Farol Chuí
O último
sentinela
dos mares
O Farol do Chuí, estrutura de auxílio à navegação com quase 115 anos de existência, fica localizado em Santa Vitória do Palmar, bem na fronteira do Brasil com o Uruguai. Zero Hora passou uma noite no local para contar as histórias do lugar e de quem, com orgulho, o mantém cumprindo sua missão: auxiliar aqueles que navegam pelo Oceano Atlântico.
O mais ao sul do Brasil
Como é o farol com torre de 30 metros e alcance luminoso de 85 quilômetros
O silêncio dentro do perímetro militar contrasta com a agitação observada pelas vielas de chão batido do entorno. Durante a madrugada, no interior de uma das residências instaladas no pátio, ouve-se apenas o leve ruído da engrenagem que faz a lente de Fresnel girar. Na parte externa, a torre vermelha e branca se impõe em meio à escuridão. Os feixes de luz que saem da cúpula rodopiam a 30 metros de altura, avançando sobre o mar.
Com o nascer do dia, o espetáculo é interrompido. Passa das 5h30min de 28 de janeiro e uma camada de nuvens ainda cobre o sol quando a lâmpada se apaga temporariamente. Assim que anoitecer, o Radiofarol Chuí vai se iluminar outra vez para seguir cumprindo seu principal objetivo: auxiliar aqueles que navegam pelo Oceano Atlântico.
Localizado no município de Santa Vitória do Palmar, a cerca de 540 quilômetros de Porto Alegre, o farol é considerado o último sentinela dos mares do Brasil. Isso porque trata-se da estrutura de auxílio à navegação mais ao sul do país, instalada bem na fronteira com o Uruguai. De cima de sua torre, é possível observar o Arroio Chuí, que divide os dois territórios.
— É bem histórico, estratégico. Isso aqui foi um marco que o Brasil deixou na fronteira — resume o capitão de corveta Mário da Silva Santos Neto, 35 anos, comandante encarregado do Serviço de Sinalização Náutica do Sul, sediado na cidade de Rio Grande.

Com quase 115 anos de existência, o farol recebe visitantes de diferentes Estados brasileiros e do país vizinho. Sua área conta com quatro residências, que são cedidas aos militares responsáveis pela manutenção do local, além de outras estruturas de apoio. Em 2024, passou por uma obra, que envolveu a pintura da torre e a reforma da cúpula que abriga a lente, cujo alcance luminoso atinge 46 milhas náuticas — cerca de 85 quilômetros.
História
O Radiofarol Chuí é um dos 17 faróis do litoral do Rio Grande do Sul. Foi construído entre 1906 e 1910, depois que a Marinha do Brasil solicitou o terreno onde está localizado ao fazendeiro João Pedro Pereira, que acabou sendo seu primeiro faroleiro.
A inauguração da primeira torre do farol ocorreu em 24 de maio de 1910. Em 1934, a estrutura metálica enferrujada foi destruída, dando lugar a uma torre de concreto que, em poucos anos, fora substituída devido à possibilidade de desabamento por conta da instabilidade do terreno.

A torre atual foi erguida em 1943, em um barranco 12 metros acima do nível do mar. Com quatro alhetas verticais, a estrutura de concreto possui 30 metros de altura e, em 1965, passou a funcionar com energia elétrica — o que permitiu um aumento em seu alcance luminoso. Após 10 anos, recebeu o sistema que o transformou em um radiofarol.
De acordo com o comandante Santos, o local é um dos oito faróis do Rio Grande do Sul que contam com a presença de militares durante 24 horas. Também está entre os cinco nos quais os profissionais podem morar nas residências cedidas pela Marinha por até dois anos, junto de suas famílias — nos outros três, que são de difícil acesso, só é possível permanecer por um período de três meses, sem a companhia de familiares.
Funcionamento atual
Atualmente, moram no Radiofarol Chuí três militares: o primeiro-sargento Alisson Costa de Freitas, 41 anos, que é chefe do farol, o segundo-sargento Nikson Medeiros Figueira, 38, que atua como faroleiro, e o segundo-sargento Rafael Oliveira dos Passos, 37, responsável pelas comunicações navais. O grupo é responsável por garantir o funcionamento adequado do local, realizando as manutenções necessárias.
Os militares também desenvolvem outras atividades. O sargento Alisson, por exemplo, é eletricista, então realiza as manutenções preventivas do gerador, que precisa funcionar para que o farol acenda em caso de falta de energia elétrica. Já Passos fica mais encarregado da estação rádio, enquanto Nikson atua com foco maior na questão da sinalização.

Como rotina, o grupo precisa realizar a observação meteorológica. Assim, de três em três horas, das 9h às 21h, o militar de serviço utiliza equipamentos específicos para coletar dados sobre pressão atmosférica, temperatura, umidade e velocidade do vento. As informações são enviadas por e-mail para o Centro de Hidrografia da Marinha, no Rio de Janeiro, onde são feitos boletins de previsão do tempo.
— A observação é importante porque a Marinha faz avisos de mau tempo e boletins de previsão em toda a área marítima do Brasil. E daí os dados coletados aqui informam com está o vento, as nuvens, a temperatura, e entram em um modelo que gera a previsão do tempo. No litoral todo do Brasil, os faróis que são guarnecidos têm essa dupla função. Então, os militares fazem um curso de observador meteorológico — esclarece o comandante.
Importância do farol
O comandante Santos destaca que qualquer trabalho realizado nos faróis já é mais complicado por natureza e que as torres ainda são fundamentais para auxiliar a navegação. Isso porque o litoral do Rio Grande do Sul é muito plano, sem picos na costa, nem grandes baias, enseadas e montanhas que ajudem na localização. Esse é um dos motivos que faz ser tão gratificante conseguir garantir o funcionamento adequado do sistema de sinalização.
— Aqui tem muita baixa visibilidade, muito nevoeiro, muita tempestade. Se não tivesse o farol, seria muito difícil para o navegante identificar onde está na costa. Então, realmente é essencial ter e manter esses faróis todos — defende.

A principal função de um farol é, portanto, guiar o navegante, fazendo com que se localize e saiba por onde está navegando. Mas há também atividades subsidiárias, ressalta o comandante:
— O farol funciona como um posto de observação meteorológica, como uma estação rádio, como um ponto de apoio logístico, como um heliponto. Então, o farol está envolvido nas atividades de busca e salvamento. Qualquer navio perdido, qualquer busca e salvamento aqui no extremo sul do Brasil, a aeronave vai vir aqui e vamos ser um ponto de apoio logístico, vai ter uma equipe por terra, a comunicação via rádio, eles vão estar ali o tempo todo chamando a embarcação.
Como visitar
Para visitar os faróis, é necessário solicitar autorização prévia ao Serviço de Sinalização Náutica do Sul, com antecedência mínima de três dias. O horário de visitação é das 9h às 17h. A solicitação deve ser enviada para o e-mail ssn5.secom@marinha.mil.br, com as seguintes informações:
- Farol pretendido
- Data e horário da visita
- Nome completo dos visitantes
- Número do RG ou CPF dos visitantes
Cuidados com a torre
Manutenção, vigília constante e centenas de degraus por dia: como é a rotina de um faroleiro
O segundo-sargento Nikson Medeiros Figueira, 38 anos, sobe e desce 135 degraus ao menos duas vezes ao dia. A atividade envolve a colocação e a retirada de cortinas no entorno da cúpula que abriga a lente de Fresnel no topo do Radiofarol do Chuí, localizado em Santa Vitória do Palmar, na fronteira entre o Brasil e o Uruguai. Junto à manutenção e à vigília constante, o processo faz parte da rotina do faroleiro, que é o profissional responsável por zelar pelo funcionamento adequado da torre vermelho e branca de 30 metros de altura.
Natural de Rio Grande, Nikson está em sua segunda passagem pelo Radiofarol do Chuí. Assumiu o cargo de faroleiro no local pela primeira vez em 2019, quando morou em uma das residências do local por dois anos, com a esposa e as duas filhas. Agora, retornou para uma nova temporada. Apesar do clima severo, o sargento garante que se trata de um farol muito bom de servir.
— Mantemos o farol sempre o funcionamento, apresentável, com manutenção em dia. Em dias de sol, é necessário colocar aquela proteção para a lente e, ao entardecer, retiramos para ele entrar em funcionamento. O farol sinaliza durante o dia, com sua torre, é um ponto de referência para o navegante e, à noite, é a luz dele que faz a sinalização. É um auxílio visual à navegação — explica o sargento.
Escolha da profissão
Nikson entrou para a Marinha do Brasil em 2005 e, desde então, também guarneceu por dois períodos de três meses o Rádio Farol Ilha do Mel, no Paraná. No início, contudo, não planejava seguir a profissão focada em faróis.
— Eu não entrei na Marinha pensando em ser faroleiro. Mas quando eu voltei como marinheiro para Rio Grande, servi em um navio balizador, que trabalha com boias e faróis. Foi aí que eu comecei a conhecer a profissão, que trabalha tanto em faróis quanto embarcada em navios balizadores. Então, eu comecei a ter mais vivência do que um faroleiro fazia.

Após passar dois anos embarcado, Nikson começou a atuar como marinheiro no Serviço de Sinalização Náutica do Sul, que é responsável por todos os faróis do Rio Grande do Sul. Foi assim que, em 2009, conheceu o Radiofarol do Chuí. Na sequência, ao apresentar suas opções de especialidade, colocou faroleiro em primeiro lugar.
De acordo com o sargento, a escolha envolve sua preferência por atividades diversas, que fujam da monotonia. Nikson define a profissão de faroleiro como desafiadora, devido à imprevisibilidade da rotina.
— Aqui sempre tem algo para fazer. Não gosto daquela coisa maçante de fazer sempre a mesma coisa todo dia. E o faroleiro, no navio, um dia está navegando para um porto de Itajaí e, no outro, está em Porto Alegre. Um dia está vendo um projeto de balizamento, no outro está em um farol que apagou e precisa restabelecer. Isso quebra um pouco a rotina do cotidiano — justifica.
Rotina no Farol do Chuí
Além da manutenção e limpeza da torre, Nikson divide com os colegas o cuidado com a lente do farol. O militar que está de serviço também fica encarregado do monitoramento noturno. Para auxiliar nessa tarefa, contam com o auxílio da tecnologia: um aplicativo acionado no smartphone no turno da noite, enquanto carrega, sinaliza uma possível falta de energia elétrica, que pode vir a atrapalhar o funcionamento da torre.
O grupo é responsável ainda pela conservação das residências e do pátio do entorno.
— Mantemos as casas e os compartimentos limpos e funcionais. Se queimou uma lâmpada, tem que trocar. Fazemos os reparos necessários para manter as instalações funcionando — resume o sargento.
Apesar da preocupação constante com o funcionamento adequado do farol, Nikson garante que não se arrepende da escolha da profissão e que gosta muito do que faz.
— O legal do farol é tu ver o resultado do teu trabalho, ver que ele está funcionando todo dia. Tu faz a manutenção, limpa, lubrifica e, à noite, o farol funciona normalmente. Isso é satisfatório — enfatiza.
Tradição familiar
"Fazer o que meu pai fez é muito gratificante”, afirma sargento que morou no Farol do Chuí durante a infância
Quando pisou pela primeira vez no Radiofarol do Chuí, há 25 anos, o paraense Rafael Oliveira dos Passos não fazia ideia de qual profissão seguiria quando adulto. Na época, seu pai era responsável por zelar pelo funcionamento adequado da torre vermelha e branca, localizada no extremo sul gaúcho, na fronteira do Brasil com o Uruguai. Em 2000, após a família passar um ano separada em função da rotina escolar, o adolescente e a mãe se juntaram ao militar em uma das residências cedidas pela Marinha do Brasil aos profissionais que atuam na área.
As boas recordações e o carinho que mantinha pelo local fizeram com que, em 2024, Passos voltasse a morar no farol como segundo-sargento de comunicações navais. Aos 37 anos, o filho de faroleiro hoje tem em sua rotina atividades semelhantes àquelas que acompanhou o pai exercendo há mais de duas décadas.
— Eu tenho um carinho enorme por esse farol por ter morado aqui com o meu pai. E poder contribuir, fazer o que meu pai fez, é muito gratificante. Eu sempre ouvi meu pai falar que não podemos deixar um navegante sem observação, então sempre carreguei isso. E agora, aqui no farol, eu procuro colaborar com isso — destaca o sargento, sem conseguir conter as lágrimas.

Quando morou no local pela primeira vez, Passos tinha 12 anos. Devido à mudança, cursou a 7ª série do Ensino Fundamental na Escola Estadual Marechal Soares de Andrea, no Chuí. Nesse mesmo ano, o irmão mais velho também entrou para a Marinha e, por isso, não chegou a residir com a família no farol.
O sargento lembra que a região no entorno do farol era “bem mais inóspita”, com menos moradores e poucas opções de comércio, como mercado e farmácia — diferente do que se observa atualmente.
— Naquela época, não tinha nada aqui. Não tinha TV, não tinha internet, mas eu fiz muitos amigos — comenta, enquanto mostra algumas fotos daquele período, incluindo uma em que aparece andando de skate em frente ao farol.
Tradição familiar
A decisão de seguir a tradição familiar e entrar para a Marinha surgiu naturalmente, explica o sargento. No início de sua carreira, serviu como marinheiro no esquadrão de helicópteros e, depois, atuou no Serviço de Sinalização Náutica do Sul, onde o pai ainda servia.
Passos conta que tinha como primeira opção ser faroleiro, mas não obteve pontuação suficiente para tal. De toda forma, se inscreveu diversas vezes para atuar como comunicador naval no farol — objetivo atingido no ano passado.
— Tem muito tempo que não vejo meu pai, então falar dele me emociona. Dá uma saudade imensa. Ele voltou para Belém (no Pará) e a última vez que vi ele foi em 2016. Esse ano ele falou que vem para cá por eu estar servindo aqui no farol. Mas eu ligo, faço videochamada e mando fotos para mostrar para ele como o farol está. Ele fica bem alegre — relata Passos.
Atualmente, o sargento mora com a esposa, Tamires Costa, 37 anos, e a filha, Analua Costa dos Passos, sete anos, em uma das quatro casas instaladas no amplo pátio que abriga a torre. A família deve permanecer no local pelo período máximo de dois anos, conforme estabelecido pela Marinha. O militar garante que, no futuro, certamente voltará se tiver uma oportunidade:
— Já estou bem feliz de ter conseguido esses dois anos. A minha filha está tendo a mesma experiência que eu tive. Espero que ela também guarde boas recordações daqui.
Vantagens e desafios
De acordo com Tamires, o carinho que o marido sempre teve ao falar sobre o farol foi um dos principais motivos para a mudança da família, há cerca de sete meses. Antes disso, eles moravam na Praia do Cassino, em Rio Grande.
— Eu queria que Analua tivesse essa experiência também. É uma outra era, uma outra geração, mas ela está tendo essa experiência de viver com a natureza, de sair um pouco das telas, de ter que inventar a própria brincadeira. Fora que aqui é maravilhoso, não tem como não gostar. É muito bom, pertinho da praia, sossegado, tranquilo — opina a esposa.

O casal ressalta que o acolhimento da comunidade do entorno do farol foi fundamental para a adaptação da família. Entre as dificuldades, Tamires cita a mudança de escola bem no período de alfabetização da filha e o clima, já que o inverno costuma ser muito rigoroso, com bastante chuva, vento e frio.
Apesar disso, garante que a experiência está sendo boa:
— Já estávamos muito otimistas de que seria uma experiência incrível quando decidimos vir. Porque vir para cá é uma oportunidade que nem todo mundo tem: no nosso pátio tem um farol que acende todo dia. As pessoas me perguntam se não enjoo de olhar o farol, mas não. E estamos bem na fronteira, então também é uma oportunidade de conhecer outros lugares.
Expediente
Reportagem
Jhully Costa
Fotos
Camila Hermes
Edição
Cassia Oliveira
Design
Carlos Garcia
Edição de vídeo
Lysiane Munhoz
Curadoria de imagens
Daniel Marenco
