As cerâmicas
de Cláudio Freitas

N  o Calçadão de Sapucaia do Sul, região metropolitana de Porto Alegre, Cláudio Freitas caminha lentamente por volta das 16h de uma segunda-feira nublada e com vento gelado. Olha de um lado para o outro em meio à multidão e logo localiza a reportagem de ZH. Veste calça jeans, camisa azul e uma jaqueta preta. Usa sapatos com as pontas gastas. O sorriso está travado. Fala baixinho, quase sussurrando. Esclarece de imediato:

– Quase desisti de vir. Fui disputar uma bola no joguinho e o zagueiro me deu uma cabeçada. Olha como ficou, está difícil até de falar – mostra, constrangido, apontando o dente quebrado e o lábio ainda inchado. – Mas vamos para a nossa conversa.

À tarde, quero ver se vou ao dentista.

O joguinho a que se refere Cláudio Luís Martha de Freitas, 50 anos, meia de perna esquerda habilidosa que atuou em Inter e Grêmio nos anos 1980, é um dos tantos de que o ex-jogador participa para “fazer um dinheirinho”. Cláudio corre atrás da máquina. A grana farta de quando dava canetas nos adversários e fazia lançamentos perfeitos de 40 metros dos tempos de profissional virou pó.

No Bar do Tonho, ponto definido pelo ex-atleta para conceder a entrevista, a curiosidade é saber quanto ele ganha com os “jogos exibição” (ainda que às vezes atue apenas pelo prazer de voltar a campo):

– Depende do jogo e de quantos jogadores vão ser chamados, pode ser R$ 100, R$ 200, um pouco mais. Quando o Iúra e o Mazzaropi (ex-atletas do Grêmio que organizam jogos de veteranos) me convocam, aí é melhor, vale a pena.

Mesmo que curta, a grana das peladas ajuda no orçamento, hoje garantido com o trabalho de vendas e colocação de cerâmica. A reportagem quer saber mais sobre o emprego, pergunta quanto ele ganha. Mas ele dá um drible de corpo:

– É um trabalho normal, como os outros, recebo o suficiente, está tudo bem.

Não está tudo bem. O ex-meia não soube administrar o dinheiro do futebol. Tampouco se programou para o futuro. Sempre foi um jogador irreverente. Inconsequente, muitas vezes. Faltava a treinos, discutia com treinadores e colegas. Fazia noitadas. Tanto no Grêmio (onde atuou de 1978 a 1980 e depois retornou em 1994) quanto no Inter (1985 e 1986), levava os técnicos à loucura.

– Sim, odiava treinar, era um martírio. Meu negócio sempre foi entrar em campo e jogar. Os treinamentos me aborreciam – confessa. – Quando trabalhei com o Felipão (em 1994, no Grêmio, no qual fez parte do grupo campeão da Copa do Brasil), o furo foi mais embaixo. O homem era brabo, tive de me esforçar.

Corria meia hora de entrevista e o Bar do Tonho já estava rodeado de curiosos. Atentos à conversa, sorriram ao vê-lo falar sem rodeios sobre a fama de festeiro.

– Sim, fiz bastante festa, mas qual jogador não faz? – compara. – Tomo minha cervejinha até hoje, sem problemas.

Cláudio Freitas diz não se arrepender de nada. Mas, nas entrelinhas, revela decepções. Como não ter feito boas negociações nos contratos, especialmente quando jogou na dupla Gre-Nal. Os tempos eram outros. A figura do empresário era rara, e as transações eram diretas com os dirigentes.

– Hoje, quem sabe, seria diferente – consola-se o sobrinho de Alcindo Martha de Freitas, um dos grandes ídolos do Grêmio, morto recentemente.

Talvez. A realidade de Cláudio Freitas é dura. Não fez patrimônio – não possui casa própria, economias. Dá para perceber, pelas mãos calejadas, que precisa trabalhar duro com a cerâmica para se sustentar. A trajetória tem sido complicada após a aposentadoria dos gramados. Em 2011, em Francisco Beltrão, no Paraná, parou na delegacia após suspeita por receptação de objetos roubados de uma Igreja da Assembleia de Deus.

A carreira do canhoto, que era para ser brilhante, foi encerrada de forma melancólica em 2004, aos 38 anos, no Santo Ângelo. Um detalhe importante: Cláudio Freitas não guarda lembranças dos tempos de jogador. Não tem camisetas, recortes, chuteiras ou medalhas. O ex-meia da Dupla, que também atuou por Criciúma, Passo Fundo, Brusque e Francisco Beltrão, entre outros, deixou tudo pelo caminho.

– Não tenho nada, doei algumas coisas, dei outras. Nunca liguei para isso, sempre fui mão aberta – conta, com olhar distante, antes de sumir no Calçadão de Sapucaia.

“Camisetas, chuteiras, medalhas, recortes de jornal... Não tenho nada. Doei algumas coisas, dei outras. Nunca liguei para isso, sempre fui mão aberta.”

Antônio Vargas, bd

“Fiz bastante festa, mas qual jogador não faz?”