Sua saúde sob risco
Alimentos contaminados com agrotóxicos podem causar prejuízos a longo prazo na sua saúde e da sua família. Parte deles sai das Centrais de Abastecimento do Rio Grande do Sul (Ceasa), companhia que distribui quase metade dos hortifrutigranjeiros consumidos no Estado. O teste laboratorial encomendado pelo Grupo de Investigação da RBS (GDI) com os cinco tipos de frutas e verduras mais comprometidas, segundo análise da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de 2012, mostrou que 45% das amostras compradas pela reportagem na Ceasa estavam contaminadas por substâncias proibidas, não autorizadas para aquele vegetal ou acima do limite tolerado pela lei. Entre elas, o Acefato e o Metamidofós, dois dos maiores vilões da alimentação dos brasileiros.
Pelos seus efeitos nocivos, incluindo o risco de mutação do material genético e distúrbios no sistema nervoso, as duas substâncias estão proibidas na Europa, destaca a biomédica Karen Friedrich, doutora em Ciência com ênfase em toxicologia e professora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Havia Acefato em quatro das nove amostras da Ceasa que estavam contaminadas: alface, pepino, pimentão e cenoura. O Metamidofós, proibido no Brasil desde junho de 2012, foi detectado em três: alface, pepino e pimentão.
A reportagem teve acesso a notas técnicas produzidas pela Anvisa no processo de análise dos perigos dessas duas substâncias. Os documentos se baseiam em estudos internacionais a partir de testes de laboratório com cobaias animais e indicam, para ambos, riscos comprovados para a saúde humana.
Acefato é possível causador de tumores
A nota técnica da Anvisa destaca que o Acefato foi classificado como "possível carcinógeno humano" pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos. As evidências da doença foram detectadas em estudos com ratos, camundongos e cães. Depois de ingerir doses do agente químico ao longo de semanas, os animais apresentaram surgimento de tumores (malignos e benignos), com maior incidência entre as fêmeas de camundongos.
Nos estudos, o Acefato também demonstrou capacidade de diminuir a habilidade de movimentos e levar a distúrbios de aprendizagem (cognitivos). O resultado das análises com animais indica que as crianças são mais vulneráveis aos efeitos do que os adultos.
"A exposição durante o desenvolvimento neurocomportamental pode levar a alterações permanentes”, diz a conclusão da nota técnica, reforçando o risco acentuado para os mais jovens. O material ainda aponta a possibilidade de redução da fertilidade, o que foi verificado nos camundongos machos, com diminuição do desempenho sexual e número de ninhadas. Os estudos existentes, como os citados pela Anvisa, são indicativos dos riscos reais, mas não há precisão absoluta para definir o papel do agrotóxico no surgimento de um possível câncer. Certo é que, ao comer alimentos com excesso de agrotóxico ao longo da vida, você fica exposto ao desenvolvimento de doenças crônicas.
– O elevado consumo de resíduos de agrotóxicos é uma preocupação. Ao ingerir, a pessoa aumenta a sua probabilidade de ter uma doença crônica, mas a ciência ainda não dá conta de mensurar os danos – explica Luiz Cláudio Meirelles, ex-gerente de toxicologia da Anvisa entre 1999 e 2012.
Na avaliação de Meirelles, foi um erro apenas restringir, e não proibir totalmente no país, o uso do Acefato, "parente" do Metamidofós, banido desde 2012:
– É incompatível retirar um e manter o outro no mercado.
O ex-dirigente da Anvisa destaca que, depois da aplicação do Acefato nas lavouras, uma parcela dos seus resíduos se transforma em Metamidofós (vetado no Brasil). Na prática, isso leva a situação contraditória: o produto está vetado no Brasil, mas segue aparecendo frequentemente em análises laboratoriais de alimentos, seja porque foi aplicado de forma proibida ou pelo processo de transformação química do Acefato.
Os dez tipos de agrotóxicos proibidos no Brasil ou sem permissão para a cultura, encontrados em frutas e verduras comprados na Ceasa, apresentam diversos efeitos nocivos para a saúde. Além do Acefato e o Metamidofós - duas das substâncias mais estudadas pela comunidade científica, cujos efeitos na saúde foram abordados nos capítulos anteriores desta reportagem - outras oito substâncias foram detectadas nas amostras: Tiofanato Metílico, Carbendazim, Fenpiroximato, Dimetoato, Triflumurom, Metomil, Imidacloprido e Quinoxifeno.
Para entender os efeitos que estes agrotóxicos causam na saúde, a reportagem solicitou à Anvisa os estudos que basearam a liberação destas 10 substâncias no país. A agência, porém, só dispunha de pesquisas disponíveis sobre Acefato e o Metamidofós. As análises sobre os demais agroquímicos, registrados e avaliados no Brasil antes da criação da agência, são antigos e não estão acessíveis para consulta. Há ainda o caso do Quinoxifeno, encontrado na cenoura, que sequer possui registro no Brasil. Para esses agentes químicos que não tiveram informações repassadas pela Anvisa, o GDI consultou especialistas que listaram os efeitos conhecidos na saúde humana. Confira abaixo:
Tiofanato Metílico
Presente no morango e no pimentão
Causa irritação respiratória e na pele e também problemas reprodutivos. Estudos em animais mostram que induz alterações hormonais e no material genético. Integra o grupo dos fungicidas, associado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) a sintomas como alergias respiratórias, dermatites e cânceres.
Fenpiroximato
Presente no morango
A substância mostrou, em estudos com animais, relação com redução do apetite e úlcera gástrica. Induz alteração do material genético. Também é tóxica para as abelhas.
Carbendazim
Presente no morango e no pimentão
Há estudos que evidenciam possível interferência na fertilidade. A longo prazo, apresenta risco potencial de câncer. Em 2013, o Ministério Público Federal do Distrito Federal enviou à Justiça pedido para suspender o registro de agrotóxicos formulados com Carbendazim no Brasil. A ação ainda não foi apreciada. A substância pode causar problemas reprodutivos e no desenvolvimento do feto. Um dossiê da Abrasco diz que o Carbendazim afetou a reprodução de ratos de laboratório. A entidade também associa os fungicidas, categoria que abrange esse químico, a sintomas como alergias respiratórias, dermatites e cânceres. Em 2011, carga de suco de laranja produzido no Brasil foi barrada nos Estados Unidos devido à presença do Carbendazim. O agrotóxico é proibido naquele país.
Quinoxifeno
Presente na cenoura
Não há estudos publicados que avaliem os impactos para a saúde humana.
Dimetoato
Presente no morango
É um inseticida cujos efeitos tóxicos incluem transtornos mentais. A partir de experimentação laboratorial, foi observado retardo de crescimento e má-formação em camundongos. Neste animal, também induziu tumores de fígado relacionados a doenças sanguíneas.
Imidacloprido
Presente no morango
Estudos apontam que a substância é tóxica para as células intestinais, diminui a atividade dos linfócitos do sangue, responsáveis por combater bactérias e vírus. Altera a absorção de proteínas pelo sangue. Pode provocar doenças no fígado e nos rins. Também está associada a depressão, ansiedade, Parkinson, demência e danos reprodutivos. Em ratos de laboratório, apresentou risco no desenvolvimento de embriões e para os órgãos reprodutivos. É considerado bastante tóxico para as abelhas.
Triflumurom
Presente no pimentão
Em estudos em animais, demonstrou danos aos glóbulos vermelhos no sangue. Quando ingerido, pode causar náuseas e vômitos. É também um inseticida, grupo associado pela Abrasco com alergias, asma, hipersensibilidade, arritmias cardíacas e problemas neurológicos.
Metomil
Presente no pimentão
Entre os efeitos crônicos estão problemas renais, destruição e alterações de proteínas do DNA, o que pode levar à má-formação de fetos, cânceres e baixa imunidade. Também provoca alterações em proteínas do sangue, o que pode gerar desnutrição e anemia. Gera desequilíbrio hormonal. Dossiê da Abrasco aponta que os inseticidas, categoria do Metomil, podem causar alergias, asma, hipersensibilidade, arritmias cardíacas e problemas neurológicos.
Metamidofós pode prejudicar sistema nervoso e gestações
O dossiê da Anvisa sobre o Metamidofós traz evidências de que ele é causador de problemas nos sistemas de reprodução e nervoso, além de atacar a imunidade. Estudos com ratos e coelhos indicaram que o produto causa problemas de gestação e pós-natal. Pode ainda provocar alterações no material genético. Muitas das descobertas das pesquisa estão ligadas ao período pós-nascimento: os filhotes de camundongos sofreram redução de peso, dificuldades de aprendizado e auditivas, perda de reflexos e da habilidade para nadar. Até a abertura dos olhos foi prejudicada.
Em cães e ratos, a ingestão de Metamidofós desencadeou alterações no ovário, útero e testículos. Nos estudos sobre imunidade, o produto mostrou risco redobrado. Ele reduz as defesas do corpo e, por isso, facilita o aparecimento de doenças, inclusive tumores, embora não seja considerado cancerígeno.
"O Metamidofós inibe a formação de anticorpos. (...) Indivíduos expostos ao Metamidofós poderiam ser mais suscetíveis a infecções e ao desenvolvimento de cânceres", atesta o relatório.
A baixa imunidade em humanos está relacionada à ocorrência de leucemia e câncer de estômago e de pele. A nota técnica da Anvisa ainda citou série de epidemias que ocorreram ao redor do mundo após pessoas consumirem alimentos, muitos deles vegetais, com resíduos de Metamidofós.
Em janeiro de 2008, um envenenamento afetou pelo menos 10 pessoas no Japão. Trinta minutos após a refeição, elas apresentaram vômito e diarreia. A vítima mais jovem, de cinco anos, foi a mais prejudicada: sofreu perda de consciência e parada respiratória. Em Hong Kong, em novembro de 1988, houve 179 casos de envenenamento por consumo de couve-da-malásia. Os sintomas foram semelhantes ao caso japonês e análise posterior confirmou a intoxicação pelo Metamidofós.
A nota técnica da Anvisa foi emitida no processo de reavaliação toxicológica do inseticida, quando o princípio ativo foi banido do Brasil, segundo o documento, devido aos seus “efeitos nocivos à saúde”.
Ainda que abaixo do limite permitido, o agrotóxico é problemático porque a pessoa pode ser sensível, ter baixa na imunidade. A legislação estabelece um limite, mas não deveria ter nada.
Wanderlei Pignati
Pesquisador dos impactos de agrotóxicos na saúde pela UFMT
Extensões do risco não são unanimidade
A quantidade de agentes químicos nos alimentos, a frequência de consumo de produtos contaminados e o peso de quem os ingere são fatores determinantes para o eventual desenvolvimento de doenças. O alerta é da professora do curso de Ciências Farmacêuticas da Universidade de Brasília (UnB) Eloisa Dutra Caldas.
– Tem que avaliar a dieta toda de cada indivíduo, quanto come, se come diariamente, para só então inserirmos riscos – diz Eloisa.
Indicado para se manifestar em nome da Associação Nacional de Defesa Vegetal, o professor aposentado da Unicamp Flávio Zambrone entende que resíduos de agrotóxicos proibidos ou não autorizados em frutas e verduras “são caso de polícia”.
Presidente do Instituto Brasileiro de Toxicologia, entidade privada, Zambrone diz que a situação requer sistema de rastreamento para “identificar e responsabilizar” o agricultor infrator. Sobre a identificação de vegetais da Ceasa com agrotóxicos acima do limite máximo de resíduos (LMR), o professor reconhece se tratar de questão de saúde pública, mas ameniza ao dizer que dificilmente alguém ultrapassa a dose de ingestão diária aceitável (IDA). Quando autoriza o uso de uma substância, a Anvisa define a IDA a partir de testes em animais. Depois, divide o número entre todas as culturas que puderem usar o produto, distribuindo frações para cada uma.
– O que você não pode é ultrapassar a IDA. Teria de comer todo dia, em grande quantidade, para ultrapassar. Existe margem adequada de segurança para pressupor que você poderá ingerir aquela quantidade a vida inteira sem danos à saúde – afirma Zambrone.
Variedade de fontes eleva parcela de ingestão
O problema é que frutas e verduras costumam ter resquícios de vários químicos, por vezes além do limite – só em um pimentão da Ceasa, havia cinco. E a conta piora porque, ao comer alimentos variados, você vai somando o consumo de resíduos dos mesmos agrotóxicos. Nos vegetais da Ceasa, o GDI achou Acefato no alface, na cenoura, no pimentão e no pepino, proibido para todas essas culturas.
– Ainda que abaixo do limite, o agrotóxico é problemático porque a pessoa pode ser sensível, ter baixa na imunidade. A legislação estabelece um teto, mas não deveria ter nada – adverte Wanderlei Pignati, pesquisador dos impactos de agrotóxicos na saúde na Universidade Federal do Mato Grosso.
Em seu mais recente levantamento sobre agrotóxicos no país, divulgado no mês passado, a Anvisa avaliou o risco agudo (imediato) de comer alimentos contaminados. A agência mediu a chance de intoxicação nas 24 horas posteriores à ingestão de 25 tipos de alimentos em todos os Estados, apontando a laranja e o abacaxi como os mais perigosos. Esse critério identifica produtos com altíssimo grau de intoxicação, capazes de resultar problemas de saúde em um dia após o consumo. O perigo mais comum, porém, é no acúmulo de pequenas doses diárias de agrotóxicos na alimentação. Sobre isso, a ciência ainda não tem métricas para fazer previsões com exatidão.
É risco certo de desenvolver doença. Todos nós estamos consumindo alimentos in natura ou industrializados que têm resíduos de agrotóxicos. Para crianças, estes níveis são péssimos, sem dúvida elas são mais suscetíveis a doenças.
Solange Cristina Garcia
Coordenadora do Latox da Faculdade de Farmácia da UFRGS
Mistura aumenta o perigo
A contaminação revelada pelo Grupo de Investigação da RBS (GDI) por meio de análises de laboratório em hortifrútis da Ceasa preocupa a bióloga da Secretaria Estadual de Saúde Suzana Andreatta. De acordo com a profissional, cada agrotóxico é estudado individualmente, e não há pesquisas sobre o consumo associado de mais de um agrotóxico no mesmo alimento – situação verificada no teste encomendado pela reportagem com vegetais comprados na Ceasa. Sabe-se que há risco, mas a extensão ainda é desconhecida.
– Já pegamos 22 agrotóxicos diferentes em um pimentão – exemplifica Suzana, que coordena as coletas do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (Para) na Região Sul, realizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Nas frutas e verduras compradas pelo GDI na Ceasa, um morango apresentou presença simultânea de seis tipos agentes químicos, quatro deles não autorizados ou acima dos limites. Um pimentão dos três contaminados tinha cinco agrotóxicos diferentes, sendo quatro irregulares.
No longo prazo, ameaça de incidência de câncer
– Não temos a menor ideia de como a associação dessas substâncias pode afetar o indivíduo, mas sabemos que vai levar a problemas de saúde. Pode aumentar a probabilidade e a velocidade de você ter câncer. Isso é trágico – diz a doutora em Farmácia e coordenadora do Laboratório de Toxicologia (Latox) da Faculdade de Farmácia da UFRGS, Solange Cristina Garcia.
Segundo a pesquisadora, a contaminação por agentes químicos também tem reflexos nos produtos industrializados em razão da presença de frutas e verduras na composição, como o morango no iogurte.
– O problema é muito maior. Não tem como nos defendermos sem políticas públicas. Se isso não acontecer, teremos daqui a 15, 20 anos, incidência de câncer muito maior – alerta Solange.
Entidades internacionais reforçam a previsão. Segundo a nutricionista Thainá Alves Malhão, da Unidade Técnica de Alimentação, Nutrição e Câncer do Instituto Nacional de Câncer (Inca), evidências científicas apontam que a exposição aos agrotóxicos leva ao aumento de vários tipos de câncer, como os de fígado e próstata.
NÃO SAI TOTALMENTE, MAS LAVE BEM
• Estudos científicos comprovam que não há como eliminar totalmente o agrotóxico. Mesmo uma boa higienização retira entre 20% e 30% dos venenos, pois se restringe à remoção do que está na casca. Boa parte penetra o alimento.
• Para eliminar uma parte dos agroquímicos que estão na casca do produto, reserve uma esponja macia para lavagem de frutas. Use um pingo de detergente e enxágue bem.
• Além de lavar com água corrente, outra alternativa é higienizar o alimento com bicarbonato de sódio, diluindo uma colher de sopa para cada cinco litros de água e deixando 30 minutos de molho. “Não há estudo científico que comprove, mas é algo muito feito e, neste caso, é melhor fazer do que não fazer”, recomenda Karen Friedrich, biomédica e doutora em Ciência com ênfase em toxicologia e professora da Fundação Oswaldo Cruz.
NÃO TIRE A CASCA
• Não é recomendado remover a casca das frutas na tentativa de diminuir os agrotóxicos. Neste caso, ainda é melhor para o organismo ingerir as fibras presentes na casca do alimento. O consumo de fibras previne diversas doenças. Ao descascar os hortifrútis, além de não eliminar os agrotóxicos por completo, o consumidor perde um fator de prevenção importante.
PREFIRA PRODUTOS RASTREADOS E ORGÂNICOS
• Comprar produtos rastreados é alternativa de segurança. Eles devem conter na embalagem informações do nome do produtor, CNPJ, CPF (se o produtor for pessoa física), data de colheita, data de embalagem, número do lote, além de endereço e telefone de contato. Não se trata de um selo padrão, mas todas estas informações devem estar visíveis. Se não estiver embalado, a gôndola deve ter a identificação do produtor, com endereço e telefone, e a data da colheita.
• No caso dos orgânicos, a exigência é de que tenha selo padrão de certificação de conformidade orgânica. No caso das feiras, o vendedor deve ter esta certificação em mãos, como se fosse um alvará, que comprova que o seu produto é, de fato, orgânico.
*Fontes: Superintendência do Ministério da Agricultura, Karen Friedrich, doutora em Ciência com ênfase em toxicologia e professora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Signorá Peres Konrand, professora do curso de Nutrição da Unisinos, e Wanderlei Pignati, médico e pesquisador dos impactos de agrotóxicos na saúde e no ambiente pela Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT).
Controle biológico na lavoura diminui agroquímicos
Maior consumidor mundial de agrotóxicos, o Brasil está longe de prescindir do uso em escala de produtos destinados ao combate de pragas na lavoura. No médio prazo, porém, pesquisadores acreditam que será possível reduzir a aplicação. Uma das formas de diminuir o uso de agroquímicos é o controle biológico de lagartas a partir da multiplicação de vespas. A fêmea deste inseto é jogada aos milhares nas lavouras e, imediatamente, começa a procriar, depositando ovos dentro dos casulos das lagartas. No final do processo, o que geraria um predador para atacar lavouras acaba dando vida a uma nova vespa. Isso cria processo de multiplicação dos voadores e quase extinção dos devoradores de plantações.
O mais comum é combinar a ferramenta biológica com o agrotóxico, que acaba tendo a sua necessidade de aplicação reduzida. Este ciclo ajuda a reduzir os níveis de resíduos de químicos nos alimentos. Testes de laboratório encomendados pelo Grupo de Investigação do Grupo RBS (GDI) com frutas e verduras comercializadas na Ceasa revelaram a presença de substâncias acima dos limites permitidos, proibidas para a cultura ou banidas do Brasil.
– Na maioria dos químicos, você vai fazer o controle de uma lagarta que já causou algum dano.
A vantagem da vespa é que ela parasita um ovo, que deixa de ser uma praga e vira um agente de controle – explica Diogo Rodrigues Carvalho, CEO da Bug Agentes Biológicos, de Piracicaba, no interior de São Paulo, empresa que desenvolveu controle de pragas a partir da multiplicação de vespas.
Técnica é aplicada, em média, em 850 mil hectares ao ano
Carvalho diz que a modalidade não envolve nenhum processo de modificação genética. Também nega que os voadores possam causar efeitos colaterais como infestação ou ataque e dizimação de espécies consideradas importantes para o equilíbrio ambiental.
– A vespa é nativa, existe no Brasil inteiro, e somente parasita os ovos das mariposas. O que a Bug fez foi multiplicar a vespa em larga quantidade. Registramos isso no Ministério da Agricultura como um inseticida biológico – complementa o executivo da empresa que se tornou referência internacional no assunto.
À medida em que o voador se multiplica, diminuem os ovos da lagarta. Isso leva as vespas a morrerem no final do processo, por estarem em grande quantidade e não terem mais onde parasitar. Cada safra demanda a liberação de nova carga de vespas, que são enviadas pela Bug aos produtores rurais em embalagens fechadas, com instruções de uso. Até agora, a técnica da empresa está tratando, em média, 850 mil hectares por ano, com destaque para a atuação em plantações de cana de açúcar, soja, tomate, melão, abacate, abacaxi e pimentão.