Minuano, a partir da narração de Tibiriçá Freitas que, exatamente às 10h, anunciou aos ouvintes: “Aí está, senhoras e senhores, o primeiro lançamento. Uma extensa cortina de fumaça ficou no céu. (...) Neste momento está fazendo a volta, dentro de mais alguns instantes estará caindo no oceano o primeiro estágio do Nike-Tomahawk. Um minuto de voo do segundo estágio. Rádio Minuano, diretamente da praia do Cassino, na maior cobertura... atenção, impacto no oceano. Neste momento pode-se observar uma coluna (de água) no mar, em função do impacto do primeiro estágio. Dentro de mais alguns instantes, o centro de comunicação da base do Cassino estará divulgando o impacto do segundo estágio”. Todos os foguetes tinham duas partes. A primeira conduzia o impulso do tipo Nike, com pólvora negra como combustível. O segundo estágio é que levava a carga útil, ou seja, os aparelhos de telemetria que, à medida que subiam ao espaço, transmitiam as informações para serem gravadas, como as densidades iônica, eletrônica e atmosférica, temperatura, luminosidade e ventos de elevada altitude. O segundo foguete, um Nike-Javelin, seria lançado pela Nasa somente às 11h38min. Por volta das 10h30min, o sol ainda estava totalmente descoberto, mas uma estranha e repentina modificação na intensidade do vento era o prenúncio do entardecer antecipado. Pássaros da região voavam em bandos e cantavam como se fosse fim do dia. Dez minutos mais tarde, uma pequena mancha começava a deformar o Sol. O segundo projétil foi lançado quando a Lua já encobria dois terços do Sol, e o público vibrou. Pouco antes do meio-dia, o horizonte se escureceu e o Sol, visto pelos óculos especiais, parecia mais um fiozinho de Lua crescente. Exatamente às 12h4min, o astro desapareceu completamente. O dia virou noite em uma faixa de 84 quilômetros em que o eclipse era inteiramente visível. Nos 120 segundos de escuridão total, a sensação térmica era de 10°C em Bagé, onde milhares, inclusive os uruguaios que estavam acampados nas praças para observar o fenômeno, somavam-se pelas ruas da cidade e pelas sacadas de edifícios. Na Campanha, tem quem conte até hoje que peões de estâncias mais afastadas dispararam para suas casas temendo o fim do mundo. Os pescadores do Litoral tiveram de, enfim, acreditar no tal do eclipse, passando o dia de conversa fiada, já que não podiam pescar – era grande o risco de levar uma bordoada de estágio de foguete na cabeça. E os porto-alegrenses nada viram do eclipse, já que a nebulosidade era grande na Capital.O 14º foguete foi lançado às 14h, quando o sol já brilhava novamente no Cassino. Mas o congestionamento de carros na saída da praia foi até tarde da noite. Ninguém se importou. – A gente costumava ver foguetes no cinema, antes dos filmes, nos cinejornais que passavam na tela. Mas, ao vivo, a emoção era inexplicável. Naquele momento, Rio Grande já não era mais aquela cidadezinha no fim do mundo. Por um dia, aliás, por vários dias, Rio Grande deixou de ser a cidade do fim do mundo para a ser a cidade que estava aos olhos do mundo. E nós éramos participantes daquele evento – resume Fernanda Castillo. Na segunda-feira, jornais gaúchos, fluminenses, paulistas e internacionais estampavam o sucesso do Projeto Eclipse. Para os holandeses instalados em Bagé, o índice de rendimento dos experimentos de observação havia sido de 95%. Os italianos sinalizaram o bom trabalho com um “tudo ok”. Os cientistas brasileiros estavam felizes com o material colhido, que seguiria sendo estudado nas décadas adiante, e teve um norte-americano que foi embora se considerando um “gaúcho honorário de Bagé”, tamanha a receptividade na cidade. Não por pouco: teve churrasco na “Rainha da Fronteira”, com direito a um espetáculo demonstrativo da destreza do gaúcho no manejo do cavalo. A gineteada foi aplaudida em pé pelos cientistas estrangeiros, e o presidente da Comissão Nacional do Eclipse, Abraão de Morais, garantiu ao jornal Folha da Tarde: – Tivessem os astrônomos condições de manipular as datas e localizações dos eclipses, Bagé seria por eles escolhida como sede permanente do fenômeno. Os dias seguintes foram dedicados ao desmanche das instalações. As torres de observação nunca mais seriam vistas em Bagé, e o cabo Ubiratan Freitas voltou para o porto de Rio Grande porque era hora de embarcar novamente todas as mesma toneladas de equipamentos de três meses antes. Na base de lançamento do Cassino, ficaram só o concreto no chão e alguns parafusos que seguravam as plataformas. Nada mais. Alguns foguetes não lançados e aparelhos menores foram levados para o Centro de Lançamento da Barreira do Inferno (CLBI), no Rio Grande do Norte. A base da Força Aérea Brasileira (FAB) havia sido criada no ano anterior, como parte do programa de estudos espaciais brasileiros. – A Barreira do Inferno estava começando seus trabalhos na época, e a maioria dos técnicos brasileiros foi para o Cassino para aprender com os cientistas estrangeiros. O projeto serviu como um treinamento para os pesquisadores brasileiros – afirma o engenheiro eletricista e pesquisador Keble Danta Rolim, autor do livro digital O dia em que o Sol se escondeu, aquele citado no início desta reportagem, o que não teve downloads. Rolim trabalhou por anos na Barreira do Inferno, onde um pequeno museu chama a atenção e atrai turistas que passeiam pelas praias do Rio Grande do Norte. Em viagem a Rio Grande para outra pesquisa, acabou colhendo material para o livro sobre o eclipse de 1966 – ao deparar com as informações dispersas e plataformas de concreto tomadas pelo matagal, tornou a ideia de escrever o livro uma missão. – É uma história que está se perdendo – diz. Os resultados obtidos durante o Projeto Eclipse estão guardados em um relatório disponível na biblioteca do Inpe, em São José dos Campos, São Paulo, onde, dois anos após o evento, foi realizada a exposição de todos os dados. No mundo da ciência, aponta Fernando de Mendonça – o então coordenador da operação no Cassino, que é até hoje considerado o maior nome por trás das pesquisas espaciais brasileiras –, os experimentos costumam trazer respostas que geram ainda mais perguntas. E não foi diferente com os realizados em 1966. O conhecimento é um processo lento e não é possível dizer exatamente qual foi a grande descoberta decorrente do projeto realizado em solo gaúcho. Quem participou, no entanto, não tem dúvidas de que, de um jeito ou outro, ele entrou para as melhores páginas da memória. – Sabe, às vezes eu não lembro muito das operações, mas sempre recordo das pessoas – afirma Mendonça. – E metade dos participantes do Projeto Eclipse já morreu, são 50 anos, afinal. Então existe a frustração de não poder mais se comunicar com aquelas pessoas que já se foram. Mas há uns três anos consegui o e-mail de oito cientistas norte-americanos e marquei uma reunião em um restaurante em Washington (EUA). Fazia 30 anos que não nos víamos. E eles compareceram. Ficamos lá a tarde inteira, resumindo em poucas horas o que havíamos feito nas últimas décadas. Tem coisas que acontecem e são importantes para o progresso da humanidade. Mas o progresso de cada um é muito importante também. Para além de qualquer resultado material, existe o envolvimento pessoal. De tudo, é isso que fica.