Francesco Fontana (D) como combatente do Batalhão Azov na Ucrânia, em 2014. Foto: Fausto Biloslavo, Arquivo Pessoal AS CONEXÕES BRASILEIRAS
DE UM EXTREMISTA ITALIANO

Notório militante político de extrema-direita na Itália e em outros países da Europa, Francesco Fontana, 54 anos, esteve no Brasil entre outubro e novembro de 2015 para encontrar um grupo de simpatizantes. Em fotografia tirada numa pizzaria de São Paulo, Fontana aparece na companhia da caxiense M.T. (neste caso, ZH irá preservar os nomes dos investigados porque os inquéritos não foram concluídos) e outras seis pessoas. A Polícia Civil gaúcha suspeita que ele tenha viajado até Caxias.

Ligado à CasaPound, movimento neofascista italiano, o militante, que nasceu na Toscana e vive agora em Turim, ganhou fama por ser um dos primeiros estrangeiros a lutar na guerra civil da Ucrânia, em 2014. Em maio daquele ano, ele juntou-se ao Batalhão Azov para combater os separatistas pró-Rússia na região de Mariupol. Fontana também integrou a organização paramilitar nacional-socialista Misanthropic Division (MD), que ganhou força com o acirramento dos conflitos na Crimeia e criou ramificações na Rússia, Bielorrússia, Alemanha, Argentina e nos Estados Unidos.

No Brasil, um dos elos da MD foi temporariamente consolidado entre Fontana e M.T.. A rede, rebatizada de Phoenix Division para escapar da vigilância, age principalmente por meio da internet, com atualização de blogs, redes sociais e publicação de informativos digitais. As premissas ideológicas da Misanthropic incluem antissovietismo, racismo, antissemitismo, sexismo e homofobia. Em depoimento à Polícia Civil, M.T. disse que mantinha um site chamado European Culture – hoje desativado –, no qual escrevia sobre antigos povos europeus, e que Fontana descobriu a página e a procurou para reproduzir alguns textos para a Misanthropic.

– Ele (Fontana) é responsável por cooptar pessoas à Misanthropic. Buscava guerrilheiros urbanos, talvez mercenários, para lutar na Ucrânia – afirma o delegado Paulo César Jardim.

Os envolvidos no episódio negam que o encontro em São Paulo tenha ocorrido para planejar ações no país ou atrair novos membros. O jantar teria sido marcado apenas para que o italiano relatasse vivências da guerra civil. M.T. garantiu que nunca tratou de possíveis ataques extremistas no Rio Grande do Sul. Assegurou que, desde janeiro de 2016, o vínculo foi rompido e disse que Fontana chegou a ficar irritado porque ela parou de escrever textos para a causa.

Em março de 2016, a Misanthropic atacou cerca de 200 jovens num evento para discutir direitos LGBT em Lviv, na Ucrânia. No Brasil, a MD realizou duas ações em janeiro do mesmo ano contra a Casa Mafalda, espaço cultural paulistano. No site oficial da organização, hoje fora do ar, havia citações de Hitler sobre “pureza racial”, artigos contra a “promoção do multiculturalismo” e “mistura de raças”, e a defesa de políticas que garantam o patrimônio genético da raça branca. No perfil de Fontana no Twitter, há imagens exaltando Benito Mussolini e líderes nazistas, e frases como “refugiados não são bem-vindos” e “Hitler estava certo”.

O jornalista italiano Fausto Biloslavo, 55 anos, conheceu Fontana na Ucrânia e acompanhou treinamentos do Azov antes da batalha de Mariupol. Em entrevista a ZH, Biloslavo relatou que fileiras do Azov eram engrossadas por hooligans de times de futebol como Dinamo Kiev e Metallist. Diversos de seus membros carregavam símbolos de Stepan Bandera (colaborador nazista da II Guerra e ex-líder da Organização dos Nacionalistas Ucranianos, fascista). Todos recebiam forte treinamento militar em guerrilha urbana de instrutores de países europeus.

– Fontana não parece um cara louco. Apenas escolheu, aos 50 anos, lutar, o que, claro, é muito estranho. Por ser mais velho do que os demais, era respeitado – descreveu Biloslavo.

O analista ucraniano Vadym Khomakha afirma, por e-mail, que, “no início, se incorporaram ao Azov muitos voluntários de diferentes nacionalidades, sendo alguns com antecedentes criminais e convicções nacionalistas”, mas diz que há nazistas também nas tropas pró-Rússia. Khomakha confirma, mas minimiza iniciativas de recrutamento por Fontana no Brasil:

– Tal informação foi propagada, prestamos atenção, mas não houve grande repercussão local.

Em 2015, após o caso do ativista estampar manchetes nacionais, o parlamento italiano aprovou uma lei que proíbe cidadãos do país de lutarem em exércitos estrangeiros e movimentos radicais. Desde então, Fontana é vigiado de perto pelas forças de segurança europeias, que acionam a Interpol quando ele viaja. Foi graças a isso que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) ficou sabendo que o ex-combatente do Azov esteve em São Paulo, o que desencadeou outras investigações no Brasil.