China foi salvo
pela igreja

Bem antes de Dinho se consagrar com a camisa 5 do Grêmio, a 5 era China, e China era a 5. À frente de De León, Newmar e Baidek, o guri de Espumoso ganhou Rio Grande do Sul, Brasil, América e o mundo. Hoje, aos 57 anos, Henrique Valmir da Conceição mora na Avenida Flores da Cunha, via que corta a cidade de Cachoeirinha. Os 64 degraus, da entrada do prédio até o apartamento de três quartos, são cumpridos com algum sofrimento e com o apoio dos corrimões, tendo como pano de fundo as paredes de azulejos brancos e celestes.

– Lembro que joguei futebol quando desço ou subo as escadas. Os joelhos doem muito, em dias úmidos e frios, como esse – afirma China.

A conversa volta e meia é interrompida pelos jatos da Força Aérea Brasileira – aquele trecho de Cachoeirinha é rota para os pousos na pista da base aérea de Canoas. Na parede da sala, uma foto do faustoso Templo de Salomão, da Igreja Universal, em São Paulo.

– A minha vida familiar e profissional recomeçou no ano passado. Ressurgi aos 55 anos. Estou muito bem agora – diz China, que, quando entrou para a igreja, deixou o bigode crescer, ao estilo dos anos 1970.

Pai de sete filhos de relacionamentos diferentes – Cláudio Henrique, 33 anos, João Henrique, 30, Gabriela, 28, Victor Hugo, 22, Vitória, 15, Pedro Henrique, 13, e Lucas Eduardo, cinco –, China perdeu boa parte da renda em parcerias que não deram certo. Nas sociedades, herdou as dívidas.

– Em 2015, procurei a igreja porque bebia muito. Gostava da cerveja e de farra com os amigos. Buscava aquela realização passageira, sabe? Mas isso era passageiro mesmo, acabava logo e ficava a ressaca. Alguns amigos verdadeiros me convidaram para ir à igreja. Fui e gostei. Hoje, me sinto bem de forma permanente – prega.

Símbolo de tempos áureos do Olímpico, 372 jogos e 28 gols vestindo o manto azul, preto e branco, China também foi resgatado pelo clube. Por meio do ex-presidente Fábio Koff, o volante da Libertadores e do Mundial de 1983 voltou ao Grêmio. Treina o time sub-15 e, agora, passou também a viajar para analisar jogadores de 10 a 15 anos de idade em outros Estados.

– A base é o futuro do clube. Consegui um bom contrato com o Grêmio. Romildo (o presidente Romildo Bolzan Júnior) me ajudou, fez um adendo ao meu contrato – diz China.

O “adendo” foi uma extensão do plano de saúde a todos os sete filhos – era a maior preocupação na vida de China.

– Muitas vezes, a gente não pode dar tudo que deseja aos filhos. Pelo menos consegui garantir saúde para todos – emociona-se.

O ex-volante jogou futebol durante 16 anos, do 14 de Julho de Passo Fundo ao Santo André-SP. Depois, tentou a carreira como treinador. Sempre recebeu ofertas para trabalhos emergenciais.

– Já peguei muito rabo de foguete como treinador de time profissional. Te chamam na ruim, não te dão tempo para treinar, tu não conhece os jogadores, mas precisa trabalhar. Acaba aceitando, não ganha e é demitido muitas vezes sem receber salário. Mas abri os olhos e, quando tive a chance, voltei ao Grêmio. Rodei muito e não quero mais times profissionais, desorganizados, mal assessorados. Só de base. Demorei 20 anos para voltar ao Grêmio e não quero sair mais – afirma.

China leva uma vida simples em Cachoeirinha, ao lado da mulher, Patrícia. Se está de folga, em casa, costuma vestir um abrigo e ficar assistindo à TV, revisitando os treinos, mas sempre de prontidão para cuidar de Vitória, Pedro Henrique e Lucas Eduardo, os três filhos que ainda não deixaram o ninho.

– Meus filhos são tudo para mim. Certa vez, um cara me disse no bar: “Olha aí, o burro. Resolveu ganhar títulos em vez de ganhar dinheiro”. Fiquei pensando sobre aquilo. E o cara tinha razão. Mas não me arrependo. Quando nasci, minha mãe perguntou a meu pai: “É menino ou menina?”. E ele respondeu: “É homem”. Nasci homem e honesto. E assim vou morrer, para honrar os meus pais.

“Procurei a igreja porque bebia muito. Gostava da cerveja e de farra. Queria aquela realização passageira, sabe? Mas isso era passageiro mesmo, acabava logo e ficava a ressaca.”

Paulo Dias, bd

“Minha vida familiar e profissional recomeçou no ano passado. Ressurgi.”